A Ceia do Senhor: Livre ou Restrita?

A NATUREZA DA CEIA DO SENHOR - Em Memória de Mim

SOBERBO É QUEM “não se conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Tm. 6:3) porquanto a advertência de Paulo a Timóteo também nos afeta: “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido...” (II Tm. 1:13).

A Verdade de Deus é mais segura na “linguagem sã” (Tt. 2:8). Com efeito, as sãs palavras facilitam a sustentação da “Sã Doutrina”.

Expurguemos do nosso linguajar os termos que podem comprometer a Ordenança Memorial com as suas trágicas deturpações. Chamemo-la de CEIA DO SENHOR, ou MESA DO SENHOR ou ainda PARTIR O PÃO que são expressões bíblicas. Expunjamos as locuções “sacramento”, “eucaristia”, “santa ceia” e que tais porque além de não serem bíblicas, estão comprometidas com aberrações doutrinárias.

Lucas (22:9) e Paulo Apóstolo (I Cor. 11:24 – 25) consignam o vocábulo epigrafado MEMÓRIA. Estudemo-lo. Esta sã palavra encerra em compacto e sólido conteúdo doutrinário. Ela define a natureza da Sagrada Ordenança.

1) – MEMÓRIA é recordação. Um objeto é memória na medida em que desperta a lembrança de algo ou de alguém.

A Ceia do Senhor, por Ele próprio instituída e ordenada, é o símbolo, a representação dramatizada em figuras, a comemoração por meio do uso de emblemas específicos, da Morte de Jesus Cristo. É o Monumento Memorial da Redenção do qual os membros de uma Igreja, juntos, reunidos para esse finalidade, participam.

Em decorrência de ser memória a Ceia, também os seus dois elementos são simbólicos. O pão figura o corpo de Jesus que por nós foi “partida” e o vinho representa o Sangue do Salvador por nós “derramado”. Separados figuram outrossim a Sua Morte consumada na cruz precisamente com a separação do Sangue e do Corpo.

Nas refeições alimentamos nossos corpos. Eles definham sem a nutrição. Espiritualmente vivemos de Cristo (Gl. 2:20). Assimilando continuamente pela fé os méritos de Sua Morte somos nutridos por Ele. Pão e vinho por serem alimentos simbolizam no ritual da Ceia do Senhor esta apropriação de Cristo pela fé. Não é que esses elementos tenham em si qualquer poder de comunicar a Graça ou que tenham a “graça inerente”. Em sendo eles semelhanças figurativas de Jesus no Calvário, ao participarmos da Ceia do Senhor, a fé no Salvador é reavivada e reativada em nosso íntimo.

A Mesa do Senhor em pão e vinho é símbolo, repitamos até à saciedade. E a Verdade por ela simbolizada é a Expiação de Cristo pelo pecado. Ela jamais nos favorece a adoção do sentido de presença atual e real, física ou espiritual, do objeto lembrado nos elementos da memória ou símbolos.

A bandeira é memória da pátria. Todavia a pátria não está fisicamente ou espiritualmente presente na bandeira. A fotografia lembra-me meu pai, mas ela não o contém nem física nem espiritualmente.

2) – Nas Sagradas Escrituras é freqüente o emprego do vocábulo MEMÓRA em sua verdadeira acepção sem quaisquer possibilidades de se criar uma semântica a denunciar mudança ou transformação sofrida, no tempo e no espaço, pela sua significação.

Por mais que se queira criar dentro das Escrituras uma semântica acerca do termo MEMÓRIA, ele permanece irredutivelmente inalterado. Também em nosso linguajar comum de todos os tempos.

Naquelas duas pedras incrustadas nas ombreiras do éfode sacerdotal inscreviam-se os nomes dos filhos de Israel para memória deles diante do Senhor quando o sacerdote entrava no Santuário (Ex. 28:9-12,29; 39:7).

Na eventualidade de o marido suspeitar infidelidade da mulher deveria ele apresenta-la ao sacerdote acompanhada de uma oferta de farinha de cevada com incenso, “a oferta de manjares de ciúmes, oferta MEMORATIVA, que traz a iniqüidade em MEMÓRIA” (Nm. 5:15,18).

