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CAPITULO 13 – A PRESERVAÇÃO E PERSEVERANÇA DOS SANTOS

Capitulo 13 do livro DOUTRINA FORTE

A PRESERVAÇÃO E PERSEVERANÇA DOS SANTOS

Pelo título dado a este presente capítulo é evidente que o assunto ora diante de nós é de natureza dupla, e é precisamente pelo fato de que os homens não reconheceram isso que eles muitas vezes apresentaram apenas um lado dessa doutrina gloriosa e magnífica. A preservação do Senhor na vida dos santos e a perseverança dos santos na santidade são doutrinas irmãs gêmeas, nenhuma das quais dá para se ignorar sem se desestabilizar o equilíbrio da verdade. A preservação dos santos na graça está inseparavelmente ligada ao propósito eterno de Deus, e parte do propósito de Deus é dar graça capacitadora ao santo de modo que ele perseverará na santidade.

Deus preserva Seu povo neste mundo por meio da perseverança deles — seus usos de meios e evitando-se o que é destrutivo. Em nenhum momento queremos dizer que o propósito eterno do Altíssimo depende das ações da criatura. A perseverança dos santos é um dom divino, assim como é a saúde e a força do corpo… Ora, será que o propósito eterno do Pai fica em perigo por causa da vontade humana? Será que seu cumprimento depende da conduta humana? Ou, havendo ordenado a finalidade, Ele também não tornará infalivelmente eficazes todos os meios para essa finalidade?… Fosse possível um dos eleitos de Deus se apostatar totalmente e perecer no fim significaria que o Pai planejou algo que Ele não conseguiu efetuar e que Seu amor foi frustrado. — A. W. Pink, The Saints’ Perseverance [A Perseverança dos Santos], pp. 11 12. Tyndale Bible Society. MacDill A.F.B., Florida, 33608, sem data.

Essa doutrina, como o povo do Senhor com o qual tem a ver, é em toda parte difamada (Atos 28:22), e é o motivo de todos os tipos de acusações e deturpações diabólicas, que serão vistas durante este estudo. Contudo, basicamente a aceitação ou rejeição dessa doutrina depende da perspectiva que se têm acerca da salvação. Isto é, será que reconhecemos que “Do SENHOR vem a salvação” (Jonas 2:9), em seu início, sua duração e seu término, ou será que a nossa salvação é atribuída em parte ou no todo ao próprio homem? Temos de admitir com sinceridade que há alguns que negam essa doutrina. Eles são genuinamente salvos, mas receberam ensinamentos errados, ou então nunca pararam para estudar e meditar em todas as implicações de negarem que Deus preserva Seu povo. Muitos, por ignorância, sustentam o contrário, pois jamais aprenderam a verdade e, pensando inteiramente em termos mundanos, aceitaram o que parece lógico a suas mentes carnais por bajular seu orgulho carnal. Sem dúvida, bajula o ego pensar que uma pessoa é parcialmente seu próprio salvador, mas isso é totalmente contrário a todos os ensinos das Escrituras sobre o assunto. O arminianismo há muito tempo bajula esse orgulho natural, pois esse é seu principal aliado em sua negação ou debilitação da soberania da graça de Deus.

Essa doutrina não é uma doutrina isolada, totalmente desligada de todas as outras doutrinas. Pelo contrário, tem, como todas as doutrinas das Escrituras, relação íntima com todas as outras doutrinas, de modo que negar essa verdade necessariamente envolve negar, ou pelo menos confundir, outras doutrinas fundamentais. Muitos dos batistas do passado reconheceram esse risco, conforme mostram as citações seguintes.

Todos têm de admitir que as doutrinas da graça de Deus são uma estrutura conectada da verdade, com cada parte harmonizanda perfeitamente com cada e toda outra parte. Não deve haver contradições entre as várias doutrinas e nenhuma confusão quanto a seus significados, pois Deus é o Deus de ordem e não de confusão… Assim poderia-se dizer que a doutrina da segurança eterna é a pedra principal da abóbada das doutrinas da graça, ou poderíamos assemelhá-la à urdidura de um pano do qual as outras doutrinas da graça são o tecido. Tire a doutrina da segurança eterna e o arco cai, ou o pano se desmancha. — J. F. Strombeck, Shall Never Perish [Jamais Perecerão], pp. 25, 27. American Bible Conference Association, Philadelphia, 1936.

Se a doutrina da eleição for verdadeira, então a perseverança final dos santos segue como resultado necessário, de modo que toda passagem que se possa citar para provar a primeira doutrina também pode ser usada para se estabelecer a última doutrina… Ora, é evidente que nenhum homem que Deus escolheu para a salvação pode perecer, pois se ele foi escolhido para a salvação, ele tem de ser salvo. Uma salvação que não salva é uma contradição. Nenhum homem é salvo enquanto o perigo ainda o ameaça, pois o homem salvo está seguro, e ninguém que ainda está em perigo de perecer está segura. — T. T. Eaton, Sermon on The Perseverance of the Saints, in Baptist Doctrines [Sermão sobre a Perseverança dos Santos, nas Doutrinas Batistas], pp. 581, 582, Editado por C. A. Jenkins. C.R. Barns Publishing Company, St. Louis, 1890.

Essa doutrina está inseparavelmente ligada às outras doutrinas da graça que são ensinadas na Palavra de Deus. Isso é tão verdade que são universalmente aceitas, ou rejeitadas juntas. A perseverança dos santos é parte de cada uma das confissões calvinistas. Os romanistas, luteranos e arminianos a rejeitam. Portanto, toda evidência da verdade das doutrinas já examinadas pode ser apresentada em favor disso que é uma dedução necessária delas. — J. P. Boyce, Abstract of Systematic Theology [Resumo da Teologia Sistemática], p. 428. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1887.

A eleição de certos indivíduos para a salvação é eleição para conceder-lhes tais influências do Espírito que os conduzirão não só a aceitar Cristo, mas também a perseverarem e serem salvos. A união com Cristo é indissolúvel; a regeneração é o começo de uma obra da nova criação, que vem declarada na justificação, e consumada na santificação. Todas essas doutrinas são partes de um plano geral, que não teria êxito algum se se permitisse que um único cristão se perecesse. — A. H. Strong, Systematic Theol¬ogy [Teologia Sistemática], pp. 882 883. Fleming H. Revell Company, 1954.

Daria para se acrescentar outros tais testemunhos, mas esses serão suficientes para mostrar que os grandes teólogos batistas do passado geralmente reconheciam a conexão dessa doutrina com outras doutrinas, principalmente com aquelas que são chamadas de “as doutrinas da graça”. Isso não é dizer que nas fileiras batistas ninguém negue ou menospreze essa doutrina. Pelo contrário, há muitos que afirmam ser batistas que negam essa doutrina preciosa, mas a opinião deles sobre essa verdade é apenas um sintoma de uma erro doutrinário maior e mais sério. Este escritor conheceu várias pessoas que eram totalmente contra essa doutrina, mas que mais tarde vieram a compreender que não estavam realmente salvas, pois estavam confiando em seus próprios feitos, e que, logo que foram genuinamente salvas, não tiveram mais problema algum em crer nessa doutrina. A autoconfiança é um fator muito importante no sistema de crença daqueles que negam a segurança dos santos.

Esse assunto bendito tem sido ocasião para briga feroz no mundo teológico, e em nenhum lugar a brecha entre calvinistas e arminianos é mais evidente do que em suas perspectivas diferentes acerca dessa doutrina. Os calvinistas a consideram como o sal verdadeiro da aliança, como uma das principais misericórdias que a redenção de Cristo comprou, como uma das jóias mais ricas que adornam a coroa do Evangelho, como uma das melhores bebidas para revigorar os santos cansados, como um dos maiores incentivos à prática de santidade. Mas para os arminianos é o contrário. Eles consideram essa doutrina como uma invenção do diabo, como um sério desonra a Deus, como um envenenamento da fonte do Evangelho, como dando licença para a autossatisfação e como subvertendo toda a real piedade. Nesse exemplo é impossível buscar um meio termo que seja conciliatório entre os dois extremos, pois uma parte tem de estar extremamente certa e a outra extremamente errada. — A. W. Pink, The Saints’ Perseverance [A Perseverança dos Santos], p. 7. Tyndale Bible Society. MacDill A.F.B., Florida, 33608, sem data.

