A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

Seção 19-Ezequiel 18:24.

“Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá.”

Esta escritura está posta na frente daquelas que são [1] ditas "expressamente afirmar a possibilidade que os verdadeiros crentes e penitentes, homens verdadeiramente justos e retos, podem cair de sua justiça e morrer em sua iniquidade." Contudo,

1. o homem, aqui mencionado, não é verdadeiramente um justo e reto; visto que ele é denominado justo por sua própria justiça na qual ele confiava e da qual ele é suposto desviar-se. Que seja notado que ninguém é verdadeiramente, e num sentido evangélico, justo por sua própria justiça; apenas os que são feitos assim pela obediência de Cristo; e estes nunca devem, nem podem desviar-se desta justiça, que se trata da justiça de Deus. Ela é eterna e é descoberta de fé em fé; eles nem cometem o pecado, isto é, fazem do pecado um negócio, vivem no curso dele; muito menos fazem conforme todas as abominações que faz o ímpio; nem pode ser dito deles que todas as justiças que tiverem feito não se fará memória, desde que elas durem para sempre; e eles, por conta disto, estarão em memória eterna. Eles também nunca podem morrer no sentido Arminiano da frase aqui usada, pois eles estão justificados de todos os seus pecados pela justiça de Cristo e, portanto, não devem morrer neles, eles vivem pela fé nisto e nunca morrerão a segunda morte; existe mais virtude na justiça de Cristo para justificá-los, do que existe em todos os seus pecados para condená-los; a sua justificação e glorificação estão inseparavelmente ligadas entre si. Além disso, Deus está comprometido com eles por Seu tão imenso Amor, Cuidado e Poder exercidos para com eles, que é impossível que eles devam perecer eternamente.

O homem aqui concebido é aquele que parece exteriormente justo aos homens, que se imagina ser assim; confiando na sua justiça (Ezequiel 33:13); conclui que o que ele sofreu foi devido ao pecado de seu pai, e não a qualquer iniquidade própria, e, por isso, queixa-se de injustiça em Deus. A loucura desse homem, a vaidosa opinião de si mesmo e noções injustas da providência de Deus estão completa e justamente expostas neste capítulo. A justiça da qual ele é denominado justo, é a sua própria, e não a de outro, e a que ele mesmo tem feito, e não a que Cristo fez por ele: uma mera justiça moral, composta de um tipo de santidade negativa, e umas poucas externas práticas morais, como aparece nos versículos 5-9; um homem pode se desviar de tal justiça, cometer iniquidade, pecar e morrer; mas então isto não é prova alguma ou exemplo da apostasia dos santos, os verdadeiros crentes e penitentes, homens verdadeiramente justos e retos.

De fato é dito [2] "que o homem justo do qual se fala aqui, é verdadeiramente um justo, pois ele é aquele que não peca, não comete iniquidade e não se desvia da sua justiça; aquele que anda nos estatutos de Deus e guarda os seus juízos, sim, que anda nos estatutos da vid, e não vive praticando iniquidade; e, portanto, seguramente é aquele, que é justo de verdade interiormente; e não apenas exteriormente na profissão." Ao qual eu respondo: “Os textos referidos a Ezequiel 33:12, 13 e 8:9, 17,19, não constam nenhuma destas coisas sobre o homem justo; mas pelo contrário, supondo que ele pode pecar, cometer injustiça e desviar-se de sua justiça; de fato, não existe um homem justo, aquele que realmente é assim, que vive e não peca; nem qualquer homem é justo aos olhos de Deus em virtude de sua santidade interior ou de seu caminhar exterior; além disso, o mesmo autor contradiz a si mesmo na próxima página [3], quando ele diz: "O homem justo, que se desvia de sua justiça, é aquele que comete a iniquidade e faz conforme todas as abominações que faz o ímpio; e, portanto, deve ser aquele a quem pertence à porção do ímpio, que é a morte eterna." É contestado ainda [4] do Dr. Prideaux, que “se ele (o homem justo) apenas se desviar da sua falsa e hipócrita justiça, ele não deveria antes viver do que morrer; na medida em que ele tiraria o presumido lobo, para colocar o presumido cordeiro”?" Que será plenamente respondida ao observar a horrível gafe e o miserável engano que um teólogo fez, e o outro que se deixou levar por ele; pois o desvio não é de uma justiça falsificada e hipócrita para uma real; mas de uma mera externa justiça moral, que teve nela alguma aparência e grau de obediência, para um vida aberta ao pecado, vergonhoso e abominável, que está tão longe de tirar o lobo e colocar o cordeiro, mas é apenas o verdadeiro inverso disto, é vestir a pele do cordeiro ou das ovelhas, nas quais ele apareceu justo, para mostrar o lobo que ele realmente é; e, consequentemente o tal deveria antes morrer do que viver.