O povo de Amaleque prejudicou os filhos de Israel quando da saída deles do Egito. Quando repousassem de todos os seus inimigos na terra de sua herança apagariam a “MEMÓRIA de Amaleque de debaixo do céu” (Dt. 25:19).

Se os filhos de Israel se desviassem dos caminhos do Senhor seriam espalhados por todos os cantos e o Senhor “faria cessar a MEMÓRIA dentre os homens” (Dt. 32:26).

Por não ter filho algum Absalão levantou para si uma coluna que lhe conservasse a MEMÓRIA do nome (II Sm. 18:18).

Quando morreu o filho da viúva de Zarefate, a mãe desolada lamentou-se a Elias: “Vieste tu a mim para trazeres à MEMÓRIA a minha iniqüidade, e matares a meu filho?” (I Rs. 17:18).

A Festa de Purim celebrava o livramento dos judeus sob o império de Assuero e se constituiu em MEMÓRIA deles para os seus descendentes (Éster 9:28).

A MEMÓRIA do ímpio há de desaparecer na terra (Jó 18:17) e a do inimigo perecerá com as cidades por ele arrazadas (Sl. 9:6). Contra os malvados Se volta a Face do Senhor “para desarraigar da terra a MEMÓRIA deles” (Sl. 34:16). Se o nome dos ímpios perecerá, “a MEMÓRIA do justo é abençoada” (Pv. 10:7). “...o justo ficará em MEMÓRIA eterna” (Sl. 112:6). E o Salmista, nas suas aflições, suplica a Deus que a iniqüidade dos pais dos seus inimigos esteja na “MEMÓRIA do Senhor” (Sl. 109:15).

A MEMÓRIA do Senhor permanecerá de geração em geração (Sl. 102:12). “O Teu Nome, ó Senhor, permanece perpetuamente; e a Tua MEMÓRIA, ó Senhor, de geração em geração” (Sl. 135:13). As gerações “publicarão abundantemente a MEMÓRIA” de “Grande Bondade” de Deus (Sl. 145:7).

Os profetas igualmente sempre aplicaram o termo MEMÓRIA nesta significação de lembrança sem qualquer sugestão de presença física ou espiritual de alguém no objeto memorial (Is. 26:8, 14; 65:17; Jer. 11:19; Ez. 18:24; 21:24; 25:10; 29:16; 33:16; Zc. 13.2).

3) – O Novo Testamento encampa invariavelmente a mesma acepção.

Mateus ao se referir à mulher que derramara ungüento nos pés de Jesus, anotou a promessa dEle no sentido de que o seu gesto seria mencionado “para MEMÓRIA sua” (Mt. 26:13). Ninguém há de pretender uma presença física ou espiritual da mulher quando se lê o registro de seu feito ou quando a ela se alude.

Ao orar pelos romanos, efésios, filipenses, tessalonicenses, Timóteo e Filemon (Rm. 1:9; Ef. 1:16; Fl. 1:3; I Ts. 1:2; II Tm. 1:3; Fm. 4), tendo em sua mente a lembrança deles, é evidente que Paulo Apóstolo não tinha em si a presença física ou espiritual desses fieis. Em contrapartida, ao aludir à “afetuosa lembrança” que os tessalonicenses lhe dedicavam o Apóstolo estava longe de admitir a sua própria presença física ou espiritual no coração saudoso daqueles crentes (I Ts. 3:6).

Se no Antigo Testamento os verbos correlatos a MEMÓRIA ou LEMBRANÇA como recordar, lembrar, também na voz passiva (recordar-se, lembrar-se), têm o seu emprego natural, o mesmo ocorre no Novo Testamento, desde Mt. 5:23 a Ap. 16:19.

4) – Fato idêntico acontece no grego, a língua original do Novo Testamento. Se em português temos os vocábulos sinônimos memória, recordação, lembrança, igual fato se dá com a língua original do Novo Testamento. Por exemplo mneia, mnemosunon, mneme, e os verbos correlativos igualmente sinônimos: mimneskomai e mnemoneou.

5) – Há todavia um outro termo sinônimos que nos chama a atenção pela proposição ANA e ele juntada. É ANAMNESIS, usado por Lc. 22:19 e por Paulo em I Cor. 11:24-25, ambos no registro da Ceia do Senhor.

