A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

Seção 4 – Deuteronômio 8.2

"E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os Seus mandamentos ou não."

Dizem que é evidente nesta e em outras passagens das Escrituras, que o estado do homem neste mundo, é um estado probatório ou de provação. Será apropriado, portanto, fazer as seguintes averiguações:

I. O que é este estado probatório ou qual é o significado dele?

1. Esse estado de provações não é das graças do homem, como: fé, paciência, etc., pelas dispensações aflitivas da Providência; porque os homens em geral não estão em tal estado, 1á que todos eles não têm a graça para serem provados; nem o estado de cada homem é aflitivo nesta vida: Esse é um estado peculiar ao povo de Deus somente quando ele é convertido, porque antes da conversão, ele não tem graças para ser provado; e com alguns deles, este estado é muito curto, muito longe de ser um estado do homem enquanto vive nesse mundo; e ainda, como será visto depois, a prova deste estado probatório depende em grande parte das passagens das Escrituras que relatam o exercício da graça pelos santos por aflições, tentações, etc.

2. Este estado de provações, se eu o entendo bem, é o da obediência e conduta do homem a Deus durante a sua vida; de acordo com qual conduta e comportamento Deus age para com ele. tanto neste quanto no outro mundo. O estado em relação à felicidade ou miséria ainda não é determinado, por isso, enquanto ele durar, ele não serve como garantia para afirmar que o homem será salvo ou perdido.

II. Que prova é dada do estado do homem neste mundo, sendo tal estado de provação?

1. São citadas todas as Escrituras que falam que se Deus provasse os filhos de Israel no deserto e na sua própria terra, eles andariam nos Seus estatutos e guardariam os Seus mandamentos ou não; como Êxodo 16.4, Êxodo 20.20; Deuteronômio 8.2 e 13.3; Juízes 2.21, 22, e 3.1, 4. Deve ser observado que estas pessoas estavam sob uma teocracia, ou o governo imediato de Deus como seu Rei, Quem lhes deu leis, de acordo com as quais deveriam agir; as quais eles prontamente prometeram uma obediência alegre e universal; na condição de qual obediência, eles deveriam gozar e continuar gozando da terra de Canaã. Por isso, antes de entrar nela e quando a adentraram, agradou a Deus provar-lhes, ora de uma forma, ora de outra forma, para ver se eles renderiam aquela obediência aos mandamentos, que Ele requeria, e se permaneceriam ou não pelas promessas que eles mesmos tinham feito. Tudo o que Ele fez, não foi por Sua própria causa, pois conhece todas as coisas, mas para que a obediência deles ou desobediência pudesse ser manifestada, e Ele justificado em todos os Seus feitos com eles. Esta prova da obediência do seu povo não foi para que eles obtivessem salvação em outro mundo, mas para o seu bem temporário neste mundo; pois aqueles que foram salvos eternamente, foram salvos não pela sua obediência aos mandamentos de Deus, mas pela graça do Senhor Jesus Cristo. Além disso, as Escrituras produzidas falam apenas do povo de Israel e qual foi o seu estado e caso como um corpo político, sob o governo imediato de Deus, durante certo tempo; e não de toda a humanidade; e, portanto, fica bem longe de provar o estado do homem neste mundo. Este é apenas um estado probatório como descrito antes.

2. Tenta-se comprovar em todas as instâncias, nas quais dizem que Deus prova homens, suas obras e graças, por aflições, perseguições, tentações e coisas semelhantes; como I Coríntios 3.13; II Coríntios 3. 2; I Pedro 1.7, e 4.12; Tiago 1.3; Apocalipse 2.10 e 3.10; Salmos 66.10; Daniel 11.35 e 12.10; Zacarias 13.9. Em resposta à primeira pergunta, o que eu disse é suficiente para responder aquilo alegado a respeito destas passagens; 1á que estas falam apenas dos santos, e da provação da graça deles, que têm somente graça a ser provada, e isto não para assegurar ou consertar a sua salvação; nem são estas provações meros ensaios da verdade e constância da sua graça, mas também são designadas para levar adiante o exercício e aumento dela; o resultado que é para o seu próprio bem espiritual, e a glória de Deus. Portanto, segue que estas escrituras são provas insuficientes de que todos os homens estão em estado probatório para alegria ou miséria eterna.

3. Dizem que isso é evidente em todas as promessas e ameaças nas Escrituras, para comprometer todos os homens a arrependerem-se e tornarem-se a Deus; portanto, é acrescentado que nem tal coisa pode ser oferecida a eles que já estão em um estado fixo, ou de miséria ou alegria. Para o qual eu respondo que as promessas e ameaças registradas nas Escrituras,relacionadas ao bem espiritual e eterno dos homens, podem ser reduzidas e compreendidas nestas palavras, Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado; que era o cerne do ministério evangélico que os apóstolos tiveram para cumprir por comissão de Cristo, e que pode ser exercido inteira e completamente, supondo um estado fixo de gozo ou miséria; 1á que tal ministério poderia ser e é usado pela graça de Deus para trazer aqueles destinados ao gozo, para dentro do estado da graça digno dos mesmos; e a deixar que os outros descubram mais a corrupção e depravação da sua natureza e assim justifiquem os procedimentos justos de Deus contra eles, ficando desse modo, inescusáveis.

