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O Poder de Deus

Capítulo 10 do livro UM RETRATO DE DEUS (Índice)

O Poder de Deus

Um infinito e incompreensível poder pertence à natureza de Deus, sendo expresso, em parte, em Suas obras. Jó, inspirado por Deus, declarou: Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem, pois, entenderia o trovão do seu poder? (26: 14).

Não devemos pensar que o poder de Deus está limitado às ações que Ele realiza. Suas ações mostram apenas uma parte do Seu essencial poder. Davi escreveu: Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus (Salmo 62: 11). Setenta vezes nas Escrituras Deus é chamado de o Todo-Poderoso.

Deus e poder são tão inseparáveis, que se tornam termos recíprocos. Em Marcos 14: 62 nosso Senhor disse que se assentaria à direita do poder de Deus.

O QUE O PODER DE DEUS É.

Força para agir é uma definição simples para o poder de Deus. Mas também devemos mencionar o direito ou autoridade de exercer esta força, pois alguém pode agir com poder, mas sem a devida autoridade, ou ter autoridade, mas ser impedido de agir. No entanto, Deus possui os dois, ou seja, autoridade e competência para agir.

O poder que Deus possui é ao mesmo tempo absoluto e ordenado. O Seu poder absoluto fala de tudo o que Ele poderia fazer, mas não determinou fazer. Já o seu poder ordenado, fala de tudo aquilo Ele decretou fazer. Em Seu poder absoluto, Ele poderia ter impedido Adão de pecar. Ele poderia ter suscitado filhos a Abraão a partir de meras pedras. Ele poderia ter enviado doze legiões de anjos para resgatar a Cristo da cruz. Mas o Seu poder ordenado, de acordo com a sua vontade, não realizou nenhuma dessas coisas. Ele tinha planos melhores. Deus é poderoso para realizar qualquer coisa que Ele deseje ou projete, sem qualquer dificuldade ou impedimento. O Seu poder é tão grande quanto a Sua vontade. E já que o poder é o princípio da ação, ele é, portanto, maior do que a própria ação. Diferente de nós, Deus não depende de nada para mostrar Seu poder; Ele não necessita de nenhum objeto nas mãos e nem de nenhum meio disponível para efetuar algum trabalho.

Da nossa perspectiva, o poder de Deus é distinto quanto a Sua sabedoria e vontade. Sua vontade ordena, Sua sabedoria guia, e o seu poder executa. Assim como Efésios 1: 11 declara; conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade. A Bíblia nos diz que Ele tem feito tudo o que lhe agrada (Salmo 115: 3), mas nunca nos diz que Ele fez tudo o que poderia.

Este atributo é a razão da atividade de todas as outras perfeições da natureza de Deus. Sem o poder, Sua misericórdia seria uma frágil compaixão; Sua promessa uma voz vazia; e Sua justiça um espantalho. De certa forma, o poder de Deus tem uma extensão mais larga do que os Seus outros atributos. A misericórdia pressupõe um objeto miserável; e a justiça um criminoso. Mas o poder efetivamente constitui um objeto; ele o cria e preserva. Quando a misericórdia ou justiça cessam, o poder continua a preservar a pessoa, quer céu ou no inferno.

O poder de Deus é essencial ao Seu ser. O poder de um rei terreno está, praticamente falando, em seu povo. Mas o poder de Deus é inerente a Ele mesmo. Ele não necessita de meios para poder agir. Os homens, no entanto, dependem constantemente do uso de meios. Que medida pequena nós temos do poder que provém de Deus. Só Ele é essencialmente Todo-Poderoso.

