A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

SEÇÃO 54 - 2 PEDRO 2:1

“E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição.”

Essa passagem da Escritura é muitas vezes produzida como uma prova tanto da apostasia definitiva e total dos santos como da redenção universal; ou que, além daqueles que são salvos, Cristo morreu também para os que perecem. Dr. Whitby menciona as várias respostas que os diferentes homens dão a essas palavras: Um diz que Cristo comprou essas pessoas apenas para serem escravas; outro, que Ele morreu para resgatá-las das punições temporais, mas não das punições eternas; um terceiro, que Ele morreu por elas porque Ele pagou um preço suficiente por elas; um quarto, que elas negaram o Senhor a quem elas afirmavam tê-las comprado; e um quinto, que elas negaram que Ele as tinha comprado no julgamento de outros homens, isto é, outros homens foram condenados no lugar delas. Ele observa que essas respostas são tão extravagantes, que é tão fácil refutar quanto recitá-las.

1. Eu não me encontro preocupado em defender qualquer um desses sentidos do texto mencionado, a julgar que nenhum deles deem o significado das palavras, e assim não tem nada a ver com os raciocínios usados na refutação deles: embora, talvez, os dois últimos não sejam tão extravagantes como apresentados. No entanto, a fim de dar o verdadeiro sentido do presente texto, que seja observado: 2. Cristo não é mencionado aqui de nenhuma maneira. Nem existe uma sílaba sequer sobre a Sua morte feita por quaisquer pessoas mencionadas, seja qual for o sentido. A palavra ‘despoths’, Senhor, não designa Cristo, mas Deus, o Pai de Cristo. Os únicos usos além dessa passagem onde esta palavra é usada, quando aplicada a uma pessoa Divina, são Lucas 2:29, Atos 4:24, 2 Timóteo 2:21, Judas 1:4, Apocalipse 6:10, versículos nos quais Deus, o Pai está claramente designado, e na maioria desses versículos, está manifestamente claro que eles não apontam a Cristo; nem existe nesse texto ou contexto algo que nos obrigue a compreender que ele se refere ao Filho de Deus. Isso não deve levar-nos a pensar em qualquer diminuição da glória de Cristo, já que a palavra ‘despoths’ é devidamente expressiva apenas desse poder que os mestres têm sobre seus servos; enquanto que a palavra ‘kúrios’, usada sempre que Cristo é chamado de Senhor, significa o domínio e autoridade que os príncipes têm sobre seus súditos. Além disso, Cristo é chamado Rei dos reis, e Senhor dos senhores, e o único poderoso Senhor; sim, Deus sobre todos, bendito para sempre. Além disso,

3. quando essas pessoas são mencionadas como sendo compradas, o significado não é que elas foram redimidas pelo sangue de Cristo, pois, como é observado anteriormente, Cristo não está designado. Além disso, sempre que a redenção por Cristo é tratada, o preço é geralmente mencionado, ou alguma circunstância ou outra que totalmente alude a Ele, ver Atos 20:28; 1 Coríntios 6:20; Efésios 1:7; 1 Pedro 1:18-19; Apocalipse 5:9 e 14:3-4, enquanto o nosso texto não dá o menor indício de qualquer coisa desse tipo. Adicione a isso, que os que são redimidos por Cristo, nunca são levados a negá-Lo a ponto de perecer eternamente. Se eles pudessem perder-se ou trazer sobre si mesmos repentina destruição, a compra deles por Cristo seria em vão e não serviria para nada o preço pago pelo resgate. Contudo,

4. a palavra comprar se refere à libertação temporal, e em particular à redenção do povo de Israel do Egito, que por isso são chamados o povo que o SENHOR adquiriu. A frase é emprestada de

Deuteronômio 32:6, Recompensais assim ao SENHOR, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai que te adquiriu, te fez e te estabeleceu? Nem esse é o único lugar que o apóstolo Pedro se refere nesse capítulo, ver versículos 12 e 13, comparados com Deuteronômio 32:5. Agora, as pessoas a quem o apóstolo escreve, eram judias, os estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bithyna, um povo que, em todas as épocas, valorizaram a si mesmos e gabaram-se extremamente de serem os adquiridos, povo adquirido do Senhor. Portanto, Pedro usa muito essa frase da mesma forma como Moisés tinha feito antes dele, ou seja, para agravar a ingratidão e a impiedade desses falsos mestres entre os judeus. Eles devem negar tais mestres, se não em palavras, pelo menos em obras, que o poderoso Jeová, Quem desde os tempos antigos redimiu seus pais do Egito, com um braço estendido, e, em sucessivas épocas, tinha os distinguido com favores peculiares; sendo homens ímpios, que convertem em dissolução a graça, a doutrina da graça de Deus, em dissolução. Assim,

5. nada pode ser concluído a partir dessa passagem em favor da morte de Cristo por aqueles que perecem; uma vez que nem Cristo, nem a Sua morte, nem a redenção por Seu sangue são aqui mencionados sequer uma vez, nem houve, no mínimo, a intenção de mencioná-los. Nem se pode pensar nessas palavras como prova e exemplo da apostasia definitiva e total dos verdadeiros santos, já que não existe nada dito sobre esses falsos mestres que dê qualquer razão para acreditar que eles eram verdadeiros crentes em Cristo, ou que alguma vez tiveram a graça do Espírito operada em suas almas.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Hiralte Fontoura 09/2012
Revisão: Calvin G Gardner, 06/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 09/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br