Os batistas que negam essa doutrina são geralmente conhecidos como os batistas “gerais”, batistas “do livre arbítrio” e batistas “arminianos”, embora não gostem do último termo, e assim eles geralmente não o usam. Contudo, o sistema de doutrina que eles sustentam é historicamente, e quase universalmente, arminiano, e assim o termo é adequado.

Nosso estudo acerca dessa doutrina é um estudo de ensino bíblico sobre o assunto, e assim, é na maior parte irrelevante o que os homens possam crer sobre o assunto. Nossa responsabilidade é para nos encontrarmos em harmonia com a Palavra de Deus, que é nosso critério para a fé. É a Palavra que nos julgará no último dia, não as opiniões dos homens. Mas antes que entremos no ensino bíblico sobre esse assunto, temos primeiramente de eliminar completamente as montanhas de erro que se acumularam em volta dessa doutrina.

I. CONSIDERE AS IDEIAS ERRADAS DESSA DOUTRINA.

Muitas e variadas são as ideias erradas acerca dessa doutrina, e a coisa mais difícil de fazer é achar um lugar para começar a refutá-las, pois quando se entende essa doutrina de forma correta, desaparece a maior parte das ideias erradas. Só a pessoa que ignora o verdadeiro sentido dessa doutrina faz as acusações mais difamadoras contra ela, e assim, a maioria dessas ideias erradas será completamente eliminada quando chegarmos a considerar o ensino bíblico sobre o assunto. Por esse motivo, nos contentaremos de lidar um tanto brevemente com essas questões.

Dá para se declarar de diversas formas a primeira ideia errada da seguinte maneira. “Essa doutrina leva à licenciosidade”. “Ensina que podemos pecar tudo o que quisermos, mas sem jamais nos perdermos”. “Sustenta que um estilo de vida de santidade é indiferente à questão”. É de pouco maravilhar que tantas pessoas se assustem com essa doutrina, quando pensam que sustenta tais convicções diabólicas como essas. Mas nenhuma parte dessa ideia é parte da doutrina da preservação e perseverança dos santos. W. T. Connor bem comentou acerca dessa doutrina que:

Isso não envolve a posição antinomiana que diz “que desde que alguém seja em justificação liberto do pecado, ele é, pois, feito eternamente seguro, não importa o que ele se torne em caráter e vida.” Isso é uma perversão da verdade que se torna praticamente uma heresia tão grande quanto aquela que ela nega. O ensino do Novo Testamento não é que um homem justificado é salvo independente do que ele possa ser em caráter; pelo contrário, o que o ocorre é que a graça justificadora e regeneradora de Deus operam de tal forma que revolucionam seu caráter que ele nunca mais poderá ser o que ele era antes. Não é que o cristão é salvo se ele persiste na fé ou não; é que ele persistirá na fé e alcançará, pois, a salvação definitiva… A perseverança dos santos se baseia na preservação dos santos. Perseveramos porque ele guarda. Mas a doutrina verdadeira não nos diz que, pelo fato de que ele nos guarda, não precisamos perseverar. — Christian Doctrine [Doutrina Cristã], pp. 238, 239. Broadman Press, Nashville, 1949.

Essa doutrina tem a ver com “santos”, que significa santificados, e se essa doutrina levasse as pessoas a viver vidas moralmente desenfreadas, elas deixariam imediatamente de ser santas. A doutrina verdadeira não leva a uma vida imoral ou negligente; somente uma forma pervertida dessa doutrina teria tal efeito. Essa doutrina também não ensina ninguém que ela pode pecar tudo o que quiser sem jamais se perder, ou que a vida de santidade é indiferente ao assunto. No momento que alguém deixa a vida de santidade e se atira ao pecado sem limites, ela destrói toda a prova de que ela recebeu a graça salvadora de Deus, e assim, não há nenhuma promessa de segurança eterna que se aplique a ela. Lembremo-nos de que, de acordo com Tito 2:11 14, a mesma graça que salva também santifica — torna santo — e se alguém não está vivendo um estilo de vida santo, ele tem motivo sério para duvidar de que recebeu a graça salvadora. Não dá também para se separar essas duas formas de graça, pois são uma unidade indivisível.

A doutrina da perseverança final, quando devidamente compreendida, não incentiva de forma alguma a preguiça ou a negligência no dever; muito menos conduz à licenciosidade. A pessoa que usa essa doutrina para pecar contra Deus, ou para ser preguiçoso ao servir a Deus, não só não entende ou aplica devidamente a doutrina, mas tem razão para temer que seu coração não está certo diante de Deus. A perseverança na santidade é a única prova infalível de que o coração está certo; e aquele que cessa de perseverar, presumindo que seu coração está certo, crê sem a evidência adequada e está lamentavelmente arriscando seus interesses eternos em sua presunção. A doutrina é que a graça no coração produzirá a perseverança até o fim; e onde não se produz o efeito, a causa não existe. — J. L. Dagg, Manual of Theology [Manual de Teologia], pp. 298 299. Sprinkle Publications Gano Books, Harrisonburg, VA., 22801, 1982.

A verdade é, que todo santo verdadeiro não só peca tudo o que ele quer, mas peca muito mais do que quer, pois ele tem em si o princípio da graça, que o move a amar seu Senhor. Portanto, quanto mais ele cresce em graça, mais santo ele se tornará, e mais ele chorará por seus pecados, e longe de fazer de sua preservação garantida uma desculpa para pecar mais e mais, ele ficará envergonhado de que peca tanto. Essa doutrina também não indica perfeição sem pecado no santo.

Isso nos leva a considerar uma segunda ideia errada, isto é, que o santo tem a mesma natureza depois da salvação que ele tinha antes, e que seus desejos e ambições, pensamentos e atitudes, sua perspectiva e caminhada serão os mesmos mais tarde que eram antes. Isso é negligenciar o fato de que o homem é transformado quando nasce de novo, e tem pois duas naturezas, uma carnal e uma espiritual, que daí em diante estarão em guerra uma com a outra. Para confirmar isso, apenas dois textos são necessários. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. (2 Coríntios 5:17) “Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis”. (Gálatas 5:17) O novo homem do coração “quer” agradar a Deus, mas pelo fato de que o velho homem da carne não foi mudado nem um pouco, estará em antagonismo constante com a vontade de Deus. Paulo foi inspirado a citar sua própria experiência dessa guerra interna em Romanos 7:14 25, onde ele usa a palavra grega “querer” sete vezes, a maioria delas mostrando a rebelião da vontade da carne contra a vontade de Deus. Veja especialmente o versículo 18, e compare com o versículo 22.

Mas temos de nos lembrar de que essa doutrina se baseia na suposição de que alguém foi regenerado, e que a regeneração significa que a natureza moral de alguém é tão renovada na imagem de Cristo que ele nunca mais poderá permanecer no pecado. Se os anseios mais profundos do nosso coração são dirigidos a uma vida de pecado, então, evidentemente, viveremos uma vida de pecado. Isso é inevitável. Mas o fato de que ansiamos uma vida de pecado é evidência de que não fomos regenerados. Nenhuma restrição externa ou medo de castigo será suficiente para impedir o homem não regenerado de viver no pecado. Por outro lado, o homem regenerado vencerá o pecado porque a paixão mais profunda de sua alma é amar a Deus e odiar o pecado. — W. T. Connor, Christian Doctrine [Doutrina Cristã], pp. 243 244. Broadman Press, Nashville, 1949.

