A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

Seção 38 - 1 Coríntios 10:12

“Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia.”

É observado [1] que o apóstolo fala aqui para toda a igreja em Corinto, e principalmente àqueles que verdadeiramente pensavam estar de pé; e claramente supôs que aquele que realmente estava de pé, podia cair e faria isso, se ele não usasse de grande diligência para manter sua posição; pois não tinha sido este olhe a condição da posição deles; se eles tivessem sido do número daqueles que, pelo decreto de Deus ou promessa, infalivelmente, estavam garantidos de ficar de pé, esta exortação para tomar cuidado, deveria ter sido desnecessária; já que os homens não necessitam de qualquer admoestação para fazer com que o decreto e a promessa de Deus os guardem, pois eles não podem omiti-los; muito menos fazê-los para evitar o que possivelmente não pode suceder-lhes. Ao qual eu respondo:

1. O apóstolo não fala essas palavras a toda a Igreja em Corinto, pois embora a epístola seja, em geral, direcionada a igreja, contudo existem várias coisas que tão somente ó dizem respeito a algumas pessoas em particular: como a pessoa incestuosa; a tal que foi a juízo com seus irmãos perante os incrédulos; algumas que se comportaram desordenadamente na mesa do Senhor, e outras que negaram a ressurreição dos mortos, e para quem algumas coisas particulares são faladas, que não pertencem a toda a Igreja. Aqui o apóstolo exorta, não aos que verdadeiramente pensavam estar de pé, pois esses estão de pé na graça de Deus, em Cristo, e pela fé, e nunca final e totalmente cairão, mas aqueles, que parecem a si mesmo e aos outros, estar em pé; e manifestamente inclui esses tais que foram inchados com vã opinião de si mesmos, de seu conhecimento e da sua própria força, tentavam a Deus e confiavam em si mesmos, como a versão Etíope o lê, e desprezavam os crentes fracos: agora, note bem: estes podem cair, como eles sempre fazem, daquilo que eles pareciam estar, das verdades do Evangelho e da profissão dele, e caem também em pecados escandalosos e finalmente, em condenação. Deve ser perguntado, por que o apóstolo se preocupa com estas pessoas ou exorta-as para que não caiam? Não teria sido melhor se elas tivessem jogado fora a máscara de uma vez e mostrado o que realmente eram? Eu respondo que a apostasia de professos formais é prejudicial tanto para a honra quanto para o interesse da verdadeira religião; pois os caminhos de Deus são mal falados, o nome de Cristo blasfemado, pecadores profanos endurecidos, e crentes fracos tropeçam pelas quedas dos professos formais, como se estivessem seguindo verdadeiros Cristãos: além disso, deve ser pior para eles mesmos, sua falha sendo o meio de uma punição mais severa: porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado (II Pedro 2:21).

2. Supondo que os tais que verdadeiramente ensinados são mencionados; será aceito que estes possam cair em tentação, em armadilhas, em pecado, de um grau de firmeza no Evangelho, de um exercício vívido e confortável da graça, mas não final, total e irrevogavelmente; já que eles estão colocados nos braços de amor eterno, guardados nas mãos de Cristo, construídos sobre uma fundação que nunca ruirá, e mantidos por um poder onipotente, que nunca pode ser vencido: e embora devam olhar para não cair, não da condição de sua posição, pois essa é garantida a eles pelo propósito e promessa de Deus, que nunca pode falhar; contudo tal exortação não é desnecessária; visto que eles não podem final e totalmente cair, eles podem cair para a desonra de Deus, a reprovação do Evangelho de Cristo, para o entristecimento do Espírito ao ferir suas próprias almas. Embora eles nunca possam cair para perecer eternamente, as razões e argumentos, pelos quais eles devem cuidar para não cair, são muitos e fortíssimos, por exemplo: para os crentes fracos não tropeçarem, e para que as mãos dos ímpios não sejam fortalecidas. Portanto, as admoestações não são desnecessárias para a segurança do decreto e da promessa de Deus; pois estes cuidados são muitas vezes os meios pelo qual Deus executa Seu decreto e cumpre retamente a Sua promessa; veja Atos 27:22, 24,31. Nada mais a acrescentar, estas palavras nunca deveriam ser usadas contra a perseverança final dos santos, uma vez que elas estão intimamente ligadas com o verso seguinte, que expressa tão plenamente essa doutrina: não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar (I Coríntios 10:31). Desta forma, podemos julgar da natureza, designo e uso de advertências dadas aos santos para não cair, que são representadas [2] como evidências e suposições que eles podem fazer assim; tais como:

O cuidado que Cristo deu a todos os seus discípulos, com estas palavras: olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, etc. (Lucas 21:34, 36). Que implica apenas, que os apóstolos, como os outros homens, estavam sujeitos a enfermidades, pecados, armadilhas e tentações: e, portanto, cuidado, zelo sério e oração, foram lhes incumbidos, para que eles não fossem achados descuidados, negligentes ou de alguma forma sonolentos quando, não no dia do julgamento final, mas no dia que traria a destruição de Jerusalém que estava para chegar. Assim eles poderiam escapar da calamidade geral, e estar de pé diante do Filho do homem, e levar o seu Evangelho para o mundo dos Gentios. Essa não foi uma prova alguma da possibilidade ou perigo de sua queda final; esses que foram escolhidos por Cristo, dados a Ele por Seu Pai, e assim mantidos por Ele, para que nenhum deles fosse perdido, senão o filho da perdição.

Quando o autor da Epístola aos Hebreus adverte os crentes aos quais ele escreve, vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo e caia do descanso prometido; e tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus (Hebreus 3:12; 4:01, 12:15), seu propósito é expor o pecado da incredulidade, como aquilo que roubou tristemente os santos de muito conforto, e Deus de muita glória; cada grau descente sendo um parcial, embora não um desvio total de Deus, e, portanto, deve ser visto com cuidado. E deve ser observado, que Ele não os adverte para ter cuidado que eles não caíam do descanso a eles prometido, mas para que não pareça que algum de vós fique para trás; o que eles podiam fazer, e ainda gozar dela. E quando Ele os exorta, a ter cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus; isto não deve ser entendido como a graça e o favor de Deus para com eles, nem como a graça de Deus neles, mas como as doutrinas da graça que eles tinham recebido; os deveres ordenaram-lhes a ser recíprocos, em que eles estavam, fazendo o papel de um bispo ou supervisor uns sobre os outros.

Quando o apóstolo Paulo adverte aos Colossenses, para ter cuidado, para que ninguém os enganasse com palavras persuasivas, fazendo-os presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, e dominando-os a seu bel-prazer (Colossenses 2:4, 8,18), ele não propõe uma sedução final e total deles de Cristo seu cabeça, em Quem eles estavam completos, versículo 10; não a destruição da graça neles, mas uma corrupção da doutrina da graça recebida por eles; que pode ser inconscientemente introduzida por falsos mestres, sob os pretextos capciosos de humildade e santidade.

Quando o apóstolo Pedro exorta aqueles a quem ele escreveu, para guardai-vos que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza (2 Pedro 3:17), seu significado é: desde que não existisse perigo ou uma possibilidade de cair da fé igualmente preciosa que eles alcançaram: mas que eles podiam estar em perigo de cair por graus de pouco em pouco da firmeza na doutrina da fé, por meio dos erros ludibriantes dos homens ímpios; e, portanto, devem guardar-se dele.

E finalmente, quando o apóstolo João diz para os filhos da senhora eleita: Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganhado, antes recebamos o inteiro galardão (II João 1:8), isto não quer dizer, que os tais que têm a verdadeira graça de Deus, possam perder todas as coisas que tiver ganhado; pois isto não é o que vós, mas o que nós temos feito, muito menos perder o que o Espírito de Deus tem feito; mas o cuidado em relação às doutrinas e ao ministério dos apóstolos, para que não fosse em vão em algum aspecto, ou que um véu desenrolasse sobre a glória dela, por meio dessas pessoas de qualquer maneira dado atenção a doutrinas de enganadores (vv. 7,9,10).

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Whitby, págs. 428, 429; ed. 2. 417, 418.

[2] Whitby, págs. 429, 430; ed. 2. 418, 419.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Hiralte Fontoura 09/2012
Revisão: Calvin G Gardner, 06/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 09/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br