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CAPITULO 3 – PROVIDÊNCIA

Capitulo 3 do livro DOUTRINA FORTE

PROVIDÊNCIA

A palavra “providência” aparece só uma vez em toda a Bíblia, e até mesmo nessa vez não tem relação com a providência de Deus, mas em vez disso tem relação com a provisão humana das necessidades dos outros (Atos 24:2). No entanto, a doutrina da providência de Deus aparece em todas as páginas da Bíblia, pois a Bíblia é o registro da providência de Deus. Este escritor crê que a doutrina da providência de Deus não só é muitíssimo extensa, mas também a mais gloriosa doutrina de toda a Bíblia. Sem dúvida alguns imediatamente perguntarão maravilhados: “Quer dizer que você crê que é mais gloriosa do que a doutrina da redenção?” Nossa resposta é afirmativa; é a mais gloriosa porque inclui todas as outras doutrinas, sendo o todo daquilo que as outras são apenas partes. Essa doutrina, quando compreendida e aceita de modo correto, é uma das verdades mais abençoadas de toda a Bíblia; é muitíssimo abençoada porque abrange tantas outras verdades. C. D. Dole de modo acertado ligou a predestinação e a profecia à providência. Ele diz:

Pode-se definir a predestinação como o propósito de Deus desde a eternidade com respeito a eventos futuros. A profecia é uma declaração ou revelação de eventos futuros e ações humanas. A providência é a obra de Deus cumprindo na história o que foi predestinado na eternidade e profetizado no tempo. Essas três doutrinas se baseiam na vontade de Deus. E assim lemos que Ele ‘faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade’. Poderíamos explicar assim: A Predestinação é a determinação ou propósito eterno da Divina vontade; a Profecia é a revelação da Divina vontade; e a Providência é a execução da vontade Divina. — Definitions of Doctrines (Definições de Doutrinas), Vol. II, p. 102. Bryan Station Baptist Church, Lexington, Kentucky, no date.

J. P. Boyce semelhantemente observa:

A providência está também intimamente associada à Predestinação ou Propósito; mas a distinção entre esses dois é também igualmente clara. O Propósito de Deus é seu plano predeterminado quanto ao que Ele ou outros farão em Sua criação. Estabelece os eventos que acontecerão, e os métodos e agência mediante os quais ocorrerão. Mas a Providência é o ato real de fazer ou permitir as coisas assim planejadas, e assegurando as finalidades assim designadas. O propósito também é formado na eternidade; os atos providenciais são realizados no tempo. — Abstract of Systematic Theology (Resumo da Teologia Sistemática), p. 217. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1867. (1973 reimpressão da the Baptist Publication Society, Missionary Baptist Church, Hayward, California).

Essa doutrina remove toda causa de preocupação, pois reconhece o poder, a sabedoria, o amor e a graça soberanos de Deus operando em todas as coisas para cumprir Seus conselhos. “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). Há poucas passagens que descrevem mais a providência de Deus com relação aos santos do que essa; nem há versículo que seja mais consolador ao crente submisso. Para o descrente, não há consolo para ele reivindicar; e para o crente rebelde, embora essa passagem lhe prometa bênçãos, deve-se reconhecer porém que essas bênçãos só virão mediante a humilhação e arrependimento dele, que serão amargos.

Vivemos numa época em que a maioria das pessoas tem dificuldade de ver Deus em qualquer lugar, mas nossos antepassados espirituais de cem anos atrás viam Deus em todos os lugares, e em tudo. É de se lamentar muito que estejamos vivendo em tal época materialista, e há pouca dúvida de que a negligência de pregar e ensinar a doutrina da providência de Deus é em grande grau responsável por grande parte do materialismo. Charles Spurgeon diz:

Parece-me que a mão de Deus na providência é tão clara quanto na criação; e embora eu esteja certo de que se estou salvo mesmo tenho de estar salvo por Deus, sinto-me igualmente certo de que todo assunto que tem a ver com todos nós na vida diária traz sobre si mesmo o sinal evidente da obra de Jeová, nosso Deus. Temos, se quisermos ser verdadeiros crentes em Deus, e quisermos evitar todo o ateísmo, de lhe dar a posição de rei nos três reinos da criação, graça e providência. É no último, porém, que penso que temos mais inclinação de esquecê-lo. — New Park Street Pulpit (Púlpito da Rua Novo Parque), Vol. IV, p. 178. Reimpressão da Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan, 1963.

Muitas pessoas têm uma idéia bem limitada ou até mesmo incorreta do que é a providência; alguns pensam que tem a ver apenas com a provisão das necessidades físicas dos crentes. Certamente isso é parte da providência, mas é uma parte bem limitada dela. É uma verdade bendita que Deus “dá mantimento a toda a carne” (Salmo 136:25), mas a providência envolve muito mais do que isso, conforme mostram textos como João 5:17; Atos 17: 28; Hebreus 1:3 e outros, que é difícil achar um limite para a providência.

Para compreender o sentido de providência de modo claro na nossa mente, pode-se considerar as seguintes definições: “Em seu sentido comum e propriamente técnico, a providência designa simplesmente a preservação e governo temporal de Deus sobre todas as coisas de acordo com seu propósito eterno”. — A. A. Hodge, Outlines of Theology (Esboços Teológicos), p. 208. T. Nelson and Sons, London, 1872. “A providência é aquele meio continuo de Deus mediante o qual todos os eventos do universo físico e moral cumprem o desígnio original com que ele o criou.” — A. H. Strong, Systematic Theology (Teologia Sistemática), Vol. II, Capítulo IV, Seção III, p. 419. Fleming H. Revell Co., 1954. W. A. Brown mostra a relação entre a criação e a providência quando diz:

Do jeito que a doutrina da criação leva de volta para Deus a origem do universo, assim também a doutrina da providência expressa Sua atual relação com o mundo que Ele fez. Quando falamos da providência divina, queremos dizer que o universo como um todo, bem como todas as suas partes, está sendo sustentado e dirigido por Deus para a finalidade sábia, santa e amorosa que Cristo revela. — Outline of Christian Theology (Esboço da Teologia Cristã), pp. 214 215. T. and T. Clark, Edinburgh, 1929.