Todo santo é suscetível de cair, e certamente cairá, em pecado de tempos em tempos. O motivo disso é que ele ainda tem uma natureza carnal que não foi renovada e continuará desse jeito até a ressurreição. Portanto, sua natureza carnal adorará continuar no pecado. Mas de forma semelhante, sua natureza renovada odiará esse pecado, e desejará se desviar daquele pecado que causa até náusea se tiver a força espiritual de assim agir. O ódio ao pecado é tanto parte da nova natureza, como o amor ao pecado é da velha natureza. Está na natureza do porco adorar o lamaçal, e ele retornará constantemente a esses lugares. Por outro lado, a natureza de uma ovelha é odiar os lamaçais, e embora ela possa ocasionalmente cair na lama, sua aversão natural à lama fará com que ela saia desses lugares o mais rápido possível. Sem dúvida esse é o próprio motivo por que as Escrituras usam esses dois termos para os que não são salvos e para os que são salvos, respectivamente. O homem reage de acordo com sua natureza predominante, e assim longe de um constante amor ao pecado provar que o santo pode se perder, só prova que muitos que afirmam ser santos não são na verdade, mas são apenas almas iludidas.

Tal perspectiva grosseira como a objeção acima propõe perde vista inteiramente a natureza da regeneração, tacitamente negando que o novo nascimento é um milagre da graça, efetuando uma mudança interior radical, renovando as capacidades da alma, dando uma propensão inteiramente diferente à inclinação da pessoa. Falar de um filho de Deus se apaixonado de novo pelo pecado equivale a sugerir que não há diferença real entre alguém que passou da morte para a vida, que tem o princípio de santidade, que é habitação do Espírito de Deus, daqueles que não são regenerados. Admite-se com facilidade que aquele que foi, por uma mera impressão intelectual, emocionalmente estimulado a reformar temporariamente sua conduta exterior poderá na verdade retornar ao seu modo de viver do passado; mas enfaticamente negamos que aquele que experimentou uma sobrenatural obra da graça em seu interior, que foi feito “nova criatura em Cristo Jesus”, pode perder ou perderá todo gosto por coisas espirituais e ficará satisfeito com as bolotas que servem de alimento aos porcos. — A. W. Pink, The Saints’ Perseverance [A Perseverança dos Santos], pp. 93 94. Tyndale Bible Society. MacDill A.F.B., Florida, 33608, No date.

Eis, então, uma terceira ideia errada. Muitos pulam para a conclusão errônea de que só porque um homem professa ser salvo ele verdadeiramente é; e assim quando esse homem mais tarde manifesta seu caráter real retornando ao pecado, acham que ele apostatou e se perdeu de novo. Pedro fala de tais pessoas da seguinte forma: “Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama”. (2 Pedro 2:22) João de forma semelhante diz: “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós”. (1 João 2:19) Há muitos Judas Iscariotes que por algum tempo são contados com santos genuínos, mas então mostram sua verdadeira identidade no devido tempo abandonando o caminho da santidade.

A apostasia não é fruto da salvação, e toda pessoa que professa ser santa mas se constantemente se desvia de Cristo só prova que nunca foi verdadeiramente salva. O escritor aos Hebreus declara isso, pois depois de falar dos tais, ele diz: “Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores, e COISAS QUE ACOMPANHAM A SALVAÇÃO, ainda que assim falamos”. (Hebreus 6:9) E de novo, sobre o mesmo assunto, ele diz: “Mas o justo viverá da fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele. Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que CREEM PARA A CONSERVAÇÃO DA ALMA”. (Hebreus 10:38-39)

Note aqui: (1) Há certas coisas que acompanham a salvação, e a apostasia da alma não é uma delas. (2) A fé do homem justificado não é uma coisa passageira e transitória, mas uma coisa contínua e viva. (3) Deus não tem nenhum prazer no apóstata. (4) Mas nem o escritor nem os que receberam sua carta eram do tipo que se retiram para a perdição. (5) Pelo contrário, eles se caracterizam por uma fé que se estende à salvação definitiva da alma. A fé dos eleitos de Deus não é uma fé que apenas chega perto dessa meta. Deus não simplesmente solta as pessoas com liberdade condicional até o primeiro deslize grave delas, mas Ele as perdoa, que é uma coisa permanente e irreversível.

Essa ideia errada se baseia inteiramente na suposição — suposição de que um homem foi uma vez salvo, quando sua vida subsequente prova de modo inequívoco que ele não foi. É estranho como muitas vezes o homem se opõe às suas próprias suposições contra as declarações claras de Deus. Ele não só supõe que os homens estão salvos quando as Escrituras declaram que não estão, mas ele se opõe a muitas hipóteses que ele pensa podem derrubar a doutrina. Mas todas as suposições e situações hipotéticas no mundo não influenciam nem mesmo uma das declarações de Deus, pois “uma suposição nada põe em existência, nada prova e não é exemplo de algo que é fato”. — John Gill, Body of Divinity [Corpo da Divindade], p. 569. Turner Lassetter, Atlanta, 1950.

Uma quarta ideia errada se baseia numa compreensão equivocada acerca do pecado no santo. Presume-se erroneamente que essa doutrina ensina que alguém pode e deve alcançar a perfeição nesta vida a viver sem pecado, e que tal pessoa jamais será tentada, ou se for, que ela jamais cairá no pecado. Mas a experiência de todo santo verdadeiro contradiz essa ideia, pois todos temos consciência (a não ser que Satanás tenha nos cegado para nossos próprios pecados) que cada um de nós peca diariamente, e somos muitas e muitas vezes tentados, mas pode ser que não sucumbiremos à toda tentação. O motivo disso é que temos duas naturezas, e a velha natureza da carne é a pecadora, que constantemente deseja pecar, e muitas vezes pecaria se o crente não fosse controlado pela natureza espiritual. Pelo fato de que ainda estamos ligados à carne, que é corrupta de acordo com as enganadoras lascívias espirituais (Efésios 4:22), haverá constantes tentações espirituais e muitas vezes a carne pecará, de modo que a perfeição sem pecado será impossível enquanto o espírito que nasceu de novo estiver ligado ao corpo que não foi regenerado. Mas isso de forma alguma contradiz essa doutrina, pois essa doutrina ensina que é a natureza espiritual do homem que hoje é salva, e que não pode pecar, e assim, não pode se perder de novo. As ações ímpias da carne não podem manchar a alma salva, mas podem prejudicar seu testemunho diante do mundo, e, se a pessoa salva não controlar suas lascívias carnais, o resultado poderá ser o castigo do Senhor, até mesmo ao ponto de se tirar sua vida física. Esse é o jeito de Deus de deter o pecado fora de controle no santo, eliminando de vez o instrumento de pecado. Quando o pecado é de natureza séria a ponto de exigir morte, é “para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus”. (1 Coríntios 5:5) Essa é a resposta de Deus para o pecado fora de controle no santo: Ele o separará do instrumento de pecado para impedir o espírito de se perder. Com isso Deus impedirá a apostasia de se tornar irreversível.

Uma quinta ideia errada é que a capacidade e responsabilidade de permanecer salvo está inteiramente com o próprio individuo, e que ele deve completar mediante suas próprias obras aquilo que Deus começou na regeneração. Isso muito bajula o orgulho carnal e a vaidade do homem, mas não é bíblico. “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”. (Filipenses 1:6) A operação de Deus em Seu povo jamais cessa até a volta do Salvador, quando finalmente estiverem fora do alcance do perigo e não houver mais nenhuma necessidade de Suas obras preservadoras.

Mas pior ainda, negar a suficiência plena de Deus para a salvação definitiva do santo realmente tende a produzir aquilo que está sob a maldição de Deus — uma confiança na suficiência do homem. “Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jeremias 17:5) John L. Dagg bem diz:

Rejeitar a doutrina da perseverança definitiva tende a fixar a esperança da salvação nos esforços humanos, e não no propósito e graça de Deus. Se, no método de salvação de Deus, não se fez nenhuma provisão, que garanta a guarda dos que foram regenerados, e sua perseverança na santidade, tudo o que resta é a salvação depender dos próprios esforços deles, e a confiança deles tem de estar naquilo em que depende o sucesso… Assim negando a doutrina remove o coração de uma confiança simples em Deus. Portanto, tende a produzir apostasia. — Manual of Theology [Manual de Teologia], p. 299. Sprinkle Publications Gano Books, Harrisonburg, VA., 22801, 1982.

