Cap 08

UM CASO DE IDENTIDADE PERDIDA

Dr. W. C. Taylor

Capítulo VIII

Em Luc. 22:38 e Mar. 7:3,4 nosso autor pede que os batistas “não se agastem”, pois ele se diz jubiloso em achar, no original grego das duas passagens, baptizo (batizar) em uma e rantizo (aspergir) em outra, no que ele julga serem referencias paralelas à mesma cerimônia. Aliás, seria uma importante descoberta, e ao nosso irmão da Igreja Independente dos Maçons, todos os presbiterianos, maçons e antimaçônicos ficariam eternamente gratos por estabelecer tão cobiçada identidade. Notemos os dizeres do autor:

“S. Marcos, porém, em seu capítulo 7:3,4, explica a cerimônia judaica a que Lucas se refere e deixa evidente que o batismo antes das comidas não era um banho de imersão, mas uma simples lavagem de mãos.” (p. 61).

Em contestar – seja-me perdoada a ofensa de dissipar o júbilo do notável descobridor; ele não se agaste – em contestar, digo, a afirmação citada, aduzo as seguintes considerações:

1). Os eventos não são os mesmos; logo, o que Lucas diz não trata do que Marcos diz. Os Evangelhos aqui não tem paralelo entre Lucas e Marcos. Mateus e Marcos dão a discussão de Jesus com os críticos de seus discípulos estes não lavavam as mãos segundo as tradições dos anciãos. Este evento se deu na Galiléia, antes da Confissão de Pedro, antes da Transfiguração e é resposta de Jesus a uma censura, não de sua pessoa, mas de seus discípulos.

A passagem em Lucas, porém, se deu durante o chamado ministério na Peréia, depois da Grande Confissão de Pedro, depois da Transfiguração, depois da chamada dos setenta, depois do regresso destes, perto do fim da vida de Jesus, talvez numa das viagens que Jesus fez à Judéia nesta parte de sua vida.

As duas passagens tratam de lugares diferentes, hospedeiros diferentes, hóspedes diferentes, censuras diferentes, censurados diferentes, assuntos diferentes e épocas diferentes do ministério de Jesus. Tudo que nosso irmão aqui identifica, a bíblia distingue, separa e torna incapaz de confusão, a não ser por uma imperdoável falta de atenção ou pela cegueira dos preconceitos de uma idéia fixa. Portanto, console-se nosso irmão. Os batistas nada vêem aqui que lhes provoque agastamento!

2). Todo esse vasto júbilo aspersionista deduz sua certeza de uma lição incerta. Os antigos textos de A D E F G H L ? et al, com Orígenes, apoiado por Tischendorf e A. T. Robertson, tem em Marcos 7:4 baptizo que mesmo Westcott e Hort dão na margem, o que estes editores do N. T. grego nunca fizeram a não ser que haja realmente forte possibilidade de dúvida. Apenas dois antigos manuscritos favorecem rantizo. O Dr. A. T. Robertson, na sua obra sobre criticismo textual, diz: “baptiswntai e rantiswntai não são usados como equivalentes”. Mas nosso irmão quis logo possuir-se do júbilo de uma certeza duvidosa.

3). As circunstâncias dos dois eventos não são paralelas. Jesus, no incidente de Lucas 11, é convidado para uma refeição com um fariseu. (No de Mar. 7, os críticos, com a liberdade oriental, espiaram uma refeição dos apóstolos). O fariseu convidou Jesus para almoçar, mas sobre o tempo desta refeição não há certeza. O termo (ariston) é usado a respeito da primeira refeição do dia, às horas em que nós tomamos café, e também a respeito do lunch, do almoço, e aparentemente, em Mat. 22:4, 13, de um jantar, à noite. Mas seu uso normal, se bem que não único, se refere a uma refeição da manhã que corresponde ao “pequeno almoço”, a primeira refeição do dia, e não à do meio-dia. Suponhamos que o termo aqui tenha seu uso mais comum. Há violência à Escritura nesta hipótese?

Há, de vez em quando, um dia na vida de nosso Senhor que enche capítulos sucessivos do Novo Testamento. Este dia do pequeno almoço (breakfast em inglês) é um de tais dias.

