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Capítulo 21: O que vem primeiro na conversão: a vida ou a fé?

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O assunto sobre o qual vou falar tem sido, há muito tempo, motivo de controvérsia. Ele nos leva à arena onde os teólogos gladiadores lutam há séculos. As mais afiadas espadas intelectuais são desembainhadas neste longo combate. O arminiano declara, em tom triunfante que a fé vem antes da vida; o calvinista, com o mesmo espírito de certeza, afirma que a vida deve preceder a fé, sendo logicamente a sua causa.

Este autor acredita que a controvérsia sobre esta questão se deve à falta de se distinguir coisas diferentes. As Escrituras falam da vida em dois sentidos diferentes. Há a vida no sentido biológico, experimental e subjetivo e há a vida no sentido judicial e objetivo. Em outras palavras, há vida no sentido de regeneração ou novo nascimento e há vida no sentido da justificação. A primeira diz respeito a um estado interior; a segunda, a uma posição externa diante da lei de Deus. Romanos 5:18 fala de “justificação de vida”. A primeira é a vida biologicamente falando; a segunda é legal ou judicialmente. A primeira é a vida dada ao pecador através do Espírito Santo; a outra é a vida dada ao pecador, através da morte redentora de Cristo. A vida, em um sentido, é do Espírito Santo; no outro sentido é de Cristo. A vida do Espírito Santo dá qualidades espirituais ao coração e à mente, os quais controlam a vontade; a vida de Cristo nos tira debaixo da maldição da lei. É a diferença entre concessão e imputação. A vida do Espírito é concedida; a de Cristo é imputada.

Esta distinção é uma inferência necessária ao fato de que o pecador está morto num sentido duplo. Ele está morto no sentido de que se encontra desamparado e incapaz de ver por si mesmo e entrar no reino de Deus, ou para realizar obras aceitáveis diante de Deus. Está morto também, no sentido de que a sentença de morte, que culmina na segunda morte (o lago de fogo) foi decretada a ele. Em um sentido, a morte é a depravação da natureza, na qual o pecador fica cego à luz do Evangelho; em outro sentido, a morte é a condenação na qual o pecador está exposto à ira de Deus. É a diferença entre a corrupção da natureza e a condenação da pessoa.

1. A VIDA JUDICIAL VEM APÓS A FÉ

Tendo em vista a distinção acima, ficamos preparados para afirmar e provar que a vida de Cristo – vida no sentido judicial e objetivo – vem após a fé. Cada versículo bíblico que prega a vida través da fé em Cristo, se refere à vida judicial e a apresenta em contraste com a condenação e castigo. Vamos ver apenas alguns exemplos. “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. João 3:36. Nesta passagem, a vida se baseia na fé em Cristo e faz contraste com a ira ou juízo de Deus. “E não quereis vir a mim para terdes vida”. João 5:40. Nosso Senhor diz aqui que os homens têm que ir a Ele em busca de vida, e ir a Cristo é a mesma coisa que ter fé nEle. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. João 3:16. A vida, neste versículo, se opõe ao castigo e é, portanto, a vida judicial. “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida”. João 5:24. Note que aqui a vida se opõe à condenação e, portanto, tem que ser a vida no sentido da justificação. Ver também João 3:15, I João 5:12, Romanos 5:1. Todas estas passagens são fatais ao ultra-calvinismo – a posição que diz que pregar o Evangelho não é essencial à salvação. A vida eterna se baseia na fé em Cristo e os homens não podem crer nAquele sobre o qual nunca ouviram. Ver Romanos 10:14 e 17.

2. A VIDA ESPIRITUAL PRECEDE A FÉ

Pedimos a nossos leitores que mantenham nossa distinção na mente, enquanto provamos através das Escrituras que a vida que vem do Espírito Santo – vida no sentido biológico e subjetivo – precede a fé, sendo também sua causa lógica.