A preposição grega ANA tem várias aplicações. Pode expressar a idéia de para cima, no meio de, para trás, de novo. No caso específico da Ceia, é evidente, denota repetição. MEMÓRIA, COMEMORAÇÃO ou LEMBRANÇA REPETIDA, fazendo-nos voltar para trás em nossa recordação do Evento do Calvário já acontecido no passado. A preposição ANA aqui, por conseguinte, não denota qualquer indício de alguma presença da coisa ou da pessoa memorada. Nem aqui e nem em parte alguma quando vem anexada a MNESIS.

Com efeito, ANAMNESIS é COMEMORAÇÃO ou lembrança repetida de um acontecimento. A Ceia do Senhor é a cerimônia em memória do importantíssimo acontecimento de Sacrifício de Cristo.

“...fazei isto em MEMÓRIA (ANAMNESIS) de Mim”, disse Jesus (Lc. 22:19 e I Cor. 1124-25).

O próprio contexto, sobretudo de I Cor. 11:23-34 demonstra o aspecto de repetição da solenidade destacada pela preposição ANA. A locução TODAS AS VEZES dos vv. 25 e 26 de I Cor. 11 sublinha esse aspecto e explica a presença da preposição.

A palavra ANAMNESIS aplicada por Lucas e Paulo Apóstolo ao consignarem a instituição da Ceia do Senhor, quando poderia ter sido adotado outro termo sinônimo não implica em idéia de qualquer presença real, física ou espiritual, de Cristo nas espécies de pão e vinho. Porque se o emprego dessa palavra é próprio do registro da fundação da Ceia, contudo, não é unicamente encontrado aí. Encontro-o na versão grega do Velho Testamento, a VERSÃO DOS SETENTA, a SEPTUAGINTA.

Vejo-o aplicado exatamente em relação ao pão também adotado no Culto a Deus. Em Lv. 24:5-9 deparo-me com as minuciosas instruções do Senhor Deus quanto ao pão disposto na “mesa pura” do Culto Sagrado da Antiga Aliança: “E sobre cada fileira porás incenso puro, que será para o pão por oferta memorial (ANAMNESIS); oferta queimada é ao Senhor” (Lv. 24:7). Também aí a preposição ANA denota o aspecto da permanência do símbolo- memória no elemento pão a ser renovado em tempos determinados.

Releva observar-se que a admitir-se qualquer presença real, física ou espiritual, no pão da Ceia do Senhor em resultado do emprego do vocábulo ANAMNESIS, de igual modo haver-se-ia de se aceitar semelhante presença naquele pão do Culto do Velho Testamento.

Paulo Apóstolo outrossim aplica-o mais uma vez além de em I Cor. 11:24-25. É em Hb. 10:3 onde, ao aludir à ritualística da Lei, diz: “Nesses sacrifícios, porém cada ano se faz comemoração (ANAMNESIS) dos pecados”.

Seria possível aceitar-se qualquer presença verdadeira, real, nesta ANAMNESIS?

Este vocábulo também tem seu verbo correlativo com o destaque da preposição ANA a ele ajuntada. É o verbo ANAMIMNESKO.

Macros emprega-o duas vezes. “E Pedro, lembrando-se, disse-Lhe: Mestre, eis que a figueira, que Tu amaldiçoaste, se secou” (11:21). “E o galo cantou segunda vez. E Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe tinha dito...” (14:72).

Paulo Apóstolo, pelo menos em quatro outras oportunidades, adota o verbo ANAMIMNESKO. “...o qual” (Timóteo) “vos lembrará os meus caminhos em Cristo” (I Cor. 4:17). “E o seu” (de Tito) “entranhável afeto para convosco é mais abundante, lembrando-se da obediência de vós todos...” (II Cor. 7:15). “Por cujo motivo te” (a Timóteo) “lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti...” (II Tm. 1:6). “Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportais grande combate de aflições.” (Hb. 10:32).

Seria incorrer em inconcebível e imperdoável absurdo admitir-se nesses versículos de Marcos e de Paulo, onde aparece o verbo ANAMIMNESKO qualquer vestígio de verdadeira presença física ou espiritual.

6) – A Ceia, em sendo simbólica em sua celebração e em elementos materiais constitutivos, dramatiza o Evento da Morte de Jesus Cristo e nossa posse de Seus Méritos por nossa fé nELe.