Mais detalhada é a definição de J. M. Pendleton, que diz:

Pode-se considerar um fato resolvido que Deus criou todas as coisas por seu poder e para sua glória. Ao fazer isso ele começou, conforme já foi declarado, a executar seus propósitos e seus planos, mas havia só um começo. Muitas obras divinas ocorrem em seguida, embora nenhuma ocorra antes, da criação. O que comumente se chama de Providência, a providência de Deus, é indicado pela criação, de onde dá para fazer essa dedução. Pois é natural supor que Deus cuida daquilo que ele quis trazer à existência… Mas é hora de perguntar: O que a providência de Deus abrange? Minha resposta é tripla: 1. A preservação do que ele fez… 2. O controle do que ele fez… 3. A direção de todos os eventos. — Christian Doctrines (Doutrinas Cristãs), pp. 128 132. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1878.

Aquilo que Deus uma vez criou permanece alvo de Seu cuidado contínuo, que com muitíssimo acerto se chama Providência (antever). A existência da Providência é indubitável, seu domínio ilimitado, sua manifestação múltipla e seu modo de operação em muitos aspectos superior da compreensão humana; mas seu objetivo final, a percepção do plano Divino com relação ao mundo, e o reconhecimento em fé disso, é do sentido mais elevado, igual ao modo Teológico de pensar, e a vida espiritual. — J. J. van Oosterzee, Christian Dogmatics (Dogmática Cristã), p. 326. Hodder and Stoughton, London, 1891.

Deus não só mantém todas as coisas em existência, mas ele dirige todas as coisas para os fins para os quais ele as fez. E, já que sua própria glória e bem-aventurança são garantidas mediante o bem-estar de suas criaturas, se entende de modo apropriado a providência divina como de fato o cuidado dele por suas criaturas, e em particular, o homem. A Providência é determinada tanto Particular quanto Geral — E. H. Johnson, Outline of Systematic Theology (Esboço da Teologia Sistemática), p. 101. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1895.

Samuel Baird também nota essa natureza dupla da providência, e observa do seguinte modo:

Ao ver os assuntos do governo providencial, todos são naturalmente divididos em dois fatores: — um, abrangendo o sistema material inteiro, os mundos e as ordens inferiores da criação, a qual, em toda a sua extensão, constitui o palco e os acessórios, nos quais se representam os cenários da providência divina; em vez dos súditos certos dessa providência. As características gerais aí são uniformidade e permanência. O outro fator abrange o universo moral, constituindo os súditos do governo de Deus, para os quais se criou, em submissão à glória divina, o sistema material. — The Elohim Revealed (A Revelação de Elohim), p. 124. Lindsay and Blakiston, Philadelphia, 1860.

Conforme assim definida, pode-se ver que a providência é uma doutrina bem extensiva, que influencia diariamente toda criatura na face da terra, pois a providência tem a ver com a criação, cuidado e consumação de todas as coisas, mas principalmente em todas as coisas que têm relação com os propósitos redentivos de Deus para com o homem. A exatidão de nossas opiniões acerca dessa grande doutrina determinará, em grande extensão, a exatidão de nossas opiniões acerca do próprio Deus. Muitas pessoas são na prática deístas, pois praticamente sustentam que Deus criou o universo e então se retirou dele, deixando-o seguir seu curso de destruição; mas essa posição se opõe a muitas declarações claras das Escrituras ao contrário. Não só as Escrituras falam de uma providência geral, mas também falam de uma providência especial sobre homens individuais (Salmo 75:6 7; Provérbios 16:1; 20:24; Jeremias 10:23 e outras passagens). Só uma pessoa cega para não ver as muitas evidências da providência de Deus, e só uma pessoa em estado mais infeliz para não se regozijar na providência de Deus.

Há várias coisas que desejamos observar acerca da providência, e confiamos em que essas coisas não só removerão todos os preconceitos e silenciarão todas as objeções a essa doutrina, mas também que elevarão o coração em louvor a Deus por tal verdade maravilhosa.

I. A PROVA DA PROVIDÊNCIA

Conforme já observamos, essas provas são tão numerosas que mal dá para parar quando começamos, mas podemos notar algumas das provas mais proeminentes. A primeira na ordem do tempo é a própria criação, pois as Escrituras muitas vezes associam as duas coisas juntas, pois não pareceria lógico nem digno de Deus achar que Ele criaria um universo só para no fim deixá-lo chegar a um estado de caos completo sem trazer glória nenhuma a Deus. A providência é a continuação de Deus do que Ele começou na criação, e a operação de todas as coisas de acordo com Seu propósito. “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Colossenses 1:16-17). A palavra traduzida “subsistir” (grego sunesteken) significa “coerir” ou “manter a liga”, e revela que Cristo é tanto a força controladora quando a mente direcionadora por trás da criação toda. Veja também Hebreus 1:2 3 e Apocalipse 4:11, onde a criação de Deus também indica Sua providência.

A ordem universal que é tão evidente no mundo também sugere a providência de Deus, pois todas as leis naturais e a ordem invariável do universo são provas evidentes de uma mente de Mestre por trás da criação, que tem um propósito específico em Sua criação. É verdade que às vezes Deus realizou Sua providência suspendendo temporariamente as leis naturais e a ordem normal do universo, mas mais comumente Ele age assim em plena harmonia com essas leis e ordem. Charles Spurgeon, num sermão sobre o livro de Ester, bem disse:

A destruição maravilhosa de Faraó e seus exércitos no mar Vermelho foi uma explosão de luz, que espantou a meia noite do mundo dando prova para a humanidade de que o Senhor estava vivo, e podia realizar Seus propósitos suspendendo as leis da natureza e operando milagres. O maravilhoso drama representado em Susã, a capital da Pérsia, tinha como propósito ser outra manifestação da existência e glória de Deus, operando não como no passado, mediante um milagre, mas nos métodos normais de Sua providência, realizando todos os Seus desígnios. Bem se disse que o Livro de Ester é um registro de maravilhas sem milagre. E, portanto, embora igualmente revele a glória do Senhor, apresenta-a de forma que é diferente da manifestação do poder miraculoso que derrubou Faraó. — Spurgeon on The Provi¬dence of God (Spurgeon fala sobre a Providência de Deus), pp. 89 90. Tyndale Bible Society, MacDill AFB, Florida.