As Escrituras são bem claras, tanto na negação da capacidade do homem para contribuir algo para sua salvação definitiva quanto na suficiência plena do Senhor para salvar o homem. “Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”. (Filipenses 3:3) “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem”. (Romanos 7:18) “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”. (Hebreus 7:25) Nesse último versículo temos de notar os seguintes fatos: (1) A capacidade é exclusivamente do Senhor. (2) É uma capacidade de salvar totalmente, completamente e perfeitamente. (3) O requisito humano é que eles “se acheguem a Deus por ele”, e não por meios, obras ou vontade humanos. (4) Os meios do Senhor de realizar essa salvação total são por intermédio de Jesus, que vive sempre “para interceder por eles”.

Qualquer tipo ou grau de confiança na carne para continuar ou completar a salvação é uma forma de idolatria, e está sob a maldição de Deus. Em todo lugar nas Escrituras Deus é apresentado como o único alvo da confiança do homem para satisfazer as necessidades espirituais.

Essa ideia errada muitas vezes se baseia em outra. A sexta ideia errada é geralmente expressa na pergunta: “Mas o que acontece quando a fé do crente fica fraca? Será que ele é mantido seguro apenas enquanto continua a ter fé?” É verdade que a fé é uma coisa necessária para ser agradável aos olhos de Deus (Hebreus 11:6), mas muitos olham para a fé como uma coisa passageira no cristão, ao passo que é uma coisa viva, continuamente alimentada pela graça de Deus de modo que jamais poderá desfalecer completamente. Contudo, a vida de fé não está no homem, mas na intercessão de Cristo por Seu povo. J. M. Pendleton observa:

Se for dita que a fé é o laço da união, e que se a fé desfalecer, a união será quebrada, isso admito. Mas o que Jesus disse para Pedro? — “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”. (Lucas 22:32) A fé dele não desfaleceu. O conflito entre fé e descrença no coração de Pedro pode ter sido e sem dúvida foi difícil, mas não houve desfalecimento total e definitivo de sua fé. Teria desfalecido se Jesus não tivesse orado para que a fé dele não desfalecesse. Assim como Jesus orou na terra por Pedro, assim ele intercede no céu por todos os que crêem nele. Em sua intercessão, está envolvida a oração para que a “fé deles não desfaleça”. Depois da experiência de Pedro, não é estranho que ele escreveu: “Mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação”. (1 Pedro 1:5) O poder preservador é divino; é exercido, não de modo independente da fé, mas por meio da fé, e é exercido “para a salvação”. Se, então, há essa conexão entre fé e salvação, a união entre Cristo e seus discípulos é indissolúvel. Essa união, pois, fornece um argumento para a perseverança dos santos que não dá para se invalidar. — Christian Doctrines [Doutrinas Cristãs], p. 325. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1978.

Que essa intercessão de Cristo não se restringiu a Pedro ou aos apóstolos, mas é realmente feita por todos os santos, é evidente em João 17:20: “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim”. Todo crente desde os doze apóstolos se encaixa nessa categoria, pois todos eles vieram a crer em Cristo por meio da palavra de crentes do passado numa cadeia de testemunhas que flui no tempo desde os apóstolos.

Não dá para a fé do santo verdadeiro desfalecer totalmente de modo que ele se perca pela simples razão de que o Senhor Jesus Cristo ora por Seu povo para que a fé deles não desfaleça, e assim eles são “mediante a fé… guardados na virtude de Deus para a salvação”. (1 Pedro 1:5) E embora essa obra seja realizada “mediante a fé”, porém as Escrituras nos dizem claramente em muitas partes que a própria fé é dom de Deus (Romanos 12:3; 1 Coríntios 3:5; Filipenses 1:29; Hebreus 12:2, e outras). Assim, até mesmo os meios que Deus emprega para guardar os crentes da apostasia são Seus dons para eles. Que a fé exigida é uma “fé para a salvação” indica que a confiança inicial de alguém no Senhor para salvar coloca essa pessoa num estado de salvação que é cercado por todos os lados pelo poder onipotente de Deus. Assim os salvos não podem escapar desse estado de salvação até que algo mais poderoso do que Deus entre em cena para vencer o poder de Deus.

Uma sétima suposição se baseia nos avisos aos salvos para perseverarem na santidade. Alguns dizem que na medida em que as Escrituras avisam da possibilidade de se desviar, portanto deve ser certeza que alguns se desviarão e se perderão, mas isso não é automático. Os avisos e casos hipotéticos são os próprios meios empregados para se impedir o crente verdadeiro de presumir que a preservação de Deus torna desnecessário que ele persevere na santidade.

Mas como é que reconciliamos o perigo do cristão com sua segurança? Não há nada para se reconciliar, pois não há antagonismo. São os inimigos e não os amigos que precisam de reconciliação, e os avisos são o amigo do cristão, um dos meios de proteção que Deus colocou ao redor da verdade da segurança do Seu povo, impedindo-os de torcê-la para a sua própria destruição. Ao revelar certas consequências da total apostasia os cristãos são com isso prevenidos e guardados da mesma: um temor santo lhes move o coração e assim se torna o meio de impedi-los à própria iniquidade que denunciam. — A. W. Pink, The Saint’s Perseverance [A Perseverança do Santo], p. 80. Tyndale Bible Society. MacDill A.F.B., Florida, 33608, sem data.

Deve-se também notar que a maioria dos avisos são formulados em termos hipotéticos: “Se alguém não estiver em mim”. (João 15:6) “Se recaírem” [tradução do inglês]. (Hebreus 6:6) “Porque, se pecarmos voluntariamente”. (Hebreus 10:26) “Porquanto se, depois de terem escapado.” (2 Pedro 2:20) Mas com relação a esses subjuntivos, que indicam caso hipotético, G. S. Bishop bem disse:

O subjuntivo jamais pode anular o modo indicativo… Um “se” não é nada mais do que um “se” — uma mera suposição empregada como precaução ou para algum outro propósito sábio; mas uma mera suposição jamais poderá efetuar um fato certo e positivo. As Escrituras dizem: “Se alguém destruir o templo de Deus”. “Para que eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado”. “Se eles recaírem, é impossível”, etc. Todos esses versículos são apenas barreiras sábias e razoáveis fixadas ao longo do caminho — luzes forte para guiar-nos contra a presunção — são auxílios, pelo perigos que iluminem, para se evitar devidamente aquelas coisas que, se adotadas com persistência, trariam ruína, mas que pela própria precaução, são evitadas, e o fato predito assim assegurado. — The Doctrines of Grace [As Doutrinas da Graça], p. 314 (Citado em Frank B. Beck’s The Five Points of Calvinism, pp. 54 55).

É um fato interessante para se notar, que aqueles que negam a segurança eterna do verdadeiro santo de Deus jamais puderam produzir um único exemplo claro de algum crente verdadeiro que chegou a se perder eternamente. Eles também jamais puderam provar que alguém sobre quem se declarou se perdeu no fim chegou genuinamente a ser salvo um dia. Assim, eles são forçados a agarrar às figuras de linguagem, suposições dadas por meio de aviso, interpretações equivocadas, etc., quando o problema real está na indisposição deles para que a salvação seja do Senhor, para que a glória seja toda dEle. Não há glória para o homem numa doutrina que se baseia totalmente na graça de Deus. Quando os homens ajeitarem sua teologia quanto a Quem é o Salvador, eles não terão nenhum problema com a doutrina quanto a Quem mantém os homens salvos.

Uma oitava ideia errada se baseia nos sentimentos. Isto é, uma pessoa que teve uma vez a plena certeza da salvação, fica em estado de depressão, e ela presume que agora está perdida porque “não me sinto salvo”. Vivemos numa época em que as emoções se tornam as coisas mais importantes, e consequentemente muitas pessoas são enganadas porque são conduzidas por seus sentimentos em vez da verdade da Palavra de Deus. Essa falácia também funciona do outro jeito, pois alguns que são obviamente perdidos porque estão confiando em outras coisas além de Cristo para ter sua salvação argumentarão: “Mas sinto-me em paz!” Não se engane com isso! A maior parte de nossos sentimentos vem de nossa natureza carnal e por esse motivo são totalmente inconfiáveis, estando sob a dominação de Satanás.