Desde que a Sua essência é infinita, segue-se que o Seu poder também o é. Não podemos calcular a soma dos nossos pensamentos, mas Ele é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos (Efésios 3: 20). Ele supera a nossa aritmética. Não há nada difícil para Ele (Jeremias 32: 17). Ele trabalha de acordo com a Sua vontade; e a Sua vontade não está limitada pelo Seu poder. Ele não faz a milésima parte daquilo que é capaz de fazer. Mas tudo o que Ele faz, faz perfeitamente de acordo com aquilo que Ele tem determinado. Isso não quer dizer que a Sua vontade limita o Seu poder, mas que a Sua vontade é o guia da demonstração do Seu poder. Ele poderia ter feito uma aranha tão forte quanto um leão, mas determinou outra coisa. Todos os Seus desígnios e uso do Seu poder são perfeitos em sabedoria. Além disso, o Seu poder nunca diminui. Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento (Isaías 40: 28). Sendo assim, o Seu poder é infinito e por isso é chamado de Seu eterno poder (Romanos 1: 20).

O fato de haver algumas coisas que Deus não pode fazer, de maneira nenhuma diminui o Seu poder, mas antes o fortalece. Algumas coisas lhe são impossíveis devido a Sua natureza. Por exemplo: ser e não ser ao mesmo tempo é uma impossibilidade. Aquilo que é feito não pode ser desfeito. Algumas coisas são impossíveis à natureza de Deus. Por exemplo: Ele não pode deixar de ser o que é; Ele não pode contradizer a Sua própria essência. Ele não pode morrer. Algumas coisas são impossíveis às gloriosas perfeições de Deus. Por exemplo: Ele não pode pecar. Ele não pode mentir (Tito 1: 2; Hebreus 6: 18). Ele não pode negar a si mesmo (II Timóteo 2: 13). Ser vulnerável em qualquer uma dessas áreas não seria perfeição, mas demonstraria a falta dela. Uma fonte de água doce é considerada fraca por não poder fornecer também água amargosa? E por fim, algumas coisas são impossíveis para Deus porque Ele ordenou que assim fossem. Por exemplo: era impossível que o mundo fosse destruído imediatamente após a queda de Adão, pois o decreto de Deus, antes da fundação do mundo, era restaurar uma grande multidão em Cristo.

I. PROVAS DA ONIPOTÊNCIA DE DEUS.

É evidente que as Escrituras sempre afirmaram essa verdade. Deus respondeu à dúvida de Sara com a seguinte pergunta: Haveria coisa alguma difícil ao SENHOR? (Gênesis 18: 14). Ele também respondeu a Moisés, quando este questionou como Deus forneceria comida para a nação faminta de Israel, com esta pergunta: Teria sido encurtada a mão do SENHOR? (Números 11: 23). Mas vamos considerar mais alguns argumentos.

O poder que as criaturas possuem aponta para o poder do Criador, que deve ser ainda muito maior. A fonte ou causa tem que ser maior do que o seu efeito. O poder original tem que ser Todo-Poderoso, para poder afetar todas as outras coisas. Todos os poderes menores são derivados do original.

Sem um poder infinito, Deus não seria perfeito. Qualquer fraqueza seria uma deficiência, uma falta, o que tornaria Deus finito e imperfeito. O poder puro não pode estar misturado com a fraqueza. Se Deus não fosse perfeito em poder, poderíamos imaginar que haveria um ser mais poderoso do que Ele, e, portanto, mais perfeito. Tal pensamento seria uma blasfêmia.

A simplicidade de Deus prova o Seu poder. Um ser composto poderia perder alguma das suas faculdades e assim diminuir o seu poder. Por exemplo: um homem pode perder um braço e assim diminuir a sua força. Mas desde que Deus é um espírito simples, Seu poder não pode ser diminuído.

Os milagres que Deus tem feito provam o Seu poder. Todas as Suas obras na natureza manifestam o Seu poder, mas quando alguma dessas obras, consideradas como normais, é revertida, o homem fica tomado de uma admiração maior do que o habitual. Por exemplo: quando o fogo não consumiu os três amigos de Daniel na fornalha ardente, mas consumiu os servos que estavam do lado de fora, Nabucodonosor ficou atônito, declarando que não havia um Deus como Jeová (Daniel 3: 29). Como o Salmo 136: 4 declara: Aquele que só, faz maravilhas. Todavia, o maior de todos os milagres somente demonstra uma pequena parte do Seu poder.