Há muito tempo tanto os aliados como os inimigos reconhecem Israel como um exemplo surpreendente da providência de Deus, pois se não fosse pela providência, há muito tempo Israel já estaria destruído. Aliás, o diabo vem, em toda a história de Israel, tentando destruí-lo a fim de impedir o Messias de nascer, que tinha de vir através de Israel. Muitas nações poderosas tentaram destruir Israel, e a maioria delas hoje sumiu da face da terra, porém Israel ainda está vivo e prosperando, pois está inseparavelmente amarrado à providência de Deus.

O começo da vida de Jesus e como Ele foi protegido da destruição é outra prova da providência de Deus, pois todas as forças do inferno se organizaram para destruí-Lo na Sua infância. Mateus 2:1 23 é um exemplo maravilhoso de providência prática na vida de Jesus. (1) Os sábios haviam sido conduzidos a Jesus pela estrela, que, embora muitos achem que tenha sido um encontro natural de planetas, era porém uma estrela que ocorre apenas uma vez a cada oitocentos anos. (2) Esses sábios encontraram escribas que conheciam a profecia que mencionava onde o Cristo deveria nascer. (3) A providência soberana de Deus lhes revelou a falsidade de Herodes de modo que eles não traíram e entregaram o bebê Jesus a ele. (4) Os sábios trouxeram presentes caros que supriram os meios para um carpinteiro pobre, quase sem nenhum centavo, de poder levar sua família ao Egito e assim escapar da ira de Herodes. (5) O aviso de um anjo a José fez com que ele fugisse para a segurança do Egito. (6) Assim, o bebê Jesus não estava em Belém quando ali ocorreu a matança de bebês. (7) Um anjo de novo falou com José quando voltaram do Egito, desviando-o para Nazaré para escapar da ira de Arquelau, filho de Herodes, e também para cumprir as Escrituras. Assim, todas essas coisas acabaram bem no fim, por mais adversas que possam ter parecido a José e Maria na época.

E esse não é o único exemplo de providência na vida de Jesus, pois poderíamos também nos referir à proteção e auxílio dos anjos para com Ele durante a tentação, os muitos exemplos durante Seu ministério público, e as últimas horas de Sua vida terrena, quando todas as coisas se cumpriram de modo exato para realizar os propósitos de Deus. Em toda a Sua vida terrena, vemos a providência de Deus manifesta.

Vê-se a providência principalmente na obra redentiva de Cristo, pois lemos: “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (Atos 2:23). E de novo: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (Atos 4:27-28). Em 1 Pedro 1:20, é dito que Cristo foi “conhecido, ainda antes da fundação do mundo”, para sofrer e morrer como o redentor do homem. As muitas profecias que se cumpriram em Cristo são provas da providência de Deus, pois mostram Sua vontade pré-determinada se cumprindo.

As Escrituras são prova da providência de Deus, pois não só predizem os propósitos de Deus, mas também registram o cumprimento exato deles; e o próprio fato de que nunca se achou erro algum nas Escrituras prova que Deus está constantemente trabalhando (João 5:17) e cumprindo Seus propósitos que foram revelados nas profecias. Até a preservação das Escrituras contra o ódio e más intenções de homens nas eras passadas prova a providência de Deus, pois houve muitos como Jeoiaquim (Jeremias 36:23) que meteram a faca nas Escrituras e as queimaram a fim de eliminar o testemunho delas contra eles, mas Deus preservou a Bíblia apesar de tudo o que os pagãos e o papa conseguiram fazer ao contrário.

As Igrejas do Senhor, de modo semelhante, são provas da providência de Deus, pelo mesmo motivo, pois todas as forças da terra e do inferno se organizaram contra as verdadeiras igrejas para destruí-las da face da terra, mas não conseguiram, pois a promessa do Senhor é que “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16:18). Muitos milhões de crentes verdadeiros foram mortos das maneiras mais cruéis que se pode imaginar pelos inimigos do Senhor, mas longe de destruir as igrejas, “o sangue dos mártires é a semente da igreja”, como Tertuliano do passado disse. De acordo com a promessa de Jesus, jamais houve um dia, desde que Ele andou na terra, em que não houve igrejas que não Lhe pertencessem, mas tal fato não é por causa da força ou sabedoria delas, mas totalmente por causa de Suas operações providenciais.

A oração dominical é semelhantemente uma prova da providência de Deus, pois aprendemos a orar: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6:10), que supõe que Deus pode e fará cumprir essas coisas. Alguns nos dizem que Deus é incapaz de cumprir Sua vontade em muitos exemplos, mas se assim fosse, então seria melhor pararmos de orar para que Deus faça Sua vontade, e começarmos a orar ao homem ou ao diabo, ou a quem quer que possa fazer essas coisas, pois é a única coisa lógica a se fazer sob essa hipótese. Mas o fato de que Jesus nos ensina a orar dessa maneira é prova de que Deus pode fazer com que Sua vontade se cumpra como é feita no céu.

II. O PROPÓSITO DA PROVIDÊNCIA.

Com isso nossa intenção é inquirir quanto ao objetivo ou finalidade das relações providenciais de Deus com Sua criação. Muitos têm a idéia errônea de que Deus entregou o controle deste mundo ao homem, e Ele por poucas vezes, ou até nunca, interfere nos assuntos do mundo — se é que realmente o faz. No entanto, se as definições diferentes dessa doutrina que citamos no começo são corretas, então essa idéia é errônea; e há muitos textos das Escrituras que confirmam isso: “SENHOR, tu conservas os homens e os animais” (Salmos 36:6). “Porque nem do oriente, nem do ocidente, nem do deserto vem a exaltação. Mas Deus é o Juiz: a um abate, e a outro exalta” (Salmo 75:6-7). “O SENHOR, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas” (Salmo 104:24 — veja o Salmo inteiro). “Para que nossos filhos sejam como plantas crescidas na sua mocidade; para que as nossas filhas sejam como pedras de esquina lavradas à moda de palácio” (Salmos 144:12). “Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR; como, pois, entenderá o homem o seu caminho?” (Provérbios 20:24). “Eu sei, ó SENHOR, que não é do homem o seu caminho; nem do homem que caminha o dirigir os seus passos” (Jeremias 10:23). “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” (Daniel 4:35). “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). “…que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11)

