A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

SEÇÃO 57 - 1 JOÃO 2:2

“E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.”

Um argumento muito considerável para o alcance universal da morte de Cristo é pensado surgir dessa passagem da Escritura, bem como de todos aqueles que representam Cristo como o Salvador do mundo; e é observado que considerando que essas Escrituras são todas, exceto uma, escritas por João, o sentido que o mundo carrega no Evangelho de João e nas epístolas deve ser considerado, dentro do possível, como a importação apropriada da palavra, onde ela nunca significa apenas os eleitos, em oposição aos ímpios do mundo, mas o ímpio do mundo em oposição ao Cristão fiel. Ao que eu respondo:

I. Haveria alguma validade nessa observação se a palavra mundo sempre fosse usada num único sentido uniforme e constante nos escritos do apóstolo João, mas os escritos de João admitem uma grande variedade de sentidos, e, portanto, o sentido da palavra mundo num único lugar não pode ser a regra para a interpretação dela em outro, que só pode ser recebida como o texto ou o contexto determinar: às vezes significa todo o universo de seres criados, João 1:10; a terra habitável, João 16:28; os habitantes dela, João 1:10; as pessoas não convertidas, ambas eleitas e réprobas, João 15:19; a parte pior do mundo, os ímpios, João 17:9; a parte melhor, os eleitos, João 1:29, e João 6:33, 51; um número de pessoas, e um pequeno número em comparação com o resto da humanidade, João 12:19; num lugar ela é usada três vezes, e em muitos sentidos, João 1:10; Ele, Cristo, estava no mundo, a terra habitável, e o mundo, todo o universo, foi feito por ele, os habitantes da terra não o conheceram, que não deve ser entendido de todos eles, pois existiam alguns habitantes da terra, embora poucos que O conheciam: e eu me atrevo a afirmar que a palavra mundo é sempre usada nos escritos do apóstolo João, num sentido restrito e limitado, para alguns apenas, a menos que ela conceba todo o universo, ou a terra habitável, sentidos que estão fora de questão, pois ninguém dirá que Cristo morreu pelo sol, a lua e as estrelas, pelos peixes, aves, feras, paus e pedras; e que nunca é usada para significar cada indivíduo da humanidade que estava, está ou estará no mundo; em qual sentido ela deve ser provada que é usada, se qualquer argumento pode ser concluído a partir dela em favor da redenção geral.

II. É muito bem manifesto que a palavra mundo, usada pelo apóstolo João, quando ele fala de redenção e salvação por Cristo, é sempre usada num sentido limitado e restrito e significa algumas pessoas apenas; não todos os indivíduos da natureza humana, como aparecerá a partir da consideração das várias passagens seguintes, como quando o Batista diz: Eis o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo! João 1:29. Não se pode entender como mundo cada indivíduo da humanidade; pois não é verdade e nem fato que Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus tira o pecado ou pecados de todos os homens, um por um, já que existem alguns destes que morrem em seus pecados, cujos: pecados são manifestos, precedendo o juízo, e alguns manifestam-se depois, pelos quais eles serão justa e eternamente condenados; o que nunca poderia acontecer se Cristo tivesse tirado o pecado deles. Se for dito, como ela é, que o Batista fala isso em alusão aos cordeiros oferecidos diariamente pelo pecado de toda a nação judaica; e, portanto, sugere, que assim como eles eram oferecidos para expiar os pecados de toda a nação, assim foi o Cordeiro de Deus oferecido para expiar os pecados de todo o mundo em geral. Eu respondo que como os cordeiros oferecidos diariamente eram tipos de Cristo, o Cordeiro de Deus, também as pessoas, para quem eles foram oferecidos, eram tipos, e não de todo o mundo em geral, mas do verdadeiro Israel e da igreja de Deus, por quem Cristo entregou-se a si mesmo num sacrifício expiatório, e cujos pecados que Ele também tira de forma que eles não serão mais vistos.