III. AONDE O PODER DE DEUS APARECE.

1. O seu poder aparece na criação. O céu é chamado de o firmamento do seu poder (Salmo 150: 1). Esta primeira sentença na Bíblia corajosamente expressa o Seu poder infinito: No princípio criou Deus os céus e a terra. Este atributo é o primeiro conceito formado na mente das criaturas a respeito do Criador, de acordo com Romanos 1: 20, Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas. Nas Escrituras, o verdadeiro Deus é comumente distinguido dos falsos pela evidência da criação. Eles são chamados de: Os deuses que não fizeram os céus e a terra (Jeremias 10: 11). Mas o SENHOR é grande e que o nosso Senhor está acima de todos os deuses. Tudo o que o SENHOR quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos (Salmo 135: 5-6). Deus mostrou seu poder ao criar todas as coisas a partir do nada. A primeira matéria que existiu é aquela que Ele mesmo criou. A distância entre nada e alguma coisa, existir ou não existir, é imensurável, sendo medida somente pelo Deus Todo-Poderoso. A nossa mente é incapaz de conceber um poder maior. O melhor que o homem pode fazer é rearranjar a matéria, mas nunca criá-la. Considere também a extensa variedade de criaturas feitas por Deus. Primeiro Ele fez a matéria, e então formou a partir daí uma infinidade de distintas formas e estruturas. Um observador normal nunca poderia imaginar que tudo isso veio de uma única fonte. Mas Deus fez tudo isso com extrema facilidade, sem o uso de qualquer instrumento. Ele diz: Assim diz o SENHOR, teu redentor, e que te formou desde o ventre: Eu sou o SENHOR que faço tudo, que sozinho estendo os céus, e espraio a terra por mim mesmo (Isaías 44: 24). Simplesmente por um ato de sua vontade, Ele falou a palavra, e ela assim se fez. Porque falou, e foi feito; mandou, e logo apareceu (Salmo 33: 9). Ele fez o universo tão facilmente quanto nós ao elaborarmos um pensamento. Ele poderia ter feito um número infinito de mundos, se assim desejasse. Entretanto, Ele fez todas as coisas instantaneamente. Assim que falou, tudo o que Ele queria veio a existir imediatamente.

2. O poder de Deus aparece em Seu governo sobre o mundo. Este trabalho pode ser dividido em três formas de governo, ou seja, natural, moral, e gracioso.

Em Seu governo natural, Deus primeiramente preserva. Tu conservas os homens e os animais (Salmo 36: 6). Ele diz às águas do mar: Até aqui virás, e não mais adiante, e aqui se parará o orgulho das tuas ondas? (Jó 38: 11). Absolutamente nada e nem ninguém tem o poder de se preservar a si mesmo. Antes, o mesmo poder que cria alguma coisa é que pode preservá-la. Se Deus deixasse de preservar todas as coisas, elas voltariam ao nada.

Segundo, Ele propaga a criação. Ele faz com que a semente dê fruto e se multiplique. Em referência a propagação do homem o Salmista diz: Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras (Salmo 139: 14). As Escrituras frequentemente falam de Deus abrindo e fechando a madre.

Terceiro, Ele governa os movimentos de todas as criaturas. Nele vivemos, e nos movemos, e existimos… (Atos 17: 28). Todo movimento, desde o sistema solar, até a circulação sanguínea do homem, é fruto do Seu poder. Se Ele desejar, pode fazer o sol se deter, ou o coração do homem parar de bater. Na verdade, o poder para preservar o movimento é tão grande quanto o poder de interrompê-lo.