Há muitos outros textos das Escrituras que também declaram a mesma coisa, isto é, que Deus ainda está no trono do universo, controlando todas as coisas e fazendo com que cumpram os propósitos para os quais foram originalmente criadas. Contudo, gostaríamos de frisar um aspecto disso, que é muitíssimo consolador para o verdadeiro crente em Cristo; muitos desses textos falam de uma providência geral, mas há também uma providência especial que tem relação com o povo de Deus; é isso o que se declara em Romanos 8:28. Quantas vezes não conseguimos perceber ou crer nisso, mas apesar disso é gloriosamente verdade, e roubamos a nós mesmos de muito consolo e paz se não compreendemos e cremos nessa verdade. Estamos em constante guerra espiritual aqui na terra, e muitas vezes temos uma perspectiva restrita demais das coisas para julgar de modo correto, e assim podemos julgar de modo errôneo que perdemos a guerra, quando na verdade só perdemos uma briga breve. Se mantivermos nossos olhos no nosso grande “príncipe da salvação” (Hebreus 2:10), veremos que Ele já esmagou o inimigo e ganhou a vitória, e que logo a vitória será de fato nossa, embora ainda estejamos lutando a batalha.

Outra coisa que se deve notar em Romanos 8:28 é que não são apenas algumas coisas que cooperam para o bem dos crentes, mas são “todas as coisas”. Não é necessário que estejamos em condições de entender e explicar como isso pode ser, para que seja verdadeira; é suficiente que vejamos evidência disso nas Escrituras e em nossas próprias vidas. Muitos rejeitam a idéia de uma providência especial porque não conseguem entendê-la. E. G. Robinson observa acerca disso:

“Se a doutrina de uma provisão precisa e especial para todo evento na natureza, e de um cuidado específico para cada ser humano, for estabelecida com clareza, é ilógico fazer com que nossa aceitação da doutrina dependa de nossa compreensão do método pelo qual se exerce a providência. Um homem devoto percebe a mão divina em cada evento de sua vida, e, percebendo-a, é tão difícil duvidar da orientação especial de seus passos quanto duvidar da existência do Ser em quem ele confia. Sua própria experiência é resposta suficiente para todas as objeções ao fato, e sua incapacidade de explicar o processo só o leva a uma confiança mais implícita no Pai invisível que se importa com ele e o guia” — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 103. Press of E. R. Andrews, Rochester, N. Y., 1894.

Muitas vezes queremos estabelecer nossa própria razão finita para julgar se algo está se desenvolvendo para o nosso bem, mas somos míopes demais para realmente entender, pois só Deus pode declarar o fim desde o começo, pois só Ele decreta, e se cumpre: “Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:9-10). Todas as coisas cooperam para o bem dos crentes porque Deus é o poder de realização, e Ele declarou ser ao nosso favor, de modo que ninguém conseguirá ser contra nós (Romanos 8:31). Quando as coisas parecem estar indo em direção contrária aos nossos melhores interesses, temos de nos lembrar de que o rio Amazonas às vezes flui para o oeste, embora seu curso seja geralmente para o leste; e ao subir uma montanha, temos às vezes de descer temporariamente uma colina. Assim está na providência de Deus; às vezes as coisas parecem estar indo contra nós, quando na realidade, a operação dos propósitos de Deus manifestará que todas as coisas estão na verdade operando para o nosso bem.

Outra coisa que se deve notar em Romanos 8:28 é o fato de que todas essas coisas que “contribuem juntamente” não são acasos isolados, mas são, cada uma, partes do único grande propósito de Deus que resultará na glorificação de Seus filhos. Essa é uma verdade que ninguém pode aceitar enquanto rejeitar a soberania absoluta de Deus, pois se houver apenas uma pessoa, anjo ou poder natural que não esteja absolutamente sujeito aos propósitos de Deus, então ninguém poderá sustentar que “todas as coisas contribuem juntamente” para o povo de Deus. Somente um pequenino grão de poeira é preciso para parar o melhor relógio suíço no mundo, e, só é preciso uma coisa que Deus não pode controlar para transtornar completamente o universo inteiro, e deixar os propósitos de Deus em estado caótico. Os planos e programas do homem estão muitas vezes em contrariedade aos propósitos de Deus, mas os propósitos de Deus jamais são contrários uns aos outros, e Ele não tem dificuldade de conduzir o homem rebelde à harmonia com Seus propósitos.

Outra verdade bendita de Romanos 8:28 é que todas essas coisas, cooperando harmoniosamente juntas, cooperam assim para o “bem” do crente. Mas é conveniente perguntar: “Que tipo de bem?” A grande maioria das vezes nos preocupamos apenas com o bem temporal, e essa é a única coisa que podemos às vezes ter de renunciar a fim de receber o bem maior. Contudo, a verdade é que jamais temos de renunciar a nenhum bem temporal que a providência de Deus pode ter cumprido; pode parecer que isso é o que Deus requer que façamos, mas a verdade é que Deus jamais requer que renunciemos ao bem real e duradouro, e o que Ele de fato requer que renunciemos, Ele substitui com algo ainda melhor. Mas ainda mais importante, a providência de Deus sempre opera para nosso bem espiritual, pois até mesmo quando somos forçados a renunciar a algum aparente bem temporal, opera em nós a graça da renúncia, que é uma das melhores coisas para se construir o bom caráter. Aqueles que têm o caráter melhor e mais forte nunca são pessoas que se entregam a seus desejos, mas em vez disso são aqueles que praticaram a renúncia. O que sempre se vê na companhia do bem espiritual é o bem eterno, pois o que produz um produzirá o outro também, ou de modo especial, o bem eterno é simplesmente bem espiritual que é levado conosco para a eternidade. É com isso que deveríamos nos preocupar, qualquer que possa ser o custo do bem temporal e transitório.

