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Capítulo 1: A natureza do pecado

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O pecado é um fato patente – sua realidade não precisa de argumento. É um fato de experiência, de observação e de revelação. É algo que sinto em meu próprio coração, algo que vejo nos outros, até mesmo em meus melhores amigos e entes queridos. É algo que se encontra revelado na Bíblia. O policial o persegue, o médico o receita, a lei o descobre, a consciência o condena, Deus o controla e castiga. Mesmo assim, ninguém o quer ter para si. Mas, a realidade nua e crua, é que pecado é tudo o que a gente tem. O homem é o mordomo de tudo o que possui. Embora o pecado seja óbvio, há uma tendência de tratá-lo como algumas pessoas tratam os parentes que não prestam: ou é ignorado ou até mesmo negado.

Pode-se definir o que é pecado, mas não se pode explicá-lo. O modo que começou no universo é um profundo mistério. Ele não existia na criação, pois Deus a qualificou de “boa”. O pecado é um parasita, um intrometido, uma monstruosidade terrível. Ele apareceu na terra num jardim de delícias, após ter contaminado o céu, e transformou esta terra bonita num deserto de miséria. Lemos que na criação só havia céu e terra, mas depois vemos que o fogo eterno foi preparado para o diabo e seus anjos.

O pecado engana, rouba e destrói. Ele promete prazer, mas o pagamento é a dor. Promete vida, mas dá morte. Promete lucros, mas dá pobreza – a perda de tudo o que é bom. Cada pecado cometido visa um lucro. Ninguém pecaria se não visse lucro de uma forma ou de outra. Há lucro no pecado, mas é por tão pouco tempo! Moisés deu uma olhada e fez uma decisão sábia. Preferiu sofrer aflições com o povo de Deus, do que aproveitar os prazeres do pecado, por um tempo. Considerou “o vitupério de Cristo” (Hebreus 11:26) uma riqueza maior do que todos os tesouros do Egito. Fez sua escolha tendo em vista o dia do juízo.

O pecado é perigoso, e isto vai além do que se possa expressar e descrever. Ele transgride a lei moral de Deus e esta lei transgredida clama por retribuição justa. O pecado é contra Deus, o Juiz de toda a terra, e tem que ser julgado diante de Deus. O crime é contra a sociedade humana. Ela pode e castiga o pecado. A sociedade humana talvez deixe de punir o criminoso, mas Deus nunca deixará de punir o pecador que não tem Jesus como Salvador. Todo crime contra os homens é pecado contra Deus, mas nem todo pecado contra Deus, é crime contra os homens. A sociedade humana castiga os homens pelo que fazem; Deus os castiga pelo que são e de acordo com o que fazem. Cada pecador ou será castigado em sua própria pessoa ou na pessoa de um Substituto e Fiador, o qual é o Senhor Jesus Cristo, o Fiador de uma aliança melhor. O único modo possível pelo qual qualquer pecador pode receber o favor de Deus, como o doador da lei, era que Cristo, o Justo, sofresse pelo injusto. 1 Pedro 3:18.

DEFINIÇÕES FALSAS DO QUE É PECADO

1. Modernismo. John Fiske (1842-1901) diz que o pecado original não é nada mais, nada menos do que a herança carnal (física) que cada homem leva consigo e que o processo da evolução é um avanço na direção da salvação verdadeira. De acordo com esta opinião, a raça humana está a caminho da salvação; não há esperança para o indivíduo, a raça humana será salva, quando o processo da evolução se tornar perfeito. É como tentar domesticar um animal selvagem. De acordo com esta opinião não há responsabilidade individual e, sendo assim, nenhuma salvação individual. Que esperança vai se dar a quem clama: “Que é necessário que eu faça para me salvar”? É a “guerra fria” e guerras de verdade em vários lugares, com as conseqüências terríveis à felicidade e segurança, que mostram que o processo evolucionário de salvação é uma mentira.

2. Ciência Cristã. (Mary Baker Eddy). “O pecado é uma ficção de uma imaginação pervertida” – “Uma criação imaginária de mentes anormais”. Em outras palavras, o pecado não existe; não é real. Há quem pense que peca e isto é uma doença da mente. O homem convicto de seu pecado é um desequilibrado mental e aquele que se entristece por seu pecado e busca o perdão de Deus está completamente insano. Tal tolice é refutada pela ciência, pelas Escrituras e pelo senso comum. Quando o pródigo caiu em si, disse: “Pequei”. Insano é quem nega o fato do pecado. “Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e sua palavra não está em nós”. 1 João 1:10.