Quando nosso Senhor diz que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna, (João 3:16), - pelo mundo Ele não pode significar cada filho e filha de Adão; pois este mundo é representado como o objeto do amor de Deus, até mesmo de Seu amor especial, que nem todos os homens são, portanto, aqueles por quem Deus tem dado seu filho unigênito, não é verdade de toda a humanidade; mas dos que são levados a acreditar em Cristo, por consequência do amor de Deus e do dom de seu Filho, herdando assim a vida eterna. Contudo, os outros que não receberão o dom fé jamais poderão fazer parte dos que nunca perecerão. Eles irão para o castigo eterno e sofrerão a segunda morte. A semelhança da serpente de bronze, levantada para a preservação dos judeus, é insuficiente para provar a redenção de toda a humanidade: nem é suposto, deste mundo, tão amado por Deus, que alguns não acreditariam, e, portanto pereceriam; e que os outros seriam salvos; pois a frase aquele que crê, não aponta a uma divisão de pessoas diferentes, mas uma distinção das mesmas pessoas; que, no seu estado não convertido, não acreditam, mas, por meio do poder da graça divina, são levadas a crer em Cristo para a vida e salvação; e assim aponta o caminho no qual eles estão assegurados de não perecer e ter a vida eterna. Pela morte de Cristo não incluir todos do mundo inteiro, não será a condenação dos infiéis entre os Pagãos que não acreditavam em Cristo, mas a sua condenação vem das suas transgressões da lei da natureza; nem dos judeus incrédulos não são condenados por eles não acreditarem que Cristo morreu por eles, mas porque eles não acreditam que Ele é o Messias: nem essas palavras de João 3.16, tomadas no sentido universal, ampliam mais o amor de Deus do que quando tomadas num sentido mais contido; já que de acordo com este esquema geral, os homens podem ser os objetos do amor de Deus, e têm todo o interesse no dom de seu Filho, e ainda finalmente perecem e são destituídos da vida eterna. As palavras do verso seguinte (João 3:17; João 12:47), e, que estão em outro lugar, da mesma maneira, expressam que Cristo veio ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo, são concebidas para apontar os diferentes fins da primeira e da segunda vinda de Cristo. Mais uma vez,

quando os Samaritanos declararam sua crença em Cristo, que Ele era o Salvador do mundo; (João 4:43; 1João 4:14), e o apóstolo João diz que vimos e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo; por o mundo, não pode ser intencionado a todo homem e mulher que estava, está ou estará no mundo, já que todos não serão salvos; e Cristo não pode ser o Salvador além daqueles que são salvos. Além disso, se Ele fosse o Salvador do mundo nesse sentido universal, Ele deveria ser o Salvador, tanto de crentes quanto não crentes, ao contrário de suas próprias palavras; Quem crer e for batizado, será salvo; mas quem não crer será condenado (Marcos 16:16). Além disso,

quando Cristo diz: O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo; (João 6:33) nada mais pode ser concebido pelo o mundo do que a quem este Pão de Deus dá a vida. Agora é certo, que a vida espiritual aqui e a vida eterna a seguir não são dadas a todos os homens, e, portanto, todos os homens não podem ser destinados aqui; apenas os que são vivificados pelo Espírito de Deus, e, por isso, gozarão a vida eterna; e esses são o mundo, pela vida que Cristo prometeu dar a sua carne, neste mesmo capítulo (João 6:51). Agora a partir da consideração de todas essas passagens, parecerá fraco, destoado e inconclusivo o argumento tirado dessas passagens em favor da redenção universal. Contudo,

III. pode-se dizer, se o mundo não inclui cada indivíduo nele, contudo certamente a frase, todo o mundo, deve: e quando o amado discípulo diz: E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 João 2:2); essas, suas palavras, não admitirão um sentido restrito, mas devem se estender a todos os homens. Ao que eu respondo:

1. A frase, todo o mundo, é, frequentemente, usada pelos judeus num sentido limitado e contido; como quando eles relatam, “Isso aconteceu com certo sumo sacerdote, que quando saiu do santuário, aml[ylwk, todo o mundo foi atrás dele;” que só poderia conceber a multidão no templo; e onde é dito, “aml[ylwk, todo o mundo deixou o Misnah e foram após o Gemara;” que no máximo só pode intencionar os judeus, e talvez apenas a maioria de seus doutores; e em outro lugar, aml[ylwk, todo o mundo caiu sobre os seus rostos; mas Raf não caiu sobre o seu rosto;” onde ele significa nada mais do que a congregação. Uma vez mais, é dito: “Quando R. Sirecon Ben Gamaliel entrou, isto é, na sinagoga, aml[ylwp, todo o mundo, ou seja, toda a sinagoga se levantou diante dele.” Tais frases como estas ygylp al aml[ylwk, a frase ‘todo o mundo’ não faz dissidência; ydwm aml[ ylwk, todo o mundo confessa; e yrbs aml[ylwk, todo o mundo são da opinião, são frequentemente encontrados com no Talmud; pelo qual é concebido um acordo entre os Rabinos em certos pontos; melhor dizendo, às vezes entre dois doutores apenas são indicados por amy[ylwk, todo o mundo. 2. Essa frase na Escritura, a menos que signifique todo o universo, ou a terra habitável, é sempre usada num sentido limitado e restrito; um decreto saiu que todo o mundo deve ser tributado; o que não era outro senão o império Romano, e os tais países como foram sujeitos a ele. A fé da igreja em Roma, foi mencionada ao longo de todo o mundo, isto é, em todas as igrejas, e entre todos os santos do mundo. É dito que todo o mundo está a tornar-se culpado diante de Deus pela lei; o que pode ser dito de nada mais dos que estavam sob aquela lei, e então, não verdadeira de toda a humanidade; que, apesar de todos sendo culpados pela lei da natureza, contudo não pela lei de Moisés. O apóstolo conta aos Colossenses, que o evangelho está em todo o mundo, e já vai frutificando; que, pode significar apenas os santos reais e os crentes verdadeiros, nos quais apenas é produzido fruto. Uma hora de tentação é mencionada, que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra; não pode ser outro além dos quais estarão vivos, e não pode ser pensado incluir todos os indivíduos que estiveram no mundo. Toda a terra se maravilhou após a besta; mas ainda havia alguns que não receberam sua marca, nem a adoraram. Satanás engana todo o mundo; e, contudo é certo, que os eleitos não podem ser enganados por ele. Todo o mundo será ajuntado para a batalha, naquele grande dia do Deus Todo-Poderoso; que são distintos dos santos, a quem eles se opõem. (Lucas 2:1; Romanos 1:8 e 3:19; Colossenses 1:6; Apocalipse 3:10, e Apocalipse 12:9, 13:3).

3. Esta frase, nos escritos do apóstolo João, é usada num sentido contido e não se estende a todos os indivíduos da natureza humana, que estava, está ou estará no mundo, como deve ser provado que ela significa, para concluir um argumento dela em favor da redenção universal. Agora, ela é usada em só um lugar além do texto sob consideração, quando se concebe os homens, em todas os seus escritos, e que está em 1 João 5:19. E sabemos que somos de Deus, e todo o mundo está no maligno; onde todo o mundo pertence ao maligno, é manifestamente distinto dos santos, que são de Deus e não pertencem ao mundo; e consequentemente, todo o mundo não deve ser entendido de todos os indivíduos contidos nele. E é fácil observar a semelhante distinção no texto diante de nós; pois os pecados de todo o mundo são opostos aos nossos pecados, os pecados do apóstolo, e outros aos quais ele se ajuntou, que, portanto, não pertencia a, nem eram parte de todo o mundo, por cujos pecados Cristo foi uma propiciação, como foi pelos deles. Que todo o mundo, para quem Cristo é uma propiciação, não pode intencionar cada homem e mulher que, estavam, estão ou estarão no mundo, aparece de Cristo ser a propiciação deles; por cujos pecados ele é uma propiciação, seus pecados, são expiados e perdoados, e a pessoa deles justificada de todo pecado, e assim certamente será glorificada; o que não é verdade de todo o mundo, tomado no amplo sentido que é argumentado. Além disso, Cristo é proposto para propiciação pela fé no seu sangue. (Romanos 3:25). O benefício do seu sacrifício propiciatório só é recebido e apreciado por meio da fé; de modo que no evento, parece que Cristo é a propiciação apenas para os crentes, personagens que não estão de acordo com toda a humanidade. Adicione a isso, que por quem Cristo é uma propiciação, Ele também é um advogado, versículo 1, mas Ele não é um advogado para cada indivíduo no mundo; sim, existe um mundo pelo qual Ele não orará, e consequentemente, nem por este é para Ele ser a propiciação. Uma vez mais, o propósito do apóstolo nessas palavras, é confortar seus filhinhos, que podem cair em pecado devido à fraqueza e negligência, com a advocacia e o sacrifício propiciatório de Cristo; mas que conforto produziria a uma mente angustiada ao ser informada que Cristo era uma propiciação, não apenas para os pecados dos apóstolos, e outros santos, mas pelos pecados de cada indivíduo no mundo até mesmo daqueles que estão no inferno? Não seria natural para as pessoas, em tais circunstâncias, argumentar contra si mesmas em vez de ir a favor; e concluir que, na medida em que as pessoas podem ser condenadas, apesar do sacrifício propiciatório de Cristo, que este pode e seria o seu caso? Contudo,