Assim, o propósito ou finalidade da providência de Deus quanto ao crente é que sempre opera para seus melhores interesses, e o único jeito de poder ser diferente é se ele se coloca em oposição aos propósitos de Deus; pois então terá de ser atropelado e esmagado pela providência de Deus, que não pode ser frustrada. Mas o crente espiritual vai querer fazer de sua oração diária: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139:23-24). A rebelião é uma característica natural do coração humano, e precisamos orar constantemente para que Deus nos revele nossa perversidade, e nos conduza a ser submissos a Seus propósitos para que possamos gozar plenamente o bem que Ele determinou sobre Seu povo.

III. AS PESSOAS DA PROVIDÊNCIA.

Outra vez, como na meditação anterior, sabemos que há tanto uma providência geral e especial; e sob uma providência geral, toda a humanidade está englobada, pois todos têm parte no cuidado e controle que o Senhor exerce sobre Sua criação. Assim, está escrito: “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mateus 5:45). E de novo: “…ele é benigno até para com os ingratos e maus” (Lucas 6:35). “…ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas… Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:25,28). “SENHOR, tu conservas os homens e os animais” (Salmos 36:6). O homem vil goza muitas coisas boas do Senhor apesar do fato de que ele vive como os animais, tendo parte no bem que o Senhor dá, mas sem dar a mínima para a fonte divina de suas bênçãos, e em muitos casos, ele vive resmungando com Deus ao mesmo tempo em que goza as bênçãos dEle.

A providência é sempre dirigida ao homem, e é sempre para o bem do homem, embora o homem nem sempre consiga ver isso no momento. Alguns dos meios em que vemos a providência de Deus no mundo natural operando para o benefício do homem são: (1) O ar que respiramos é produzido pelo mundo vegetal, que não poderia existir e realizar sua função sem o sol, terra e água. (2) Até mesmo os espinhos e espinheiros do mundo vegetal realizam um bom serviço, pois nos fazem lembrar do pecado. (3) As plantas boas do reino vegetal são para alimentar o homem, e são para alimentar o reino animal. (4) As condições climáticas são necessárias para uma vida adequada e condições de crescimento para todas as criaturas vivas. Até mesmo as tempestades existem para nos fazer lembrar do juízo de Deus. (5) Os animais vivem e morrem para o bem do homem, pois servem para alimento, roupas e animais de carga, e até mesmo quando não servem para esses propósitos, a morte deles muitas vezes serve para enriquecer o solo. (6) As leis naturais da reprodução, crescimento e morte servem todas ao homem suprindo suas necessidades, mas também impedindo a explosão populacional de alguma espécie. (7) A adversidade, embora ninguém goste, é porém parte da providência de Deus, pois muitas vezes produz a edificação de espiritualidade e caráter, algo que uma vida de acomodação e conforto jamais poderia realizar. (8) O ministério dos anjos é dirigido ao homem, como Hebreus 1:14 mostra: “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” Essas e muitas outras passagens mostram que toda providência tem relação com o homem, e acaba operando no final para seus melhores interesses.

Entretanto, embora a providência de Deus se estenda aos injustos em que Ele os abençoa com boas coisas, porém Sua providência é de um tipo diferente para com eles do que para com os salvos, pois Ele não pode fazer vista grossa ao pecado, embora Ele possa e muitas o anule para Seus próprios propósitos. A. H. Strong expressa a providência de Deus com respeito aos atos malignos do homem quando diz:

As Escrituras descrevem a providência de Deus com respeito aos atos malignos dos homens como de quatro tipos: (a) Preventiva, — Deus por sua providência impede o pecado que, se não fosse por sua intervenção, seria cometido. Que ele assim impeça o pecado não deve ser considerado como algo obrigatório, mas sendo pela Sua graça… (b) Permissiva, — Deus permite que os homens amem e manifestem as disposições malignas de seus corações. A providência permissiva de Deus é simplesmente o ato negativo de conter obstáculos ao caminho do pecador, em vez de impedir seu pecado mediante o exercício do Seu poder. Não pressupõe nenhuma ignorância, passividade ou complacência na parte de Deus, mas consiste no Seu ódio do pecado e a determinação de castigá-lo… (c) Diretiva, — Deus dirige os atos malignos dos homens para finalidades que os agentes do mal não prevêem nem pretendem. Quando o mal está no coração e com certeza se manifestará, Deus ordena seu fluxo numa direção em vez de outra, de modo que seu curso possa ser controlado e traga como conseqüência menos mal possível. Às vezes se chama isso de providência prevalecente… (d) Determinativa, — Deus determina os limites alcançados pelas más paixões de suas criaturas, e a medida de seus efeitos. Já que o mal moral é um germe capaz de expansão indefinida, a determinação de Deus da medida de seu crescimento não altera seu caráter nem envolve a cumplicidade de Deus com as vontades pervertidas que o amam. — Systematic Theology (Teologia Sistemática), pp. 423 425. Fleming H. Revell, 1954.

Vê-se a grande diferença na providência de Deus com respeito aos salvos e os perdidos em que a pessoa perdida recebe o bem somente nesta vida, mas recebe garantia de apenas mal na vida eterna, enquanto a pessoa salva muitas vezes pode receber o mal nesta vida presente, mas recebe a garantia de apenas bem na vida eterna. “Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado” (Lucas 16:25).

O bem que as relações providenciais de Deus envolve limita-se especificamente aos “que amam a Deus”, em Romanos 8:28. 1 João 4:9 10, 19 traz uma luz interessante e informativa acerca disso: “Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos. Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados… Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro” Esses textos deixam claro que por natureza ninguém ama a Deus; é necessário que a graça de Deus adoce o pecador, de modo que a frutífera planta do amor para com Deus brote e cresça. “Aborrecedores de Deus” (Romanos 1:30) é a mesma frase que descreve o homem natural. Assim, “aqueles que amam a Deus” são mostrados como “aqueles que são chamados segundo o seu propósito”, em Romanos 8:28, de modo que se vê a providência de Deus em dois aspectos na vida do crente; primeiro, em que seu próprio chamado é a operação da providência de Deus, e segundo, em que sua vida subseqüente a esse chamado se caracteriza por todas as coisas trabalhando para o bem dele.

