A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

Seção 9—Salmo 145:9

“O Senhor é bom para todos, e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras.”

As doutrinas da eleição, reprovação e redenção particular são representadas como contrárias à misericórdia geral e a bondade de Deus expressas nesta passagem. Tendo em vista estas doutrinas, certo autor vem a perguntar: [1] “Por que é dito que as suas misericórdias são sobre todas as suas obras, se tais misericórdias são negadas às suas mais nobres criaturas?” E é observado por outro [2] que não deve ser dito que as suas misericórdias são sobre todas as suas obras e sim: “as suas crueldades são sobre todas as suas obras." A estes eu respondo:

I. Que as referidas doutrinas não restringem as misericórdias de Deus de uma forma providencial à todas as Suas criaturas, este sendo o sentido deste texto como será mostrado a seguir: Não, nem mesmo os não-eleitos, ou aqueles que não têm participação na graça e favor especial de Deus, e que não estejam eventualmente salvos são excluidos da misericórdia referenciada aqui. Apesar disso, estes não devem ser considerados as mais nobres criaturas de Deus [3], pois certamente, estes não são mais nobres que os eleitos de Deus, ou aqueles que são salvos eternamente nem são mais nobres que os anjos que permaneceram e nunca deixaram o principado em que foram criados. Admitindo também que estas doutrinas carregam em si idéias de crueldade e de falta de compaixão em Deus para aqueles que são rejeitados por Ele, e excluídos da redenção por Cristo; não deveria, no entanto, ser concluído a partir disto que as crueldades de Deus são presentes em todas as suas obras uma vez que, de acordo com a natureza destas doutrinas, Deus escolhe apenas algumas de suas criaturas para a vida eterna e redime-as pelo sangue de Cristo, e com certeza, elas serão eternamente salvas.

II. As referidas doutrinas não expressam a crueldade de Deus para com a humanidade, nem são incoerentes com a Sua bondade e misericórdia. Também não representam Deus como sendo menos bom ou misericordioso como as doutrinas da eleição condicional e redenção universal fazem. Não, as doutrinas bíblicas da eleição incondicional e da redenção particular mostram um Deus muito mais misericordioso que o Deus das doutrinas da eleição e redenção condicional, pois revelam a salvação de alguns. Estas outras doutrinas revelam a salvação de todos os homens de forma precária e incerta, se não, impossível, pois a salvação está assim dependente da vontade mutável da criatura.

III. Estas palavras devem ser entendidas não como se referissem às misericórdias especiais, ou aos beneficios salvadores, concedidos por Deus à algumas das suas criaturas, mas devem ser entendidas como referentes à sua bondade providencial que se estende a todas as suas criaturas, até mesmo as do mundo animal. Enfim, tanto os seres irracionais quanto racionais. Isto se vê nos versículos 15 e 16 em comparação com o Salmo 147:8, 9, que não têm nenhuma preocupação com a eleição e a redenção. Tanto que, se estas palavras fossem assim entendidas como sendo relacionadas às bênçãos da salvação espiritual e eterna, tal entendimento provaria ser muito mais do que os nossos oponentes desejam. Afinal, tal interpretação exigiria que até tais bênçãos e todas as obras de Deus fossem fornecidas e estendidas até para as criaturas irracionais, de todo tipo e espécie. Portanto,

IV. as referidas doutrinas não são repugnantes para estas expressões universais da bondade e da misericórdia de Deus. Afinal, os não-eleitos, e os que não têm nenhum benefício salvador por intermédio da morte de Cristo, têm uma participação na bondade providencial e tenras misericórdias de Deus que faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz chover sobre os justos e sobre os injustos, e é bom para com os ingratos e os maus. Muitas vezes, o pior dentre os homens tem a maior parte das coisas boas deste mundo; os seus olhos estão inchados de gordura e eles têm mais do que o coração poderia desejar. Suas misericórdias temporais são muitas vezes maiores do que as desfrutadas pelos filhos amados de Deus; e, portanto, eles não têm nada em comum com os brutos que perecem. [4] Deus cuida mais deles que dos bois, ou das aves do céu, de maneira providencial; mesmo eles desprezando as riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade; não sabendo que a bondade de Deus leva-os ao arrependimento; mas depois de sua dureza e coração impenitente, entesouram para si mesmos ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus.

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ANOTAÇÕES:

[1] Whitby, p. 159; ed. 2, 155.a

[2] Curcellae Relig. Christ. Inst. 1. 6, e. 6, seção 8, p. 370.

[3] Whitby, pp. 159, 177; ed. 2. 155, 173.

[4] Vid. Whitby, p. 159; ed. 2. 155

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Benjamin G.Gardner 05/2014
Revisão: Charity D. Gardner e Calvin G Gardner, 05/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 08/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br