2. A morte ameaçada ao homem justo que se transforma de sua justiça, não é uma morte eterna, ou a morte da alma e do corpo no inferno; desde que esta morte estava então sobre ele, o que ele se queixava, imaginando que viera sobre ele por causa dos pecados de seus pais; e, além disso, eles poderiam ter sido recuperados dela pelo arrependimento e reforma. Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Deus; não desejo antes que se converta dos seus caminhos e viva? Porque não tenho prazer na morte do que morre, convertei-vos, pois, e vivei (Ezequiel 18:13); tudo disso não pode ser dito de uma morte eterna; morrer em sua iniquidade, é o mesmo que morrer por sua iniquidade, como ela é interpretada no versículo 26, e esboça alguma calamidade temporal severa ou aflição; que é, muitas vezes nas Escrituras, chamada de morte (Êxodo 10:17, 2 Coríntios 1:10; 11:23); tal como o cativeiro, no qual os judeus então estavam, do qual eles estavam queixando-se que era devido aos seus pecados, e do qual eles eram capazes de ser recuperados. "Dizem que esta resposta [5], contradiz as expressas palavras do profeta cerca de vinte vezes”, embora, nenhuma única instância dela é dada. Por isso,

3. mesmo admitindo que o homem verdadeiramente justo e reto é aqui mencionado, não existe nenhuma prova de que haja uma possibilidade de ele desviar-se de sua justiça e pecado ao ponto de a estar finalmente perdido e morrer; mas apenas, ao ponto de ser aflito ou de sofrer numa calamidade geral. Além disso, as palavras são entregues de forma condicional, sendo para ser lidas assim: Se desviar-se o justo da sua justiça. Agora suppositio nil ponet in esse, uma suposição não faz nada a ser, não é prova ou exemplo da questão de fato. Mas isto se diz [6] ser uma fuga por um refúgio para um mero engano; as palavras no original não sendo ‘si, mas beshub, , no dia em que ele desviar-se da sua justiça." Para o que eu respondo: ”A palavra bwvb beshub pode ser interpretada, se ele se converter, como é pela Vulgata Latina e Pagnine [7] aqui e por nossos tradutores em Ezequiel 33:19, de acordo com as formas de expressão em outros lugares; como Salmo 46:2, Portanto não temeremos xra rymtb, e ainda que, ou ‘se’ a terra se mude, syrh jwmbw e ainda que ou ‘se’ os montes se transportem para o meio dos mares. Nem a versão Grega da Septuaginta lê as palavras, , no dia que ele afastar-se, mas , voltando, ou quando ele voltar. Adicionar a isto, que uma forma condicional não é apenas representada por se, mas por quando. E enquanto pode ser dito, como é, que tal forma de palavras supõe alguma coisa em possibilidade, embora nada sendo, como faz na conversão de um homem ímpio de sua maldade; contrário ao isto, será permitido que existe uma possibilidade da queda de um homem verdadeiramente justo, se ele foi entregue a si mesmo e não mantido pelo poder e graça de Deus; e, portanto, tal suposição como esta pode ser concebida e usada como um meio de mostrar ao justo sua fraqueza, torná-lo cauteloso no seu andar e levá-lo inteiramente a confiar e depender da ajuda e assistência Superior, e esta assim consequentemente ser o meio de sua perseverança final.

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Remonstr, em Coll. Hag. art. 5. pág. 14; Sínodo lei. pág. 218; Limborch. 1. 5, c. Seita, 81 1, pág. 705; Whitby, pág. 401, ed. 2. 390.

[2] Whitby, pág. 402, ed. 2. 3.

[3] Ibid. pág. 403; ed. 2. 392.

[4] Ibid. pág. 402; ed. 2. 391.

[5] Whitby, pág. 402; ed. 2. 391.

[6] Whitby, pág. 403; ed. 2. 392.

[7] Mesmo assim Vorstius lê as palavras e argumenta a partir delas por um decreto condicional em Deus. Amic. Collat. cum Piscator, seita 4, pág. 10.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Hiralte Fontoura 08/2012
Revisão:Calvin G Gardner, 06/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 08/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br