As emoções têm o seu lugar no Cristianismo, mas não são o critério para a verdade, e assim os sentimentos podem ser enganosos. A. J. Gordon tem o seguinte a dizer:

Nossa comunhão pode estar sujeita a tristes alternações de entusiasmo e frieza; nosso amor pode queimar fortemente hoje e fracamente amanhã. Mas isso não muda nossa posição verdadeira diante de Deus. Não podemos ora estar num estado de justificação e ora não. A dúvida e a infidelidade podem fazer retroceder em muitos graus hoje da face do relógio da esperança; mas Deus não olha para isso para determinar nossa aceitação diante dEle. Ele nos vê apenas na luz do verdadeiro Sol de justiça, onde “não há mudança nem sombra de variação”… Mas não podemos nos esquecer de que assim como Deus põe os termos de salvação tão elevados que não poderíamos por nós mesmos fazê-los, assim também Ele colocou os títulos de propriedade na salvação tão elevados que não podemos danificá-los, tendo escondido-os “com Cristo em Deus”. — In Christ, pp. 115 116, 122.

Portanto, não importa como nos “sintamos”; isso não provará que somos ou salvos ou não salvos. O que é importante é se confiamos em Cristo com relação à nossa salvação. Contudo, até mesmo a fé não é a primeira coisa desse assunto, pois primeiro tem de haver os fatos do Evangelho antes que possamos crer e ser salvos. Assim a ordem adequada é: (1) Fatos — as boas novas da salvação realizada por Cristo. (2) Fé — confiar na obra consumada de Cristo para nossa salvação. (3) Sentimentos — paz e alegria da certeza de que o destino de nossa alma está totalmente guardado pelo Senhor.

Há só um critério seguro para se julgar essa doutrina, e é isso o que dizem as Escrituras. Os sentimentos são variáveis demais e sujeitos demais à influência de temperamento pessoal e problemas diários para serem confiados.

É uma peculiaridade dessa doutrina que a experiência pode fazer pouco ou para confirmá-la ou perturbá-la. A experiência não pode provar a doutrina, pois não pode provar que aqueles que morrem no pecado jamais haviam experimentado a regeneração; mas a experiência também não pode refutar a doutrina, porque não pode mostrar que qualquer um que morre no pecado chegou realmente a ser renovado. Temos de depender dos ensinos da Bíblia apenas. — E. H. Johnson, Outline of Systematic Theology [Esboço da Teologia Sistemática], p. 279. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1903.

Todas essas ideias erradas se baseiam nas perspectivas errôneas dessa doutrina, ou nas interpretações equivocadas das Escrituras, e isso se aplica a outras objeções, menos comuns e menos aplicáveis, a essa doutrina. Quando os homens entendem adequadamente o que essa doutrina realmente é, e têm uma interpretação correta das Escrituras ligadas a ela, então somem quase todas as objeções e ideias erradas sobre ela, e aquelas que restarem serão estimuladas mais por preconceito e presunção do que por qualquer outra coisa. J. F. Strombeck nota os erros mais comuns ao atacar essa doutrina.

As interpretações dadas a passagens que fazem contradizer a segurança eterna do crente são sujeitas a vários erros que se poderia bem considerar sob quatro grupos diferentes: 1. Aplicando-se aos salvos, passagens dirigidas a outros. 2. Interpretando passagens fora de seu contexto. 3. Passagens difíceis e obscuras, interpretadas de modo errado. 4. Usando passagens em linguagem figurativa para formular uma doutrina. — Shall Never Perish [Jamais Perecerão], p. 190. American Bible Conference Association, Philadelphia, 1936.

II. CONSIDERE O SIGNIFICADO DESSA DOUTRINA.

O próprio alicerce dessa doutrina, que molda seu sentido, é que só Deus salva o homem, e ao fazer isso, Ele salva o homem de modo completo — de todos os pecados, passados, presentes e futuros, e por todo o tempo e eternidade. A extensão inteira das idéias erradas acerca da doutrina da segurança eterna do santo se baseia na ideia de que Deus e o homem cooperam na salvação. Que o homem consequentemente contribui algo para sua salvação, de modo que, se em algum momento depois que ele for salvo, ele cessar de contribuir sua parte, ele tem necessariamente de reverter à condição de perdido. Assim, há sempre um elemento de presunção nos que negam essa doutrina.

Mas as Escrituras representam o homem como totalmente incapaz de fazer alguma obra espiritual aceitável para se salvar. “Eu publicarei a tua justiça, e as tuas obras, que não te aproveitarão”. (Isaías 57:12) “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia”. (Isaías 64:6) “Mas quando apareceu a benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, para com os homens, Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo”. (Tito 3:4-5) Em contraste, Tito 3:8 declara: “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que crêem em Deus procurem aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens”. Obras feitas antes que alguém tenha crido para ser salvo não são proveitosas, mas obras feitas depois da salvação são proveitosas. Mas não proveitosas para a salvação, pois em nada contribuem para a nossa salvação, que já temos desde o momento que tivemos fé para ser salvos, mas são proveitosas para galardões, os “usos necessários” de Tito 3:14. A fé sempre marca o ponto no tempo em que alguém é salvo — nem onde ele começa a ser salvo, ou quando começa a se esforçar para obter salvação — e a própria fé não é uma virtude nem a capacidade humana, pois “a fé não é de todos” (2 Tessalonicenses 3:2), mas o dom gracioso de Deus a Seus eleitos (Tito 1:1; 2 Pedro 1:1). Para uma discussão mais completa, veja o Capítulo 9, sobre a “Fé”.

Só Cristo dá vida, e Ele a dá a todos os que o Pai Lhe deu na Aliança da Redenção. “Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. (João 17:2-3) Nessa passagem está uma limitação clara na obra salvadora de Jesus Cristo, e deve-se também notar que Ele dá vida eterna, Ele não apenas a oferece. Um oferecimento é o sentido que muitos querem aplicar nos textos que falam dEle dando vida eterna, mas isso é de perverter a verdade. A salvação é do Senhor — é totalmente do Senhor, e assim, qualquer deterioração ou fracasso suposto da salvação tem de ser a culpa do Senhor, mas, digo eu, quem será tão ousado e blasfemo a ponto de acusar o Senhor com isso?

Mas no sentido dessa doutrina também vem o fato de que Deus salva os homens de modo completo e eterno. Em muitos lugares menciona-se a salvação como Deus dando vida eterna aos homens. Como é que aquilo que é eterno pode terminar? Alguns desafiam isso como significando nada mais do que “a vida que dura apenas essa era”, mas as Escrituras só conhecem duas eras nesse contexto — a presente era, que é limitada, e a era futura que é infinita (Mateus 12:32; Efésios 1:21), em ambas das quais “mundo” é literalmente “era”. Em Lucas 18:30 a era futura é contrastada com “este presente tempo”. A presente “era” ou tempo é de duração limitada, mas a “era futura”, que é frequentemente chamada na língua original de “a era das eras”, não é em nenhum lugar limitada de forma alguma, mas em muitos lugares dá para se entender adequadamente como essa “era” é somente sem a contagem de tempo, de duração ilimitada, ou eternidade. De forma abençoada, é o termo usado para descrever a salvação do homem, mas como é que a salvação do homem poderia ser assim descrita se há a possibilidade constante de ela se perder ou ser terminada eventualmente? Com certeza seria uma eternidade ou era bem curta se tal pudesse ser o caso.