No governo moral, Deus restringe a natureza maliciosa do mal. Se o Diabo não fosse restringido, a terra seria um verdadeiro inferno. Aquele que primeiramente tentou a Eva, não hesitaria em atacar a todos os homens, assim como fez com Jó. Ele queria cirandar, ou seja, peneirar a Pedro (Lucas 22: 31). Mas Deus governa todas as ações de satanás. Jó disse a respeito de Deus: Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que o faz errar (Jó 12: 16). Deus também restringe a corrupção natural da humanidade. Todo membro da raça de Adão é igualmente corrupto. Nós todos procedemos da mesma raiz. Não somos melhores do que Adão. É assustador imaginarmos o que os homens ímpios seriam capazes se não fossem restringidos por Deus. Em Romanos capítulo 1 temos um retrato de cada um de nós em nosso estado natural. Mas Deus nos restringe com Seu grande poder. Além disso, Ele ordena e guia o mal no mundo a fim de atingir os Seus próprios fins. Ele permitiu que homens ímpios crucificassem Seu Filho. E a fim de preservar a igreja primitiva do mesmo homem ímpio, Deus colocou temor em seus corações (Atos 2: 43). Sendo assim, aqueles que tiveram a ousadia de cravarem o Filho de Deus em uma cruz, foram os mesmos que ficaram assustados e preocupados com o aparecimento de doze homens desarmados. Isso é apenas uma pequena amostra de como Deus guia o mal que Ele assim permite.

No governo gracioso, Deus mostra o Seu poder ao preservar os Seus eleitos. Tanto no Velho testamento, quanto no Novo, muitos inimigos se levantaram contra o povo de Deus. Quantas leis e editos foram promulgados, quantos exércitos se levantaram, quantos perigos surgiram, quantos traidores brotaram de dentro das próprias fileiras, e quantas manobras sutis e comprometedoras foram engendradas! Porém, Deus tudo controla. Satanás pensou que tivesse levantado a Faraó para destruir os adoradores de Deus, mas a verdade era outra, ou seja, Deus levantou a Faraó para ser uma lição prática do Seu grande poder, nas pragas por Ele enviadas. Ele fez com que o Seu glorioso nome fosse declarado em toda a terra (Romanos 9: 17), através dos relatos da vitória no Mar Vermelho que circularam ao redor do mundo. No final, o número de adoradores aumentou. Na história da igreja, Deus tem libertado o Seu povo muitas vezes, sendo isso nada menos do que um verdadeiro milagre. E nós aqui estamos por causa do Seu poder preservador.

Considere também os procedimentos judiciais de Deus como uma evidência do Seu governo. Ele julgou Sodoma enviando fogo do céu. Ele estabelece monarcas pelo Seu poder, e por este mesmo poder, os depõe. Impérios poderosos desapareceram de maneira surpreendente, como os Romanos, por exemplo, que foram atropelados pelos bárbaros. Tudo na natureza está sob Seu controle. O mesmo mar que devorou os Egípcios poupou os Israelitas. Deus se deleita em usar meios insignificantes para concretizar o Seu propósito de governar, assim como um esquadrão de piolhos para humilhar Faraó, ou um esquadrão de trezentos homens para derrotar o exército dos Midianitas. Nada é tão pequeno que não possa ser utilizado por Deus para grandes coisas.

3. O poder de Deus aparece na redenção. É evidente que neste caso o Seu grandessíssimo poder foi manifestado. Cristo é chamado de o poder de Deus e também a sabedoria de Deus (I Coríntios 1: 24). Seria muito mais fácil para Deus criar um novo mundo do que restaurar um mundo caído!