Que fique claro que não estamos contendendo que a vida precede a fé em questão de tempo. Não estamos dizendo que alguém talvez nasça do Espírito um dia ou semana e creia no dia ou semana seguintes. A ordem pela qual contendemos é aquela vista na relação entre causa e efeito. Estamos dizendo que a fé em Cristo é o efeito ou evidência do novo nascimento. Não abrimos espaço para a pergunta: “Pode existir um descrente regenerado?” O efeito de uma coisa pode coexistir com esta própria coisa. Ilustramos: Faço um buraco à bala numa parede. A bala e o buraco estavam lá ao mesmo tempo, mas a bala fez o buraco e não o contrário. O novo nascimento e a fé podem ser simultâneos, mas a fé não causou o novo nascimento; o novo nascimento causou a fé.

Vamos provar agora, através de uma analogia das Escrituras que o nascimento do Espírito precede a fé, do mesmo modo como a causa precede o efeito. Vamos comparar três versículos das Escrituras. Lemos em I João 2:29: “Se sabeis que ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele”. O verbo aqui é o tempo perfeito no grego e uma tradução da frase seria: “nasceu dele”. A questão a resolver é: Fazer a justiça é a causa ou o efeito do novo nascimento? A justiça prática segue ou precede o nascimento do Espírito? A fileira mais arminiana entre os batistas será compelida a dizer que o novo nascimento precede e é a causa da justiça prática. Em I João 4:7, lemos: “Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus”. O mesmo tempo é usado aqui e pode ser lido assim: “nasceu de Deus”. O amor espiritual é a causa ou o efeito do novo nascimento? Ele segue ou precede o novo nascimento? Mais uma vez a fileira mais arminiana entre nós dirá que o amor é o efeito ou evidência do nascimento do Espírito. Vejamos agora I João 5:1: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido”. O mesmo tempo perfeito do verbo também é usado aqui, como o foi nos exemplos anteriores. O versículo pode ser lido então assim: “Quem crê …. nasceu de Deus”. E agora, o que o arminiano dirá? Será que se atreverá a dizer que a fé é a causa do novo nascimento? Se disser então, para ser consistente, também dirá que o amor espiritual e a justiça prática são também causas do novo nascimento.

3. O VALOR DA DISTINÇÃO

O valor teológico da distinção que fizemos é de longo alcance. É uma espada de dois gumes, que realmente dilacera o arminianismo de um lado e o ultra- calvinismo do outro. O calvinista pode aceitar a distinção e posição de modo proveitoso, mas para o arminiano ou anti-missionário fazer isso será o mesmo que lavrar a sentença de condenação da sua teologia.

Além disso, o que escrevemos está em completa harmonia com a Declaração de Fé de New Hampshire. O artigo oito diz que “arrependimento e a fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, operadas na alma pelo Espírito regenerador de Deus”. Isto torna claramente a regeneração a causa do arrependimento e da fé. O artigo sete diz: “a regeneração consiste em dar à mente uma santa disposição; que é efetuada de modo que ultrapassa nosso entendimento, pelo Espírito Santo, em conexão com a verdade divina a fim do assegurar nossa obediência voluntária ao Evangelho; e que sua evidência adequada aparece nos santos frutos do arrependimento, da fé e da novidade de vida”. Estes artigos afirmam que a fé é o efeito ou evidência do novo nascimento. A grande confusão entre os batistas hoje, resulta devido a muitos dos nossos pastores eminentes aprovando e recomendando a Confissão de Fé de New Hampshire, ao mesmo tempo em que a repudiam em suas pregações.

O valor prático de nossa posição é que ela honra o Espírito Santo ao fazê-lO o autor da vida que é essencial para se ver e receber o Evangelho. “Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”. I Coríntios 12:3. Nossa posição está em harmonia perfeita com outras verdades da Bíblia, tais como: o chamado eficaz, a depravação total, a responsabilidade humana e a soberania de Deus.

A distinção que fizemos foi feita primeiramente por nosso Senhor em Sua conversa com Nicodemos. Ele proclamou a vida primeiro, através do Espírito, como essencial à visão e atividade espirituais. Ele declarou que aquele que é nascido do Espírito é espírito. Esta é a vida no sentido biológico. Depois, na mesma mensagem, Jesus pregou a vida através da fé em Cristo e esta vida é o oposto de perecer. Ele não disse que os pecadores nasciam de novo pela fé, como muitos afirmam hoje. Vamos manter a regeneração e a justificação distintas em nosso pensar e pregar.

Published inDefinição de doutrina – Volume 2