Romanos 8:28 frisa as operações eficazes de Deus, pois “aqueles que amam a Deus” são “aqueles que são chamados segundo o seu propósito”, mas nada se diz sobre se eles estão dispostos a serem chamados ou não, pois os propósitos de Deus sempre envolvem todos os meios necessários para realizá-los, conforme está escrito: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”. (Efésios 1:11). Muitos têm a idéia errada de que a palavra “chamado” sempre significa “convidado” e nada mais, mas tal não é o caso. É verdade que há o chamado geral do evangelho, que é geralmente ineficaz, e sempre seria ineficaz se não fosse a manifestação do poder de Deus. Os teólogos batistas do passado com acerto sustentavam que há, além do chamado geral do evangelho, o chamado eficaz do Espírito Santo, que é simplesmente a regeneração, e que esse chamado é sempre em cumprimento dos propósitos de Deus, e portanto, não pode ser frustrado. Quando o Espírito Santo vivifica alguém, ativa-se dentro dele a vida divina, e ele é regenerado e feito participante de uma nova inclinação dominante que, sendo participante da natureza divina, daí em diante ama e serve a Deus, e deseja fazer a vontade de Deus. Todos os impedimentos na vida de um crente vêm de sua carne, que continua a ser tão má quanto antes, até a morte ou o arrebatamento.

A providência de Deus na verdade estende-se a todas as criaturas, mas há um relacionamento especial de providência à fé, conforme Romanos 8:28 declara, e cremos que W. T. Connor bem expressa isso quando diz:

A idéia da providência vezes sem número é apresentada como se significasse que tudo o que entrou nas nossas vidas era em si mesmo uma benção independentemente de nossa atitude para com Deus e Suas relações providenciais para conosco. Isso não é verdade. Quer ou não as coisas que entram nas nossas vidas sejam uma bênção depende de como as recebemos. Se as recebemos no espírito de submissão e confiança em Deus, todas as coisas cooperam juntas para o bem. Caso contrário, o que foi designado para nosso bem pode até demonstrar ser uma maldição. É para aqueles que amam a Deus que todas as coisas cooperam para o bem; e cooperam para o bem na medida que amamos a Deus e somos conduzidos a amá-lo pelas coisas que chegam até nós… O amor para com Deus é a química que tem o poder de transformar todos os metais ignóbeis da vida no ouro puro do caráter cristão. — Christian Doctrine (Doutrina Cristã), pp. 231 232. Broadman Press, Nashville, 1949.

IV. O PERÍMETRO DA PROVIDÊNCIA.

O perímetro de uma coisa é seu limite externo, e por isso usaremos essa palavra para mostrar a extensão da providência de Deus. Define-se a extensão da providência de Deus em vários textos: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Romanos 11:36). “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11). “E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Colossenses 1:17). “…sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hebreus 1:3). “Para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe” (Hebreus 2:10). “…tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Apocalipse 4:11)

Esses textos mostram que não há nada que escape do controle e direção de Deus. Sua providência muitas vezes se revela ser co-extensiva com Sua criação. Como devemos ser gratos por essa verdade, pois se não fosse assim, justamente quando nos sentíamos mais seguros, um grande meteoro do espaço poderia aparecer em alta velocidade para nos destruir, embora Deus não quisesse isso; ou então um minúsculo micróbio poderia ferir nossa aboboreira e morreríamos, embora Deus não quisesse isso. O controle de Deus cobre tudo, dos micróbios aos homens, e dos pardais às planetas, e Ele não só controla todas as coisas, mas também as faz “contribuir juntamente para o bem”. Muitas vezes as coisas podem parecer estar trabalhando em conflito, quando na verdade não estão; por exemplo, o vento pode parecer ser contra o movimento de um veleiro, mas um marinheiro habilidoso pode fazer do vento o próprio meio de impulsionar o barco. Assim Deus, o criador de todas as coisas, e aquele que dá todas as leis, pode fazer todas as coisas contribuírem juntamente para cumprir Seus propósitos.

Vamos considerar os dois extremos da providência de Deus; primeiramente existe a minimidade de Sua providência; nada é pequeno demais para chamar a atenção de nosso Deus; Ele é o Deus dos vales bem como o Deus das montanhas; da gota de água, bem como do oceano. “Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois; mais valeis vós do que muitos passarinhos” (Mateus 10:29-31). É difícil imaginar alguma pessoa se preocupando com a queda de um humilde pardal; provavelmente, esse passarinho era a mais insignificante das criaturas que se vendiam. O ceitil tinha o valor igual a um décimo de um centavo romano, mas podia comprar dois pardais, e em dias de barganha, dois ceitis dariam para comprar cinco pardais (Lucas 12:6), mas Deus ainda se preocupa até mesmo com um pardal. Todo país parece ter um número imenso de passarinhos inúteis e destrutivos que são, se não o mesmo que nossos pardais, pelo menos tão inúteis, mas Deus ainda se preocupa com a queda até de um deles.

Vê-se a providência de Deus de modo mais preciso ainda em que se estende até os cabelos da cabeça dos crentes, e é por essa razão que o Senhor chama a atenção para o fato consolador da preocupação de Deus por Seu próprio povo. A admoestação de 1 Pedro 5:7 baseia-se nisso: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós”. A pessoa mais preocupada do mundo nem mesmo sabe nem se preocupa com o número dos cabelos de sua cabeça, mas Deus se preocupa; quanto mais poderemos depender nEle para se preocupar com todas as outras necessidades?

Deus controla e usa até mesmo as menores coisas para realizar Seus propósitos como é evidente na Grande Barreira de Coral na costa nordeste da Austrália. Esse recife é um muro natural no mar que protege essa ilha-continente, mas foi formado durante um longo período de tempo por muitos decilhões (e acho que eu nunca conseguiria de modo legítimo usar esse termo — 1033) de criaturas microscópicas. A menor partícula de pó já impediu os foguetes lunares de serem lançados, que é simplesmente a providência de Deus operando. E todos ouvimos falar do ateu blasfemo que ficou em cima de uma montanha e desafiou Deus a fulminá-lo, se houvesse um Deus. Contudo, nada aconteceu na hora, exceto que um mosquito entrou no olho do homem, mas o mosquito causou uma infecção, que três dias mais tarde causou a morte do homem. A providência de Deus se realizou mediante uma criatura muito pequena, e depois do espaço de três dias para arrependimento, Deus respondeu ao ímpio desafio do homem.