4. O conceito de que o homem está em estado probatório é argumentado em todas as exortações das Sagradas Escrituras para os homens vigiarem e orarem, para não entrarem ou serem conduzidos à tentação, e em tais escrituras que supõem que o homem este1a em perigo de cair em tentação; as passagens referidas são: Mateus 6.13 e Mateus 26.41; Lucas 8.13; I Tessalonicenses 3.5; que só se dirigem aos salvos, ou àqueles que professam ser, e não toda a humanidade. Além do mais, se Deus tem colocado todos os homens num estado probatório, e isso determinado por tentação, como alguém vigiaria ou oraria para não cair em tentação? Ademais, este estado probatório ou é bom, ou ruím; se é bom, porque os homens deveriam vigiar e orar contra ele? Se ruím, pode-se supor razoavelmente que Deus colocou os homens nele para efetuar o seu bem eterno? E, portanto, porque deve ser contendido?

5. Dizem que isso é evidente nas tentações de Satanás, que anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; e é acrescentado com que propósito, ele tenta ou tenta destruir os eleitos, ou empenha-se para impedir o progresso do evangelho, ou a conversão de qualquer homem; quando se supõe um estado fixo pelos decretos de Deus, e uma operação irresistível e divina nos corações dos homens, ele deve saber que a sua obra com certeza será em vão? Para a qual eu respondo que Satanás não tem em seu poder o livro da vida; nem sabe quem são ou não os eleitos de Deus, até que isso apareça pela operação irresistível nos corações dos homens, e pode ser que nem ainda nesta hora. Desse modo, não é surpreendente que ele tente, esforce-se e empenhe-se para impedir o sucesso do Evangelho na conversão, e para destruir os eleitos, quando ele sabe quem são, tenta angustiá-los pelas suas tentações, mesmo não podendo destruí-los; e em dez mil instâncias mostrará a sua malícia, quando não pode mostrar o seu poder. Além disso, o texto referido em I Pedro 5.8, carrega o sentido de um estado fixo; quando supõe que há alguns que Satanás possa tragar, e deixa clara a intimação que há outros que ele não é permitido e não pode devorar, pois são as ovelhas de Cristo e estando nas mãos dEle, nem homem nem diabo podem arrebatá-las. Isso é o resumo das provas em favor desta noção, por um escritor célebre, mas devido ao grau da relevância, ele precisa ser considerado por outros.

III. Que razão temos para concluir que o estado do homem neste mundo não é tal estado probatório?

1. Ambos os anjos e homens já estiveram em estado probatório, no qual o seu livre-arbítrio e poder de obedecer aos mandamentos de Deus foram suficientemente provados. Ficando assim constatado, que tal provação trouxe a queda e destruição de um grande número de anjos e de toda a raça humana: e, portanto, não é razoável supor que Deus colocaria o homem em tal estado novamente; mas antes providenciar outro meio para o bem daqueles que Ele intentou trazer ao gozo eterno.

2. Se os homens estivessem em estado probatório, eles deveriam estar em estado igual, gozando os mesmos privilégios e vantagens . Embora esse não seja o caso, alguns têm apenas a luz fraca e a lei fraca da natureza, enquanto outros gozam da revelação do Evangelho; e destes alguns têm mais e outros têm menos, dos meios de graça, luz e conhecimento; alguns têm a graça de Deus derramada sobre eles; outros não a têm. Agora se todos os homens estivessem em estado probatório como é argumentado, é razoável supor que teria tanta desigualdade entre eles?

3. Este estado probatório, que faz a salvação precária e incerta, é contrário à presciência de Deus e decreto da eleição; porque Deus, de acordo com a sua presciência, tem escolhido e predestinado certo número de homens para a vida eterna e salvação, o estado destes é fixo, e a sua salvação é certa, pois o propósito de Deus quanto à eleição permanecerá firme. ...Para que o propósito de Deu, s segundo a eleição, ficasse firme. (Romanos 9.11) Porque os que dantes conheceu, também os predestinou; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Romanos 8.29-30).

4. Esta noção coloca a salvação dos homens na própria obediência e obras, ao contrário das Escrituras, dos méritos de Cristo, e da graça de Deus. Ela atribui mais ao livre-arbítrio do homem do que a livre graça de Deus e coloca a fundação para jactância na criatura, isto é, dá liberdade ao homem gabar-se da sua própria salvação.

5. Tal estado probatório é contrário a todas as Escrituras que representam os santos que agora estão num estado salvo e têm a vida eterna; tais como: Efésios 2.8, João 5.24, e João 6.47.

Em uma palavra, ela destrói a doutrina da segurança e deixa os próprios santos numa das condições mais desconfortáveis, pois os deixa na condição mais precária, incerta e, na verdade, perigosa.

Rodapé

1 Whitby, p. 305, 314; ed. 2. 297, 306.

2 Whitby, p. 305, 314; ed. 2. 297, 306.

3 Whitby, p. 306; ed. 2. 298.

4 Whitby, p. 306; ed. 2. 298.

5 Whitby, p. 306; ed. 2. 298.

6 Whitby, p. 307; ed. 2. 299.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Benjamin G.Gardner, 04/2014
Revisão: Charity D. Gardner e Calvin G Gardner, 05/2004
Revisão gramatical: Erci Nascimento, 08/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br