4. para uma melhor compreensão do sentido do texto, deve ser observado que o apóstolo João era um judeu e escreve aos judeus, como o próprio Dr. Whitby observa, e eles principalmente, se não totalmente, foram distinguidos dos gentios, comumente chamados de o mundo: agora, diz o apóstolo: ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, os pecados de nós, judeus, mas também pelos de todo o mundo, os gentios. Nada é mais comum nos escritos judaicos, do que chamar os gentios aml[, o mundo; e µlw[ lk, todo o mundo; e µlw[j twmwa, as nações do mundo; portanto, o apóstolo Paulo os chama ‘kósmos’, o mundo, em Romanos 11:12, 15. Foi uma controvérsia agitada entre os doutores judeus, que quando o Messias viria, os gentios, o mundo, deveria ter qualquer benefício por Ele; a maioria foi excessivamente grande sobre o negativo da questão, e eles determinaram que não deveriam; apenas alguns poucos, como o velho Simeão e outros, sabia que Ele deveria ser uma luz para iluminar as nações, e para glória de teu povo Israel. O restante concluiu que os julgamentos mais severos e calamidades terríveis cairiam sobre eles; sim, que eles devem ser lançados no inferno no lugar dos Israelitas. A essa noção João, o Batista, Cristo e seus apóstolos, propositadamente, opor-se-iam, e é a verdadeira razão do uso desta frase nas Escrituras que falam da redenção de Cristo. Assim João o Batista, quando ele apontou o Messias para os judeus, representando-o como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, os gentios, bem como os judeus; pois pelo sangue deste Cordeiro, compraste para Deus homens de toda a tribo e língua e povo e nação. Quando nosso Senhor estava conversando com Nicodemos, um de seus Rabinos, Ele permitiu que ele soubesse que Deus amou o mundo de tal maneira, os gentios, contrário às suas noções rabínicas, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele dos que nEle crê não pereça, como eles concluíram que cada um deles deveria; mas tenha a vida eterna: e que Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, os gentios, como eles imaginavam, mas para que o mundo fosse salvo por Ele. Quando os samaritanos acreditaram em Cristo, eles declararam-nO como o Salvador do mundo, os gentios, e assim de si mesmos, que eram contados pelos judeus como Pagãos; Cristo estabelece a Si mesmo como o pão da vida, preferível ao maná, entre outras coisas, de sua extensa virtude para o mundo, os gentios: e aqui o apóstolo João diz que Cristo não era apenas a propiciação pelos pecados dos judeus, mas pelos pecados de todo o mundo, os gentios (João 1:29, e João 3:16, 17, João 4:42, João 6:33; 1 João 2:2). Isso me coloca na mente uma passagem que eu encontrei no Talmud, Um ditado do Rabi Jochanan,”Nós”, diz ele, “twmwal lsw[h, para as nações do mundo, que estamos perdidos, e não sabemos que estamos perdidos; enquanto o santuário estava de pé, o altar expiado, ou foi uma propiciação por elas; mas agora quem será uma propiciação para elas?” Bendito seja Deus, nós sabemos quem é a Propiciação por nós, as nações do mundo, um que foi tipificado pelo altar, e é maior do que este, sim, o Senhor Jesus Cristo.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Hiralte Fontoura 09/2012
Revisão: Calvin G Gardner, 07/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 10/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br