Boa parte da vida diária do homem e a sua morte é realizada por organismos microscópicos que se pode ver apenas mediante os microscópios mais poderosos. A expectativa de vida humana começa com a união do esperma e óvulo humanos. E os organismos microscópicos ficam conosco a vida inteira; a maioria de nós se alimenta diariamente de pão — produto de células de fermento; nossa saúde é muitas vezes preservada pela penicilina ou outros medicamentos que se tornam eficazes através da operação de organismos microscópicos. O próprio corpo humano é uma estufa de muitos milhões de organismos microscópicos, a vasta maioria dos quais estão trabalhando constantemente em favor do bem-estar do corpo. E a vida humana termina geralmente mediante a ação de algum organismo microscópico que Deus comissionou para essa tarefa específica.

Por outro lado, há também a magnitude da providência de Deus, pois embora a providência de Deus se estenda à menor de Suas criaturas, isso não significa que as coisas maiores de Sua criação estão além de Seu controle; veja as citações de Colossenses 1:17; Hebreus 1:3, acima. O universo inteiro permanece somente por causa de Seu cuidado e controle contínuo; se Ele retirar Seu controle por apenas um segundo, o universo inteiro instantaneamente se transformaria em caos absoluto. Ele controla o universo todo. Portanto, Ele controla todas as partes individuais do universo. Vemos muitas evidências da providência de Deus no caso de Jonas depois que ele se rebelou contra a vontade do Senhor e fugiu num navio com destino para Tarsis: (1) Um grande vento do Senhor conduziu o navio ao perigo extremo (1:4). Deus controla as tempestades. (2) Os marinheiros lançaram Jonas ao mar (1:14 15). Deus move os homens a fazer a Sua vontade. (3) Deus preparou um grande peixe, que estava aguardando para engolir Jonas (1:17). Não importa se esse peixe era uma baleia, um esqualo, um tubarão, ou alguma criatura exclusiva criada especialmente para esse propósito; a questão importante foi a sua obediência a Deus. (4) Esse grande peixe já havia comido tantas algas marinhas que se criou oxigênio suficiente na barriga do peixe para Jonas se manter vivo por três dias e três noites (2:5). (5) Esse peixe preparado nadou na direção exata para levar Jonas aonde Deus o queria. (6) Com apenas um sinal, o peixe vomitou Jonas, não no meio do oceano onde ele se afogaria, mas em terra seca (2:10). (7) Os corações dos ninivitas se comoveram ao arrependimento. Deus controla os corações até mesmo dos pagãos (3:5 9). (8) Quando Jonas teve a atitude errada para com o arrependimento dos ninivitas, Deus fez com que uma planta de crescimento rápido crescesse sobre ele para protegê-lo do sol (4:6). Deus tem o controle do reino vegetal. (9) Em seguida Deus fez com que um verme ferisse a aboboreira, para que Jonas aprendesse muito bem uma lição prática (4:7). E finalmente (10) Deus de novo preparou um vento quente do deserto para afligir Jonas (4:8), assim completando o círculo da providência de Deus na vida desse profeta.

Mas vemos evidência ainda mais forte da magnitude da providência de Deus, pois as maiores criaturas inanimadas do universo — as próprias estrelas — também reagem ao controle de Deus com obediência imediata. “Conta o número das estrelas, chama-as a todas pelos seus nomes” (Salmo 147:4), que sugere Deus tanto cuida delas quanto as controla, de modo que Ele tem perfeita capacidade de organizar os exércitos do céu para cumprir Suas ordens, e é exatamente isso que as Escrituras declaram que Ele fez: “Desde os céus pelejaram; até as estrelas desde os lugares dos seus cursos pelejaram contra Sísera” (Juízes 5:20). Há um sentido em que Deus fez o sol, a lua e as estrelas para governar sobre o homem (Salmo 136:7 9), e todos esses têm sua influência no homem e suas ações, mas estão todos sob o controle absoluto de Deus.

Gostaríamos de mencionar ainda mais uma coisa que evidencia a magnitude da providência de Deus; Ele exerce um controle sobre aquela coisa maravilhosíssima no mundo, a vontade de agentes livres. Sim, a vontade dos anjos está sujeita a Seu controle absoluto; e a mente e vontade do homem estão da mesma forma debaixo do controle do Senhor. Deus profetizou que Seu Filho nasceria em Belém; como é que isso veio a ocorrer? Ele moveu um rei pagão — o soberano do mundo civilizado — César, para ordenar, por mero capricho, que todos tinham de voltar à cidade, município ou vila de seu nascimento para se registrarem, e isso levou José e Maria a Belém bem em tempo para Jesus nascer ali em harmonia com a profecia (Lucas 2:1-6). Isso é simplesmente um cumprimento do que está escrito em Provérbios 21:1: “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer”.

A magnitude da providência de Deus é tão maravilhosa quanto sua minuciosidade; temos sempre de louvar a Deus por sua providência, que é sempre pontual — em tempo; é sempre segundo o alvo— para o nosso bem; e é sempre para o louvor de Deus — Ele faz isso tudo, e assim tem direito ao louvor pelo que faz.

V. O PODER DA PROVIDÊNCIA.

Aqueles que se opõem à soberania absoluta de Deus e a Seus propósitos eletivos tentam fazer parecer que aqueles que se apegam ao sistema calvinista de doutrina crêem num destino cego, mas isso é falso, e é uma deturpação grosseira afirmar isso. O poder que opera na providência não é o poder de um destino cego, mas o poder de um Deus pessoal e amoroso cujo poder é exercido em favor dos melhores interesses de Seu povo. No entanto, fé em Deus é necessário para perceber isso. O Dr. W. N. Clarke, ao falar da providência superior de Deus sobre os espíritos em contraste com a providência inferior da ordem natural, diz:

Há mistérios na vida, e não podemos interpretar plenamente a Providência até que a observemos acima deste mundo. Toda Providência requer longo tempo para sua defesa, principalmente essa Providência superior. Em nossa presente fase de conhecimento podemos hesitar afirmar que tudo ocorre conforme Deus designa, e podemos igualmente hesitar negar isso. Mas a realidade desse poder superior sobre os espírito não podemos duvidar; e Deus, que tem longo tempo à Sua disposição, será seu próprio intérprete. A fé se inclina a atribuir mais e mais à soberania de Deus; pois embora a incredulidade seja inclinada, como sabemos, a não ver Deus algum, a fé é inclinada a ver Deus em tudo. — An Outline of Christian Theology (Um Esboço da Teologia Cristã), p. 151. T. and T. Clark, Edinburgh, 1905.