3. A Opinião Popular vê o pecado como apenas um crime contra a sociedade. Os pecadores são somente os que incorrem nas extravagâncias da mocidade: os viciados, as prostitutas, os criminosos e os bandidos. Há mais ou menos setenta anos, os japoneses se ressentiram com a pregação de Paul Kanamoro. Reclamaram de que Paulo falava com eles como se fosse um promotor falando a réus. Confundiram pecado com vício. Não puderam fazer distinção entre pecado e crime. Cada pessoa é um pecador nato, mas nem todos são viciados ou criminosos. Há muitas mulheres virtuosas, mas não sem pecado. Há muitos homens obedientes à lei, mas não sem pecado. Há bebês lindos em toda parte, mas não bebês sem uma natureza pecaminosa. (Salmo 51:5; 58:3; Efésios 2:1-3).

ALGUMAS DEFINIÇÔES VERDADEIRAS DO QUE É PECADO

1. A Confissão de Westminster:

“Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus ou qualquer transgressão desta lei”. Esta é uma boa definição e inclui tanto os pecados de comissão quanto os de omissão. A lei moral de Deus – o padrão eterno do que é certo e errado – se resume em amar, de modo supremo a Deus e ao nosso próximo, como a nós mesmos.

2. A. H. Strong:

“Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, quer em atos, caráter ou natureza”. Esta é uma definição ainda melhor, pois reconhece o pecado como condição da natureza humana. O pecado habita no coração, é uma qualidade do ser.

3. O Apóstolo João:

“Pecado é iniqüidade” (transgressão da lei). 1 João 3:4b. Ou mais literalmente: “Pecado é fazer o que é ilegal”. Não pode haver pecado onde não há lei. Se não houver Legislador (Deus), ao Qual devemos prestar contas, então não pode haver pecado, pois pecado é fazer o que é ilegal.

NÃO ATINGIR O ALVO

Há uma palavra na Bíblia que significa “não atingir o alvo”, a qual é traduzida como pecado umas 200 vezes na Bíblia. O homem não atingiu o alvo – não atingiu o propósito da sua existência. Ele foi criado para refletir a glória do seu Criador, mas não atingiu este alvo e está “destituído da glória de Deus”. É como um relógio que não dá as horas; como um carro que não sai do lugar; como carvão que não queima. É um fracasso no maior de todos os empreendimentos – deixou de glorificar a Deus.

O HOMEM ESTÁ LONGE DO ALVO

Há outra palavra usada para descrever pecado e que significa “afastar-se do caminho reto”. Esta concepção de pecado é expressa no Salmo 78:57, onde Deus reclama que Israel se virou “como um arco enganoso”. Mais uma vez em Isaías vemos que “todos estão desgarrados como ovelhas”, “cada um se desviou pelo seu caminho”. O homem está afastado do caminho reto. Em vez de gravitar em torno de Deus, fazendo de Sua vontade o prazer principal, ele se torna uma estrela errante no firmamento moral.

COMPETIÇÃO COM DEUS

Pode-se definir pecado como competir com Deus pela soberania – competir no plano de autoridade. Este aspecto é visto na história do primeiro pecado, como podemos ler em Gênesis 3. A palavra pecado não aparece na narrativa, mas o fato do pecado, sim. Também a natureza do pecado fica claramente revelada. Satanás disse a Eva que se ela e o marido comessem do fruto proibido, seus olhos se abriram e seriam como Deus, conhecendo o bem e o mal. E quando o pecado foi consumado, Deus disse: “Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal”. Gênesis 3:22.

Como foi que o homem se tornou igual a Deus quando pecou? É claro que não tem nada a ver com caráter, porque ao pecar, o homem perdeu o caráter bom com o qual fora criado. Também não significa que adquiriu atributos divinos tais como poder, santidade ou sabedoria. Ao pecar o homem perdeu o poder de viver e morreu; perdeu sua santidade original e se tornou imundo ou depravado; perdeu a sabedoria recebida na criação original e se tornou um tolo. O pecado trouxe morte, depravação e desilusão. O pecado é tolice consumada.

O único sentido possível no qual o homem se tornou igual a Deus foi no espírito e objeto – não na realidade. Adão e Eva declararam sua independência de Deus. Agora teriam suas próprias leis e fariam o que lhes agradasse. Rebelaram-se contra a vontade de Deus para sua vida. Rejeitaram Sua vontade expressa quanto ao que poderiam ter. Determinariam (sabendo por si mesmos) o que era bom e mal – certo e errado. Não mais estariam presos à Palavra de Deus, em relação ao que podiam fazer. Seriam a própria lei e fariam o que quisessem; o que era certo a seus próprios olhos. Deste modo, entraram numa competição com Deus em relação à soberania. Em espírito e objeto se fizeram como Deus. A vontade deles mesmos seria suprema.