Primeiro, vamos considerar a Pessoa que realizou a redenção. Ele não é outro senão o Deus-homem, o Senhor Jesus Cristo. Como o eterno Filho de Deus, Ele se fez carne, mas sem pecado. Ele foi concebido de maneira sobrenatural pelo Espírito Santo no ventre de uma virgem. Ele é a semente da mulher (Gênesis 3: 15), sendo perfeito e exclusivamente preparado para o ofício de Mediador entre Deus e os homens. No capítulo anterior nós falamos da infinita sabedoria demonstrada no plano das duas naturezas unidas em uma só Pessoa. Agora nós falamos da concretização real deste desígnio como uma demonstração do Seu infinito poder. Isso envolveu a união de naturezas totalmente opostas e distantes uma da outra. Ainda que estas duas naturezas não se misturem e nem sofram qualquer mudança. Nosso entendimento finito não pode compreender totalmente esta união, mas podemos entender que o poder divino realizou isso.

Além disso, nós temos uma amostra maravilhosa deste poder na vida, no ministério, na ressurreição e na morte de Cristo. Os Seus milagres falam por si mesmos. Mas talvez uma de Suas maiores maravilhas seja a Sua paciência, pela qual Ele diariamente suporta todas as contradições e pecados dos homens, e em especial, os crimes cometidos contra Ele na conspiração da Sua morte. Novamente, em Seu infinito poder, Deus ressuscitou Seu Filho da morte. As palavras pareciam inadequadas para os Apóstolos enquanto expressavam esta sublime verdade: E qual a sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder,

Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus (Efésios 1: 19-20).

Segundo, vamos considerar a proclamação da verdade da redenção. Quando olhamos para a natureza da mensagem do evangelho, para o povo que divulga esta mensagem, e os meios por eles utilizados, não podemos deixar de ver o exercício do Seu divino poder. A mensagem passeia diante face dos homens naturalmente sábios. Os filósofos de Atenas consideravam a mensagem de um Deus crucificado e ressuscitado como um ensino incompreensível. Eles zombaram da mensagem e chamaram o pregador de paroleiro (Atos 17: 18). Os Judeus consideraram esta mensagem contrária aos seus costumes e uma ameaça a sua estabilidade. Eles eram tão devotos às suas tradições como os Gentios aos seus costumes. O evangelho de Cristo, em última análise, é contrário ao intelecto de todo ser humano, a despeito de suas distinções externas. Que grande poder se faz necessário para sacar o homem de seus próprios preconceitos! Ele abomina a idéia da autonegação e de se humilhar totalmente em cada área de sua vida. Ao ouvir esta mensagem de uma pessoa comum, iletrada, cuja ocupação era um barco com redes de pesca, faz com que esta verdade seja mais inacreditável ainda. E estes humildes apóstolos ousaram acusar os ilustres príncipes deste mundo de assassinarem Jesus Cristo! Eles não fizeram uso das armas ou das leis de sua terra para garantirem o sucesso da sua causa. Eles simplesmente pregaram a verdade de Deus, sem qualquer fino ou polido discurso, dependendo apenas do poder do alto para o seu sucesso. Nunca a religião se deparou com tamanha e feroz oposição como ocorreu com o Cristianismo durante o império Romano. Entretanto, a despeito disso tudo, o evangelho colocou o mundo de cabeça para baixo. Em menos de vinte anos cada província do império já tinha ouvido a mensagem da cruz. As perseguições somente serviram para engrossar o número de convertidos. Até mesmo alguns servos de Nero se converteram (Filipenses 4: 22). A quem atribuiríamos o crédito do sucesso do evangelho senão ao poder do Seu próprio autor?