A extensão da salvação define o significado dessa doutrina, pois a salvação é: (1) De todo pecado. Note a palavra “todo” ou “tudo” como descrevendo os diferentes aspectos do pecado nos textos seguintes. “E de tudo o que, pela lei de Moisés [pelas boas obras], não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê”. (Atos 13:39) “E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas”. (Colossenses 2:13) “O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras”. (Tito 2:14) “Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado… Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça”. (1 João 1:7,9) Com o mesmo sentido é Atos 10:43, embora a palavra “todos” não se use acerca do pecado. “A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados pelo seu nome”. Já que não há limitação nos “pecados”, é óbvio que todos os pecados são englobados. Hebreus 9:22 prova isso. “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão”. Sendo esse o caso, então se algum dos pecados de um homem não é purificado pelo sangue de Cristo ele fica eternamente com esse pecado, pois não há nenhuma outra provisão para a remoção (remissão) dos pecados. Aqueles que sustentam uma expiação universal — isto é, que por Sua morte Cristo removeu todos os pecados, exceto o da descrença — bem fariam em ponderar esse dilema. Se Sua morte removeu “todos os pecados dos homens” sem exceção, então todos sem exceção serão salvos no final; mas se Ele removeu todos os pecados de todos os homens sem exceção, exceto o da descrença, então que provisão se faz para se remover esse pecado? Será que Jesus terá de morrer uma segunda vez para purificar esse pecado? Ou será que as obras do homem terão de expiar esse único pecado? Se assim for, então o homem é seu próprio salvador, e Jesus não fez mais por aqueles que são eternamente salvos do que por aqueles que são eternamente perdidos. Veja o capítulo 6, Seção 1, sobre a “Expiação”.

(2) A salvação é de todas as circunstâncias. O mesmo Deus que salva os homens é também Aquele que controla todas as circunstâncias, de modo que não há nada que possa separar a pessoa salva do amor de Deus (Romanos 8:35 39). Não há nenhuma circunstância que possa intervir a ponto de vencer a alma que confiou em Jesus, pois Ele continua sendo o nosso Supremo Sacerdote para sempre. “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”. (Hebreus 7:25) “Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados”. (Hebreus 10:14) “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; E estais perfeitos nele”. (Colossenses 2:9-10) É tanto presunção quanto blasfêmia para qualquer homem pensar que pode fazer acréscimos à perfeição divina do plano da salvação mediante suas próprias obras corruptas da sua autojustificação.

(3) A salvação é para todo o tempo. Em muitos lugares, Deus promete vida eterna aos crentes, e a palavra grega usada para esse termo é a palavra de tempo mais forte conhecida na língua grega. A grande tragédia é que os homens simplesmente não confiarão em Deus conforme a Sua Palavra. Eles escolhem em vez disso argumentar e debater o sentido, quando o problema real está na indisposição de eles aceitarem o que Deus diz.

Tanto a vida física quanto a vida espiritual são prometidas ao crente: “Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”. (João 6:40) “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão”. (João 10:28) Esse último versículo é a declaração mais forte na Bíblia sobre esse assunto, e apresenta uma segurança multiforme. A vida espiritual do povo do Senhor é um dom gratuito. Não é uma condição sobre algo que o homem faz. E como se isso não fosse o suficiente, o Senhor declara que eles jamais perecerão — no texto grego se usa uma negativa dupla para dar ênfase. Eles “jamais, nunca hão de perecer”, que é incorreto em inglês, mas perfeitamente adequado em grego (e em português). Não só há uma dupla negativa aí, mas o texto grego tem a frase a mais “para a eternidade”. Junto com essa afirmação vem a declaração de que ninguém poderá arrebatar da mão do Salvador. E no versículo seguinte, a força da mão do Pai é acrescentada à força da mão de Cristo. Então o versículo 30 mostra a unidade de propósito entre o Pai e o Filho para salvar os eleitos. À luz desses versículos é preciso ousadia diabólica para se ensinar que uma alma salva pode se perder. Se a salvação não é eterna, não é salvação, mas é simplesmente uma prorrogação momentânea de execução, um mero adiamento da pena de morte. Mas a Bíblia desconhece tal ultrajante imitação da salvação.

Esses versículos nos levam a considerar outro aspecto dessa doutrina, que molda seu sentido, isto é, que o poder de Deus sozinho explica o motivo por que o crente não cai dos seus exaltados posição e relacionamento. Quando se olha exclusivamente a partir do lado humano, não há apenas a possibilidade, mas há também a certeza absoluta de que alguém cairia da salvação se se exigisse algo do homem. Contudo, essa é uma perspectiva de um lado só que não inclui a integridade da doutrina correta. Quando se olha a partir do lado divino, não há a possibilidade de o santo chegar a perder sua salvação, pois o próprio Deus o sustenta. J. P. Boyce bem observa sobre Hebreus 6:4 6 que:

Alguns acham que essa passagem mostra a possibilidade de uma queda da graça. Portanto, é contrária à doutrina da perseverança dos santos. Admite-se que, considerando-se apenas em sua própria força, havia essa possibilidade de queda nas pessoas assim dirigidas. Mas a doutrina que estamos considerando não trata o crente como preservado e como perseverando apenas por si mesmo. Ele é assim guardado por Deus; não pelo própria poder do homem. — Abstract of Systematic Theology [Resumo da Teologia Sistemática], p. 433. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1887.

Temos dito que o Espírito Santo continua a santificar aqueles que ele regenerou. Em consequência disso, eles perseveram num rumo de obediência santa até o fim da vida. Quaisquer que sejam as batalhas que possa custar, e quaisquer que sejam os extravios da linha reta de dever que possam marcar seu rumo, eles são graciosamente preservados da apostasia total e definitiva. — J.L. Dagg, Manual of Theology [Manual de Teologia], p. 287. Sprinkle Publications Gano Books, Harrisonburg, VA., 22801, 1982.

Os textos seguintes mostram que a preservação dos santos está no Senhor, e não em si mesmo. “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”. (Filipenses 1:6) “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção”. (Efésios 4:30) “Por cuja causa padeço também isto, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia”. (2 Timóteo 1:12) “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé”. (Hebreus 12:2) “Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo”. (1 Pedro 1:4-5) “…aos chamados, santificados em Deus Pai, e conservados por Jesus Cristo”. (Judas 1:1) “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória, Ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora, e para todo o sempre. Amém”. (Judas 1:24-25)

Poderia-se acrescentar muitos outros textos mais que são igualmente claros e incontestáveis, mas essas passagens já dadas serão suficientes para convencer qualquer um que estiver disposto a aceitar o que a Bíblia ensina sobre esse assunto. No entanto, não deve-se considerar até mesmo o poder de Deus como uma mera força mecânica que guarda o santo num estado de graça. Sustentar tal perspectiva é perder outro lado importante dessa doutrina.

O poder de Deus na verdade sustenta o santo num estado de graça, mas Ele faz isso por intermédio do uso de meios, fazendo com que o santo seja um santo em ações, e não só em palavras. O modo de uma vida santo é a única prova que qualquer pessoa tem de que ela verdadeiramente nasceu de novo, conforme mostrou o próprio Salvador. “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (João 8:31-32) Esse é o teste final e decisivo do que um homem professa.

Nosso Senhor descreve neste momento uma das marcas de um genuíno discípulo Seu. A permanência na Sua Palavra não é uma condição de discipulado, em vez disso é a sua manifestação. É, entre outras coisas, aquilo que distingue um verdadeiro discípulo de alguém que meramente professa Cristo. Essas palavras de Cristo nos suprem uma prova segura. A marca manifestador do verdadeiro não é como um homem começa, mas como ele continua e termina. — A. W. Pink, Exposition of the Gospel of John [Exposição do Evangelho de João], Vol. II, pp. 37 38. Zondervan Publishing House, Grand Rapids, 1968.