Drama é uma peça teatral, em geral dividida em atos, em que os atores encenam comovente episodio capaz de transmitir ensinamentos. Em suas vestimentas, caracterização e atitudes os artistas encarnam e reproduzem um papel.

No primeiro apresentam-se os atores. Não artistas homens e mulheres. Os atores deste drama são as espécies de pão e vinho. O pão sem fermento a representar Cristo impecável com “os ázimos da sinceridade e da verdade”, porquanto nEle não há a levedura do pecado. No Antigo Testamento a Páscoa se celebrava com Paes ázimos e todo o fermento se retirava das casas dos israelitas (Êx. 12:15,19). Elemento de corrupção deve ser removido das Igrejas com o afastamento dos indignos (I Cor. 5:7). De resto, Jesus assemelha ao fermento a doutrina dos fariseus e dos saduceus (Mt. 16:11-12). Em Lc. 12:1 outrossim adverte os discípulos: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus que é a hipocrisia”.

O pão sem fermento da Ceia é o símbolo de Cristo Imaculado, limpo das doutrinas dos fariseus e saduceus. É o Cristo sem qualquer hipocrisia. Cristo é a nossa Páscoa! Deve celebrado sem a levedura da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade, exorta o Apóstolo aos coríntios e através deles a nós (I Cor. 5:7-8).

O suco do fruto da videira é o Sangue preço do nosso Resgate.

No segundo ato do drama a significação da solenidade é exposta com a leitura das Escrituras pertinentes a nos evocarem o Magno Episódio.

No terceiro ato o pão é partido e o vinho derramado. É a dramatização do Corpo partido de Jesus e de Seu Sangue Precioso manado da cruz. Sangue separado do Corpo partido a figurar a Morte com a qual tudo Ele consumou.

No quarto ato do drama os partícipes comem do pão e bebem do Sangue. A memória deles se reaviva em direção daquele momento culminante da conversão de cada um quando cada um pela fé foi ao Salvador. E como o nosso organismo físico se nutre pelo comer e beber, revigora-se a nossa vida espiritual pela fé em Cristo. Esta fé, porque por ela nos apropriamos de Cristo, assemelhada ao comer a Sua Carne e ao beber o Seu Sangue.

7) – Congregado com toda a Igreja ao participar da Ceia o crente exercita três capacitações: a memória, a fé e a esperança.

Pela lembrança ele se volve ao passado. Não a recordar-se de seus pais ou de episódios de sua infância. Mas de Jesus Cristo. Não de Jesus menino reclinado na manjedoura, nem a discutir com os doutores da Lei no Templo, nem a palmilhar as estradas palestinas, nem a estender as Mãos na cura de doentes e no acalmar tempestades, nem a ressurgir dos sepulcro. Recorda-se de Jesus Cristo cravado e morrendo na cruz.

Pela fé fixa-se no presente. Ao comer aquele pão e ao beber daquele fruto da vide, símbolos externos do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, ao discernir neles esse Corpo e esse Sangue, a fé lhe exibe Cristo a sofrer especificamente pelos seus pecados. Os pecados que o participante da Ceia tem cometido em seu viver.

A esperança condu-lo adiante. Projeta-o no futuro. Posto no porvir preliba a Gloriosa Volta de Jesus. “Porque todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando a Morte do Senhor ATÉ QUE VENHA” (I Cor. 11:26).

Todas estas considerações confirmam a convicção de ser, por sua própria natureza, a Ceia do Senhor o MEMORIAL, a recordação, ou lembrança, ou comemoração, de nosso Senhor Jesus Cristo cujo Corpo se dilacerou e cujo Sangue se espargia na cruz. A Ceia do Senhor é a sua anamnésia!

A Ceia Memorial se celebra, consoante sua Instituição Divina, com o uso de dois elementos ou espécies: pão e vinho. Ambos simbólicos. O primeiro do Corpo de Cristo e o segundo do Seu Sangue.

Em meu livro A MISSA, com a finalidade de rebater o dogma vaticano da transubstanciação, alongo-me em vários tópicos na análise dos testos escriturísticos da fundação da Ceia Memorial, no intuito de frisar a simbologia das duas espécies e do seu ritual.
Autor: Aníbal Pereira dos Reis - ex-sacerdote Católico Romano
Digitação: Sabyrna Santos e David C. Gardner 12/2008
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br