Terceiro, Vamos considerar a aplicação da redenção. O poder de Deus fica mais evidente em Sua obra poderosa efetuada na conversão, a qual é comparada com a criação, com o nascimento, e com a ressurreição. A conversão é uma transformação radical, pela qual o coração do homem se volta contra todas as suas inclinações naturais. O evangelho, que é o poder de Deus para salvação (Romanos 1: 16), encontra um inimigo natural na mente, no coração, e na vontade do homem. Seria mais fácil transformar uma mosca em águia do que um pecador em um santo. Os argumentos de Deus vão contra todos os nossos mais profundos e enraizados hábitos dominantes. Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal (Jeremias 13: 23). Por isso Deus trabalha poderosamente para atrair os pecadores a Si mesmo (João 6: 44). Ele despe o homem de sua autoestima, lança fora o seu orgulho, subjuga as suas paixões, implanta o temor a Deus onde só havia desprezo, faz com que ele tenha um desejo ardente de servir ao seu novo Mestre, e coloca nele o desejo de honrá-Lo. Somente o poder divino é que pode separar o nosso coração do mundo. Quantas portas semelhantes a um cofre a Onipotência precisa romper para nos resgatar de nós mesmos! Este poder é tão eficaz que nada pode impedi-lo, e ao mesmo tempo tão manso, que nunca alguém se queixou disso (Filipenses 2: 13). Ele nos atrai com cordas de amor (Jeremias 31: 3). Ele entrelaça a vitória com o poder, de modo que nos deleitamos em ser conquistados. Pedro escreveu muito bem quando disse: Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude (II Pedro 1: 3).

O poder de Deus não é somente demonstrado no pecador, mas também no perdão que Ele outorga. Ele exerce poder sobre Si mesmo ao suportar as muitas injúrias, e também ao atender a Sua própria justiça na Pessoa do Seu Filho.

Quarto, o poder de Deus é demonstrado na preservação dos Seus remidos. Uma coisa é subjugar, outra, entretanto, é manter o domínio. O poder para manter o jugo, não é outro senão o mesmo que impôs primeiramente este jugo. Deus amplia este poder ao preservar os cristãos neste mundo, um vaso fraco e delicado em meio a rochas e tempestades, ao invés de transportá-los imediatamente para o céu. Vamos agora fazer uma aplicação deste estudo.

I. INFORMAÇÃO E INSTRUÇÃO.

Pelo fato de Jesus Cristo ser Todo-Poderoso, e somente Deus ser Todo-Poderoso, então Jesus é Deus. Porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente (João 5: 19) não como dois colegas de trabalho, mas como sendo um em essência, trabalhando em uma única operação. Repetidas vezes nas Escrituras a obra da criação é creditada a Cristo, o Filho. A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem [Deus] fez também o mundo (Hebreus 1: 2). E: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, E os céus são obra de tuas mãos (Hebreus 1: 10). Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele (Colossenses 1: 16). Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez (João 1: 3). Ele não fez simplesmente algumas coisas, mas todas as coisas. Portanto, Ele não foi criado, e nem foi um mero instrumento na criação, mas a sua principal causa. A Ele é ainda creditado a preservação de todas as coisas. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (Colossenses 1: 17). O poder de ressuscitar da cova é creditado a Ele. Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo…Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Filipenses 3: 20-21). Que ninguém duvide que Aquele que tem habilidade de salvar, tem também em Suas mãos o poder de criar, preservar, e ressuscitar.

Da mesma forma, o Espírito Santo é Deus. Ele estava ativo na criação. E o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (Gênesis 1: 2). Ele é ativo na obra da conversão. Porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo (I Tessalonicenses 1: 5). Ele é ativo na obra da ressurreição. E, se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita (Romanos 8: 11).

Nós aprendemos sobre a bem-aventurança de Deus. Uma vez que Ele é Todo-Poderoso, nada lhe falta, pois qualquer falta indica uma fraqueza.

Aqui está o alicerce da imutabilidade de Deus. Nada pode forçá-lo a mudar, pois não há um poder maior do que o dEle. O Salmo segundo fala como Ele ri daqueles que tentam desafiá-Lo.

Aqui está o alicerce do governo de Deus sobre o mundo. O Seu conhecimento, sabedoria, e poder estão unidos na obra da providência. Aqueles que negam esta verdade estão negando a Sua cabeça, coração e mãos.