Assim, temos de perceber que aquilo que as Escrituras ensinam em todas as suas partes, será a realidade na vida para o verdadeiro santo — uma luta constante com o mundo, a carne e o diabo. Haverá na verdade muitos problemas, uma perseguição e guerra constante, tanto dentro de nós mesmos quanto no mundo de fora, e o santo verdadeiro perseverará na guerra até ela termine e os vitoriosos sejam coroados. Haverá combates perdidos, mas a vitória final o Senhor já a determinou. Sim, de fato, a vitória já foi efetuada. O túmulo vazio é prova disso. É por isso que não devemos considerar como importantes nossas pequenas diferencias pessoais durante a grande guerra espiritual. Elas nada têm a ver com o resultado final, mas só servem para nos treinar e nos disciplinar na guerra cristã, e para nos ensinar quão pouco devemos confiar em nós mesmos. Ao mesmo tempo, nos ensinam a perseverar até o último esforço, e também a não colocar confiança nenhuma na carne, mas a confiar tudo ao Senhor e suas operações. Perseverar devemos, mas nossa perseverança não é a causa de nossa preservação. É só uma prova de que somos, ou seja, do caráter daqueles que o Senhor determinou preservar.

Aqueles que entendem que a doutrina da perseverança indica que o povo de Deus obterá a coroa sem a luta, equivocam-se completamente com a questão. A doutrina é, que o povo de Deus perseverará na luta; e supor que obterão a coroa sem tal perseverança contradiz a doutrina. É uma perversão desgraçada e fatal da doutrina, se os homens concluírem que, tendo se convertido, serão salvos, qualquer que seja como eles vivem a vida deles. — J.L. Dagg, Manual of Theology [Manual de Teologia], pp. 295 296. Sprinkle Publications Gano Books, Harrisonburg, VA., 22801, 1982.

Mas nessa doutrina há mais coisas envolvidas do que o poder de Deus manifesto, e a perseverança do santo na graça. Um dos princípios básicos envolvidos na salvação é que o crente é salvo por causa do relacionamento que ele sustenta com Deus, não por causa de alguma obra humana. É nesse ponto que tantos religiosos se extraviam: presumem que a vida ocorre por causa de boas obras, mas isso jamais é verdade sob circunstância alguma. A vida só pode se originar de vida ANTECEDENTE, que sem dúvida é uma das razões por que a salvação é mencionada como um nascimento. Mas como nenhuma pessoa pode desnascer, ou seja, voltar a ser bebê em gestação na barriga, assim a salvação jamais pode ser revertida. É verdade que na esfera da vida mortal, a morte sobrevém no curso natural dos eventos, mas isso não é o curso natural dos eventos na esfera espiritual, pois a salvação é mencionada como vida eterna. Assim, há duas e apenas duas possibilidades se uma pessoa que se diz cristão venha a se perder: ou ela jamais teve a vida que é eterna ou então ela a tem e assim não pode perdê-la, pois é eterna. Qualquer outra posição envolve uma contradição ou da palavra “ter” ou da palavra “eterno”.

Se os homens se tornam participantes da natureza divina no novo nascimento, conforme declara 2 Pedro 1:4 que realmente se tornam, então naturalmente dá para se concluir que há um relacionamento entre eles e Deus, e esse relacionamento entra nessa doutrina. Será que Deus pode morrer? Se não, então como podemos imaginar qualquer parte da natureza divina morrendo, de modo que seu participante se perca? A pessoa verdadeiramente nascida de novo não pode morrer espiritualmente, pois se conclui que o relacionamento que sustentamos com Deus por meio do novo nascimento garante a continuação da vida de Deus em nossas almas. Alguns talvez fariam a objeção de que não somos filhos naturais de Deus, mas somos apenas filhos adotados de Deus. Não é assim, e tal erro se baseia numa compreensão errada da doutrina da adoção. Veja o Capítulo 12 para conferir o ensino bíblico sobre a Adoção. É verdade que só Jesus Cristo é por Sua natureza original o Filho de Deus. Mas o crente, ao nascer de novo, é feito participante da natureza divina pela graça, e sustenta a relação de um filho com o Deus eterno, e assim deve sempre continuar nesse relacionamento.

Ainda há outros que preferem a razão em vez de aceitarem a decisividade da Palavra de Deus. Eles dizem: “Sem dúvida, Deus não toma de volta Seus dons, mas um homem pode jogá-los fora”. Onde há prova disso nas Escrituras?… O homem pode jogar fora sua vida física cometendo suicídio. Mas essa vida é mortal. Será que pode se cometer suicídio quando a vida é eterna? — J.F. Strombeck, Shall Never Perish [Jamais Perecerão], p. 46. American Bible Conference Association, Philadelphia, 1936.

Muitos rejeitam essa doutrina por causa do que supõem serão as consequências adversas de se sustentá-la, das quais a principal é que tal doutrina leva a uma vida imoral, ou então que promove orgulho e presunção enquanto impede o exercício da graça de Deus. Por causa disso, será agora necessário considerar:

III. A MOTIVAÇÃO DA DOUTRINA.

Com isso queremos dizer que temos a intenção de considerar essa doutrina a partir dos seguintes pontos de vista. Primeiro, a atitude do mundo para com essa doutrina. Segundo, o motivo por que Deus trabalhou tal programa de salvação. E finalmente, o que essa doutrina, quando compreendida de forma apropriada, realiza na vida do verdadeiro filho de Deus.

Do ponto de vista do mundo, essa doutrina geralmente motiva os não salvos a zombarem dela, pois o homem natural crê que tem autojustiça e autossuficiência até que a graça de Deus lhe ensine o contrário. E assim, de acordo com sua confiança natural nas obras e esforço humanos, ele ridiculariza tudo o que não está de acordo com suas obras para o sistema de salvação. Assim a doutrina manifesta a verdadeira natureza do homem se manifesta ao publico sua corrupção e rebelião inatas. A Lei de Deus faz com que o pecado se torne excessivamente pecaminoso (Romanos 7:13). O homem natural é como as águas de um rio lamacento, que, quando está calmo e tranquilo, como num copo, toda a lama vai para o fundo, onde não é vista, e a água pode parecer razoavelmente limpa. Mas basta agitar a água e sua lama horrível se manifesta totalmente. A agitação não torna a água suja de lama; só a manifesta.

A graça de Deus sendo a provisão infinita e imerecida para toda necessidade, é completa em si sem a adição de algo do homem. É só por causa de Sua graça que Deus pede que o homem viva na dependência dEle. A graça da parte de Deus e a dependência da parte do homem são inseparáveis. — J.F. Strombeck, Disciplined By Grace [Disciplinado pela Graça], p. 35. Moody Press, Chicago, 1946.

Qualquer doutrina que revele a depravação horrível do homem, e sua incapacidade de salvar a si mesmo e manter-se salvo, incita a inimizade do homem natural, pois remove toda base para ele confiar em sua suposta bondade natural, e machuca seu enorme orgulho. Nada é mais detestável para o homem natural do que a graça de Deus, pois não lhe deixa absolutamente nada em que se gloriar em si mesmo. Daí as declarações de Romanos 3:27; 1 Coríntios 1:29; Efésios 2:8 9. Os esforços de autoestima diariamente levam grandes multidões à perdição, pois as impedem de se humilharem debaixo da poderosa mão de Deus (1 Pedro 5:5 7), para que possam receber a bondade eterna da graça.

Muitas pessoas têm a ideia equivocada de que Deus jamais quer incomodar o homem de forma alguma por medo de que o homem se voltará contra Deus e se rebelará contra Ele, e assim, Deus fracassará em Sua tentativa de salvar o homem. Mas qualquer um tem apenas de ler os relatos das pregações e ensinos de Jesus para ver que Ele muitas vezes deliberadamente provocava antagonismo nos metidos aos santos e autossuficientes para que se revelasse o verdadeiro caráter deles, e para que eles fossem afastados de seu discipulado fingido a Ele. Nosso próprio Senhor disse: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. (Mateus 10:34) E Seu costume de afastar os autojustificados e os autossuficientes com Sua doutrina vem registrado em João 6:65-66. “E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido. Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele”. As palavras em destaque são literalmente “por causa disso”, e se refere às circunstâncias ou ensino. Jesus declarou que ninguém poderia contribuir para sua própria salvação, mas que cada um dependia totalmente da graça de Deus, que mostra que naquele dia como hoje o ensino da soberania do Senhor na graça afasta os arrogantes e os autossuficientes.