Discordamos num ponto nessa declaração; ele diz: “em nossa presente fase de conhecimento podemos hesitar afirmar que tudo ocorre conforme Deus designa”, e a isso contrapomos o próprio princípio dele de que “a fé é inclinada a ver Deus em tudo”, pois se temos fé na Palavra de Deus, então tais textos como Romanos 8:28; 11:36; Efésios 1:11; Hebreus 2:10; Apocalipse 4:11, e outros, devem resolver o assunto, a menos que sejamos tão ímpios a ponto de atribuir falha a Deus.

Deve-se observar que esse poder de Deus na Providência não é meramente a promessa de algum exercício futuro dela, nem é apenas a história de um exercício passado dela, mas, como Romanos 8:28; João 5:17 e outras passagens declaram, a providência de Deus é um exercício atual e contínuo de Seu poder para revelar Seus propósitos. Não temos grande dificuldade de crer que Deus trabalhou no passado em favor de Seu povo, pois lemos o registro da Bíblia acerca disso, e podemos imaginar que Ele pode no futuro realizar Seus propósitos, mas a coisa dura é crer na providência de Deus enquanto estamos no meio da angústia e da aflição. Nossa grande necessidade não é tanto uma crença histórica na providência de Deus, quanto é uma presente resignação a ela, pois só aquele que se resigna à providência de Deus pode viver a vida cristã vitoriosa. Com isso não se quer dizer de forma alguma que não teremos aflições e tristezas, nem que sempre teremos consciência de vitória, mas significa que quando fizemos nosso melhor para cumprir a vontade de Deus, temos de deixar os resultados nas mãos de Deus orando para que Ele anule nossos erros para Sua própria glória, certos de que Ele pode operar todas as coisas de acordo com Seus próprios propósitos e para a Sua glória.

A providência de Deus é um grande mistério para nós, mas a razão principal disso é que pensamos demais em termos de limitações humanas, e vezes sem conta tentamos aplicá-las a Deus. Wayland Hoyt, num sermão sobre a “Providência Especial”, observa:

Enquanto confessamos o mistério de um plano divino permanente, mediante uma providência especial pegando todas as leis naturais, forças e todas as vontades humanas de ações livres, vamos apesar disso afirmar que embora a doutrina possa ser acima da razão, não é contra a razão… Vamos obter o consolo dessa verdade serena de um Plano Divino permanente operando mediante uma Providência Divina especial. A Providência Divina especial tem sido explicado que funciona “Preventivamente”, “permissivamente”, “diretivamente”, “determinativamente”. Todavia, essa providência funciona na direção do que é mais elevado e santo, já que é apenas a expressão e realização do Plano Divino… Há consolo para o obreiro cristão. A causa de Deus tem de triunfar de maneira brilhante, e as redes dessa providência são tão finas que nenhuma palavra de oração ou ação de dever feito para ajudá-la pode escorregar e cair em perda ou inutilidade. — Bap¬tist Doctrines (Doutrinas Batistas), editado por C. A. Jenkins, pp. 394, 397, 398. C. R. Barns Publishing Co., St. Louis, 1890.

Aqueles que se colocam contra a doutrina da Providência de Deus se levantam para cair em problemas, pois ninguém pode com sucesso resistir aos propósitos de Deus, e aqueles que tentarem, manifestam um espírito de rebelião, bem como despreocupação por seu próprio bem estar, pois os propósitos de Deus são sempre para o “bem” daqueles que são verdadeiramente salvos. O rei Nabucodonosor, um dos reis mais poderosos que já governou sobre a terra, aprendeu do modo difícil; ouça sua confissão em Daniel 4:34 35: “Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonosor, levantei os meus olhos ao céu, e tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é um domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?”

Conforme declara Romanos 8:28, “E sabemos” da providência de Deus, mas como sabemos dela? Principalmente mediante a Revelação Divina que Deus deu a nós dela, mas percebemos a experiência e a observação também confirmam o fato das relações providenciais de Deus com o homem. E a própria razão aponta na mesma direção, pois como podemos perceber um Deus onipotente, onisciente, onipresente e todo-amoroso que não cumpre Seus propósitos? Isso seria negar ou Sua sabedoria ou Seu poder. Caso contrário, seria afirmar que Ele tem condições de cumprir Seus propósitos, mas se recusa a cumpri-los, e apenas ridiculariza a criatura impotente ao prometer cumprir. Em ambos os casos, é ateísmo total renunciar à providência de Deus. Mas verdadeiramente “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28), e conseqüentemente, se somos os “chamados segundo o seu propósito”, somos um povo verdadeiramente abençoado, e assim temos de dar todo o louvor, a honra e a glória a Deus, que é digno, pelo chamado.

Presentemente, há muitas coisas que não entendemos, mas se crermos na providência de Deus, então temos a certeza de que no fim poderemos ver a obra completa da providência de Deus. Presentemente, vemos só o lado inverso, e como o lado inverso de bordado, o desenho pode ser indistinta. Mas nessa condição a fé é exercitada no Deus da providência; será que temos fé nEle confiando nEle para operar tudo juntamente para o nosso bem? Se temos, então em obediência O serviremos, por mais escuro que possa parecer o caminho, e por mais incerto que possa parecer o fim, pois sabemos que Ele pode mudar todas as coisas para Suas finalidades desejadas, e fazê-las cooperar para realizar essa finalidade. Que Deus apressa o dia em que vejamos a obra completa.

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