Aqui está o alicerce da adoração a Deus. Nós admiramos a força, quer ela se encontre no corpo de um homem ou num exército de homens. Tanto mais, deveríamos nós, admirar e adorar o Deus onipotente. Toda adoração se apoia em dois pilares, ou seja, na bondade e no poder de Deus. Se qualquer um deles fosse falho, a religião desapareceria. É nesta base que nós oramos. Porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre (Mateus 6: 13). Quando esquecemos este atributo, nos tornamos relaxados na adoração.

Aqui está o alicerce para crermos na ressurreição. Porque para Deus nada é impossível (Lucas 1: 37). Se Ele nos criou do nada, Ele certamente poderá, no último dia, reunir novamente os nossos átomos espalhados aqui e ali.

É realmente muito estranho que este atributo seja tão desprezado e abusado pelos homens ímpios. Eles negam que Ele criou, ou mesmo que seja capaz de fazer todas as coisas. Todo pecado, especialmente a sua obstinada segurança, é um ataque contra este atributo. O homem imagina que seja páreo para Deus. Ou irritaremos o Senhor? Somos nós mais fortes do que ele? (I Coríntios 10: 22). Toda forma de descrença não passa da presunção de que Deus não pode fazer mais do que nós mesmos fazemos. A nação que atravessou o Mar Vermelho não demorou muito para questionar: Acaso pode Deus preparar-nos uma mesa no deserto? (Salmo 78: 19). É impressionante o número de vezes que o ateísmo prático afirma-se! Nós duvidamos do poder de Deus quando tememos aos homens. Eu, eu sou aquele que vos consola; quem, pois, és tu para que temas o homem que é mortal, ou o filho do homem, que se tornará em erva?

E te esqueces do SENHOR que te criou, que estendeu os céus, e fundou a terra, e temes continuamente todo o dia o furor do angustiador, quando se prepara para destruir; pois onde está o furor do que te atribulava? (Isaías 51: 12-13).

Confiar em si mesmo ao invés de Deus é desprezar o Seu poder. Atribuir o bem aos meios que Deus utiliza, ao invés de atribuir a Ele, é um insulto contra o Seu poder.

Entretanto, não devemos abusar dessa doutrina tentando utilizá-la para justificar certas contradições. Por exemplo, alguns a utilizam para defender a doutrina da transubstanciação dizendo: “Deus é capaz de transformar o pão e o vinho no corpo e no sangue literal do Senhor.” Então nós também podemos perfeitamente crer em certas fábulas! O poder de Deus não contradiz a Sua Palavra. Não deveríamos presumir do poder de Deus negligenciando o uso dos meios que Ele fornece. O poder de Deus nunca deveria ser uma desculpa para a nossa indolência ou desobediência. Por outro lado, correr em direção ao perigo é mais um abuso do que uma confiança no poder de Deus.

Todos os inimigos de Deus padecerão miserável e eternamente debaixo de Suas mãos. Eles podem até resistir à Sua lei, mas não poderão, de modo algum, resistir aos Seus castigos. Dois atributos de Deus irão brilhar no inferno, ou seja, a Sua ira e o Seu poder. E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição (Romanos 9: 22). Se o homem não pode escapar da morte terrena, como então escapará da segunda morte? E quão grande será a vingança exercida pela onipotência! Que todo pecador, ao ler esta página, possa considerar a futilidade de sua rebelião contra o Todo-Poderoso.