Cada pecado é uma competição com Deus no plano de autoridade. Se eu tiver o direito de determinar o que é certo e errado, então sou Deus – sou supremo na questão de autoridade. O pecado é, portanto, uma declaração de independência diante de Deus e isto significa guerra, pois Deus disse: “Eu sou Deus, e não há outro”. Salmo 46:9. Em outro versículo lemos: “Não terás outro deuses diante de mim”. Êxodo 20:3. Portugal não pôde fazer quase nada quando o Brasil declarou sua independência – foi uma coisa perdida. Mas, Deus pode fazer muito em relação a Suas criaturas rebeldes. O pecador entrou numa guerra, já perdida, contra seu Criador. Deus é um Deus zeloso. Ele nunca vai tolerar rivais nem competidores. Ele é a única PESSOA no universo inteiro que tem o direito e o poder de fazer o que Lhe agrada. Somente Ele tem o direito de agir para Sua própria glória. Tudo o que Deus faz, quer em misericórdia ou justiça, é para o louvor de Sua glória. A salvação é unicamente para este fim. Efésios 1:1-14.

A REALIDADE DO PECADO

O pecado é real? Pergunte a Adão e ouça-o lamentar pela perda do Éden. O pecado é real? Pergunte a Caim e o ouça clamar: “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada”. Gênesis 4:13. Pergunte a Abel. Ele não pode falar, mas seu sangue clama a Deus por justiça contra seu assassino. O pecado é real? Pergunte a Davi e escute-o dizer: “Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim”. Salmo 51:3. O pecado é real? Pergunte ao homem rico, no inferno, e escute o que ele diz: “Estou atormentado nesta chama”. Lucas 16:24. O pecado é real? Pergunte a Faraó e preste atenção que disse: “Pequei”, ao descobrir que em cada casa havia um primogênito morto, por toda a terra do Egito. Somente Gósen escapou, por causa do sangue do cordeiro pascal. O pecado é real? Pergunte a Pedro e escute sua confissão: “Ausenta-te de mim, que sou um homem pecador”. Lucas 5:8. O pecado é real? Pergunte aos pais crentes e ouça-os enquanto oram pelos filhos perdidos. O pecado é real? Pergunte ao Filho de Deus e ouça-O clamar, sob fardo tão terrível; “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Mateus 27:46. O pecado é real? Pergunte aos mártires e deixem que lhe digam o preço que pagaram ao resistirem até à morte.

Quanto mais santo o homem é, mais ele vê o que é pecado. A pessoa que peca menos é aquela que mais se entristece por causa do seu pecado. A. J. Gordon, o grande pregador batista de Boston, era um homem temente a Deus. Mesmo assim, pouco antes de morrer, pediu para que o deixassem sozinho. As pessoas ouviram confessar seus pecados de modo tão exagerado, que parecia estar delirando. Lutero clamou: “Oh, meus pecados, meus pecados”. Jonathan Edwards, que foi o homem mais temente a Deus, em sua época, escrevia em seu diário com tanta aversão a si mesmo, que se podia até pensar que era o pior homem do mundo.

A POTENCIALIDADE DO PECADO

O pecado, como ato de transgressão é somente uma parte pequenina do pecado. Nove décimos da massa de um iceberg ficam por baixo da água, de modo que uma parte muito pequena do total pode ser vista. E há muito mais pecado no homem do que o que aparece na superfície da transgressão real. O mal em potencial é quase igual em cada homem. A Bíblia diz que não há diferença, pois todos pecaram. Se não pecamos tanto quanto os outros exteriormente, é porque a graça de Deus nos restringe e não a algo de bom em nossa natureza. Quando nosso Senhor disse que “do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mateus 15:19), Ele não descrevia um coração em particular, mas sim o coração de cada homem. Quando Paulo disse que “a inclinação da carne é inimizade contra Deus” (Romanos 8:7), ele falava sobre a mente de cada ser humano.

SALVAÇÃO ATRAVÉS DE UM COOPERADOR

O pecador está competindo contra Deus. O Salvador, porém, é o cooperador de Deus. O primeiro Adão competiu com Deus em busca de soberania e destruiu a todos nós. O último Adão, Jesus Cristo, cooperou com Deus para nossa salvação. O primeiro Adão disse: “Faça-se a minha vontade”. O último Adão declarou: “Todavia não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42). O primeiro Adão desprezou a vontade de Deus. O último Adão disse: “deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus” (Salmo 40:8). E a vontade de Deus o levou pela estrada do sofrimento; do Getsêmani sombrio ao Calvário sangrento. E foi lá que Ele exclamou: “Está consumado” (João 19:30). Todos os homens são vítimas da tragédia terrível do Jardim do Éden; todos os crentes são vitoriosos através da tragédia do Calvário. Que o autor e leitor deste livro possam se curvar em adoração, diante tal maravilha!

Published inDefinição de doutrina – Volume 2