Portanto, não devemos nos surpreender se em nossa própria época o ensino da soberania do Senhor no início, continuação e consumação da salvação ofende muitos dos ouvintes, e ocasiona grande diminuição em suas fileiras. Muitas vezes esse é o propósito intencional, pois o Senhor não está interessado em números de qualquer jeito. Ele muitas vezes afasta o indivíduo que pegaria a coroa de glória da cabeça do Senhor e a colocaria na própria cabeça afirmando ter parte na própria salvação, ou na própria preservação da salvação.

Isso nos leva a considerar uma segunda motivação para essa doutrina. Deus faz tal promessa gloriosa de que Ele manterá o santo seguro de modo que a glória da salvação em todos os três tempos possa ser dEle. É no contexto da salvação que Isaías 42:8 é mencionado. “Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura [que inclui o próprio homem]” (Gênesis 1:26 27; 1 Coríntios 11:7). A glória tanto para o poder do Senhor quanto para Sua sabedoria está em jogo nessa questão, pois Ele se comprometeu a salvar Seu povo, não apenas mantê-los em segurança temporária, só para deixá-los se extraviarem e se perderem eternamente.

Seu poder os cerca como uma muralha de fogo, para ser a proteção deles e a destruição de seus inimigos (Zacarias 2:5). A própria onipotência é o escudo deles, e os guarda dia e noite (Isaías 27:3). Assim como a onipotência é sua guarda, assim também a onisciência é seu guia; a honra da divina sabedoria tendo envolvimento na preservação deles. Pois se uma alma regenerada, que foi resgatada da mão de Satanás, fosse finalmente cair e perecer para sempre, seria (segundo a argumentação) não por falta de poder em Deus para manter uma conquista, mas uma mudança de resolução; e assim não traria honra à sabedoria de seu primeiro desígnio… Neles há o compromisso da fidelidade divina, e há infinito poder para realizá-los. Para com tais promessas, que os cristãos exultem na ideia animadora dessas promessas! Essas promessas foram feitas por Aquele que não pode mentir; a essas promessas — é estupendo só de pensar! — ele anexou Seu juramento mais solene. — Abraham Booth, The Reign of Grace [O Reino da Graça], pp. 231 233. American Baptist Publication Society, Philadelphia, sem data.

Assim, quando o crente contempla a posição gloriosa que ele ocupa como filho de Deus — então ele é preservado de cair mediante a graça capacitadora de Deus. Longe de essa posição torná-lo orgulhoso, negligente ou autossuficiente, ele é levado a dobrar os joelhos em gratidão humilde pela certeza de que “aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”. (Filipenses 1:6) Qualquer pessoa que quiser abusar de tal graça e fazer dela ocasião para uma vida de pecado desenfreado revela não só que não é santa, mas realmente um diabo encarnado. Para tal pessoa, as Escrituras prometem perdição, não preservação.

Nosso Senhor não só prometeu preservar os verdadeiros santos para que Ele pudesse ser glorificado por Seu amor, sabedoria e poder, mas também porque esse é o único jeito pelo qual o homem pode com certeza ser salvo eternamente. Considerando-se a partir do ponto de vista humano, não há só a possibilidade de o santo se extraviar, mas há também a certeza absoluta desse extravio, a menos que Deus manifeste Seu poder de sustentação. Assim, essa doutrina motiva o santo a confiar diariamente no Senhor, e a não ter nenhuma confiança na carne em qualquer forma ou grau (Filipenses 3:3). Deus na verdade preserva o santo, mas Ele assim age mediante o uso de meios — guardando sua fé no exercício dela ativamente. Alvah Hovey diz:

A importância da evidência bíblica para a preservação e santificação de todos os crentes verdadeiros depende muito da perspectiva que se adota da relação de Deus com respeito à obra. Se for verdade que alguns são escolhidos para a vida eterna, e que eles são os mesmos que aqueles que são regenerados pelo Espírito de Deus, conclui-se que eles serão guardados pelo poder de Deus por meio da fé para a salvação; mas não se deve dar pouca atenção à cláusula de condição “por meio da fé”. As Escrituras não fornecem nenhuma evidência para a opinião de que os homens serão ou santificados ou salvos, sem fé em Cristo. Se eles são guardados, eles são guardados por manterem sua fé viva. — Manual of Systematic Theology [Manual de Teologia Sistemática], pp. 297 298. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1880.

Essa doutrina motiva os verdadeiros santos a viver em santidade pela simples razão de que a santidade é prova da salvação. É o fruto do novo nascimento, e o homem que não vive uma vida santa não está perdido por causa de uma vida sem santidade, mas em vez disso ele vive uma vida sem santidade porque ele jamais teve uma nova natureza concedida a ele que o capacitasse a viver em santidade. É um grande erro pensar que os homens são salvos por meio de vidas de santidade; vidas santas apenas provam que alguém foi salvo por Deus em Sua graça e misericórdia. Lamentavelmente, muitas vezes vêem-se, erradamente, as evidências como se fossem a causa.

Além do mais, a perseverança na santidade vem declarada nas Escrituras como uma prova de regeneração; isto é, aqueles que não perseveram nunca foram verdadeiramente regenerados. Jesus disse para alguns dos judeus em Jerusalém que haviam crido nele: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos”. (João 8:31) A semente plantada em corações cristãos vem declarada como “incorruptível” (1 Pedro 1:23), de modo que toda vez que aquilo que parece ser o resultado de regeneração se torna corrupto, isso prova de que a regeneração não foi real. É totalmente óbvio que o que é incorruptível não pode se corromper. — T.T. Eaton, in Baptist Doctrines [Doutrinas Batistas], editado por C. A. Jen¬kins, p. 586. C. R. Barns Publishing Company, St. Louis. 1890.

Devidamente entendida, essa doutrina move todo participante dela a agradecer incessantemente, pois mostra-nos que embora sejamos indignos, porém fomos feitos participantes da graça salvadora de Deus. E que embora tenhamos todos os elementos do fracasso e apostasia final em nós mesmos por natureza, porém nosso Senhor gracioso manifesta Sua graça capacitadora para sustentar nossa fé e santidade de modo que perseveraremos em caminhos certos até o fim da vida.

Existem duas maneiras de prevenir uma criança brincando do perigo de cair de uma precipício. O pai pode construir um muro para impedir o filho de cair, ou permitir o perigo, e desenvolver a vontade e domínio próprio do filho e assim capacitá-lo a evitar o perigo. O pai poderia permanecer perto para atender a uma emergência se necessário, porém ele poderia de tal maneira disciplinar o filho para que raramente ocorram emergências. O último jeito de agir é o método de Deus. Ele não constrói muros tanto quanto constrói disposições; embora ele construa muros onde são necessários por seu método mais elevado. — E.Y. Mullins, The Christian Religion in Its Doctrinal Expression [A Religião Cristã em Sua Expressão Doutrinária], p. 437. Judson Press, Philadelphia, 1932.

Levará uma eternidade inteira para Deus nos revelar tudo o que Ele realizou por Sua graça em nós. “Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. (Efésios 2:7)

CONCLUSÃO:

Os santos perseveram porque Deus os preserva, e não o oposto, como alguns tentariam fazer parecer, o que nada menos é do que a tentativa do homem de roubar de Deus a glória pela salvação, e assumi-la para si mesmo. Onde está a diferença nas duas perspectivas? A primeira glorifica a Deus como a fonte da salvação definitiva, e assim Aquele a quem toda a glória é devida, enquanto a última perspectiva glorifica a capacidade do homem, e assim ele toma para si o louvor que só a Deus pertence.

A doutrina da perseverança, ou preservação dos santos, é como a doutrina da eleição, bem facilmente suscetível de ser pervertida; mas, compreendida de forma correta, pode ser uma fonte de grande consolo e poder — um incentivo à gratidão, um motivo para sacrifício pessoal e uma coluna de fogo na hora do perigo. — Alvah Hovey, Manual of Systematic Theology [Manual de Teologia Sistemática], p. 299. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1880.

 

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