II. Conforto.

Aqui temos um oceano de conforto para o Cristão. O poder de Deus é o que movimenta todos os Seus atributos. Como nós seríamos vazios se Deus por acaso dissesse: Eu sou amor, sabedoria, justiça, e verdade, mas não sou poderoso! Mas ao invés disso, o poder de Deus nos conforta em todas as nossas aflições e angustias. Até mesmo o nosso Salvador, enquanto estava na cruz, vendo o Seu rosto franzido, exerceu fé no poder de Deus, clamando: Eli, um título que descreve o Seu poder. Este atributo nos conforta em todas as tentações e corrupções. Nenhum inimigo externo ou mesmo interno é tão forte, exceto aquele que pode vencer isso. Para Deus não falta poder para realizar tudo aquilo que Ele prometeu. Uma vez que Ele desejou fazer algo, isso não poderá deixar de ser feito. O Seu poder nos capacita a perseverarmos na fé. Nosso Senhor disse: Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai (João 10: 29). Somos guardados na virtude de Deus (I Pedro 1: 5). Quando a causa de Deus na terra parece frágil e desesperada, aqui está o motivo para o conforto: Deus pode ressuscitar os mortos. Ele somente precisa dizer uma palavra, e Seus inimigos cairão por terra. Com o hálito de Deus perecem; e com o sopro da sua ira se consomem (Jó 4: 9). Ele torna as trevas em luz, noite em dia, muito rapidamente. O livro de Apocalipse, capítulo 18, nos fala da queda de Babilônia em um dia. Mas devemos lembrar que Deus normalmente espera para agir até que cheguemos ao extremo e a exaustão dos nossos próprios recursos, para que o Seu poder possa ser mais notável e admirável. O ponto mais baixo que descemos serve apenas para demonstração e exaltação do Seu poder. Que os santos sejam corajosos quando estiverem sob provações!

III. EXORTAÇÃO.

Vamos disciplinar as nossas mentes a pensar muito a respeito deste atributo. Nossos temores desaparecerão em vista disso. Um conhecimento correto desta verdade é essencial a toda a religião. Sem isso, não poderíamos orar, amar, ou temer a Deus corretamente. Nossa experiência será mais estável se apenas lembrássemos de que Deus é Todo-Poderoso.

Vamos crescer na confiança de Deus. O Seu poder deve ser o motivo da nossa mais profunda e respeitosa confiança. Confiai no SENHOR perpetuamente; porque o SENHOR DEUS é uma rocha eterna (Isaías 26: 4). O poder de Deus foi visto de maneira muito especial por Abarão. E estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer (Romanos 4: 21). Nós temos muito mais razões para confiar em Deus do que os patriarcas do Velho Testamento, haja vista que nós temos evidências mais claras do Seu poder na Pessoa e obra de Cristo. Este atributo deveria produzir temor no ímpio e confiança no justo. Ele revigora a misericórdia e a bondade de Deus para conosco. Às vezes, o poder de Deus é a única coisa em que podemos confiar, como fizeram os três amigos de Daniel ao declarar: Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e da tua mão, ó rei (Daniel 3: 17). Não pode haver confiança em Deus sem que nossos olhos estejam contemplando o Seu poder.

Vamos aprender humildade e submissão. Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte (I Pedro 5: 6). Que tolice resistir a tamanho poder infinito!

Vamos aprender a não temer os homens. Você temeria um anão se estivesse sendo protegido por um gigante? É evidente que o temor do homem é um insulto contra Deus, diante do qual as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças; eis que ele levanta as ilhas como a uma coisa pequeníssima (Isaías 40: 15).

Vamos, portanto, temer ao Senhor Deus. Ao SENHOR dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro (Isaías 8: 13). Ele pode nos sufocar apenas com um cabelo ou uma migalha. Ele pode transformar coisas doces em amargas. Ele pode fazer da nossa consciência um leão devorador. Ele pode conquistar qualquer império como se não houvesse absolutamente nenhum opositor. Deveríamos ficar perplexos a respeito do Poder que pode nos destruir. Devemos temer a Deus por tudo o que Ele pode fazer, mas louvá-Lo por causa da Sua bondade em Cristo, pois sem ela estaríamos totalmente condenados diante dEle.

Autor: Stephen Charnock 
Compilado para o século 21: Daniel A. Chamberlin
Tradução: Eduardo Cadete
Edição em Português: Calvin Gardner

Published inRetrato de Deus