Antes de um dia tão notável, Jesus teria passado ou a noite inteira ou a madrugada a orar “em certo lugar”. A narrativa começa mencionando esta oração dele e os discípulos lhe pedem uma lição em orar. Talvez o viessem buscar cedo. A multidão o acha também e há milagres a fazer, demônios a expulsar, erros a corrigir e inimigos astutos e amargurados a enfrentar e refutar. 11:19 diz: “Como afluíssem as multidões, começou a dizer...” Falou poucas sentenças e então “um fariseu convidou-o para almoçar com ele.” Jesus aceita. Os apóstolos não são convivas. Talvez já tivessem almoçado e ficaram tomando conta da multidão. Jesus, sem ter comido coisa alguma, depois de lutar em oração, lutar com demônios e com homens mais ferozes e hostis do que os demônios, reclinou-se logo em seu lugar na sala de refeições, sem tomar banho, pois a multidão o esperava e ele queria acabar logo a refeição. Então, o fariseu se admirou de que Jesus não se mergulhasse, no banheiro ao seu dispor, refrigerando o corpo com as águas amplas que os judeus proviam. (Vede, como na casa pobre em Caná onde Jesus operou seu primeiro milagre, havia para este fim seis talhas, com a capacidade total de 360 para 540 litros de água. Isto dava para um banho de mergulho, não é? Nosso irmão nunca esteve mais redondamente enganando do que em supor que os judeus não tinham água, em qualquer casa, para imersão.)

Ora, o irmão presbiteriano acha que Jesus não lavou as mãos? Nisto, ele afirma mais contra Jesus do que seu inimigo fariseu, que não o acusa disto, e não é necessário supor isto. O fariseu admirou-se de que Jesus não tomasse tempo para o prazer e descanso de um banho para continuar a árdua tarefa de um dia cheio e duro. Mas Jesus quis comer, e voltar ao povo. E, no resto deste capítulo, todo o capítulo 12 e parte do capítulo 13, nós vemos que tremenda luta, com todas as forças astutas da terra e do inferno, ainda o aguardava.

Esta análise dos eventos do dia não é infalível nem se apresenta em espírito dogmático, mas é possível e acho-a provável. Neste caso, nem é estranhável que o hospedeiro esperasse que num dia quente e poeirento, no último verão de vida de Jesus, este se mergulhasse na água ao seu dispor, numa casa aristocrática de amplo conforto, antes da primeira refeição do dia.

Portanto, o fariseu não acusa Jesus por comer sem lavar as mãos. Logo, ninguém tem razão em acusa-lo por isto.

Não há, por conseguinte, nenhum absurdo em um homem ser suposto a mergulhar-se num banho agradável num dia de verão antes de qualquer refeição, como não há mal em ele deixar de faze-lo se tiver motivo, como Jesus teve.

Eis o catita que o monte presbiteriano paulistano deu à luz!

4). Mas nosso irmão queria tirar dois baldes de satisfação desse poço seco. Quer achar em Marc. 7:3, 4, nos próprios verbos da passagem que nipto, ranizw e baptizo são sinônimos. (Há livros eruditos aí, escritos por pedobatistas ilustres. Porque não citou um que desse os três como sinônimos? É porque ninguém que tenha erudição alguma se arriscaria à tamanha ousadia sectária!)

Já notei (em 2), que este fundamento de pedra e cal é sobreposto em uma camada de areia movediça, porque a lição é incerta. Deixemos, porém, ao irmão a escolha da lição que, porventura, quiser. Qual o argumento esmagador, tão calculado a agastar os batistas? Ei-lo:

Eis o texto de Marcos: “Os fariseus e todos os judeus, conservando a tradição dos antigos, não comem sem lavar (nipto) as mãos muitas vezes, e, quando voltam do mercado, não comem sem se aspergir (rantizo) e muitas outras coisas há que receberam e guardam, como a lavagem (baptismo) de copos, jarros e vasos de metal...” Marcos, na passagem citada, emprega o substantivo (da mesma radical que baptizo) para indicar uma cerimônia que tinha o mesmo fim da que descreve pelos verbos nipto e rantizo.

Já acedemos ao pedido cortes do zombador dos batistas, e não nos agastamos em contemplar o júbilo de um teólogo tão otimista, nem vamos ficar impacientes no exame dos fatos. A passagem na sua inteireza é: oi gar farisaioi kai pantev oi ioudaioi ean mh pukna niqwntai tav ceirav ouk esyiousin kratountev thn paradosin twn presbuterwn kai apo agorav ean mh baptiswntai ouk esyiousin kai alla polla estin a parelabon kratein baptismouv pothriwn kai xestwn kai calkiwn.

A tradução citada por nosso irmão peca em verter presbuterwn por “antigos”. Não se trata aqui das antigas provisões da Lei cerimonial, mas das relativamente novas tradições dos presbiterianos dos judeus firmadas séculos depois da Lei.

Também pugmh significa o punho, e, assim usado adverbialmente, cuidadosamente, como quando alguém com força lava uma das mãos com a outra até ao antebraço. Não significa “muitas vezes”.

nipaw é o verbo que significa lavar uma parte do corpo, não o corpo todo. Nunca este verbo é usado em referência, mesmo remota, a batismo. O verbo usado a respeito do batismo como lavagem do banho figurado é (louo), o qual, em contra distinção de nipto, se refere ao corpo inteiro. A aspersão, como a ação contemplada em nipto, se aplica a uma parte do corpo – ordinariamente é umas gotas de água na testa. A imersão lava, num só ato, o corpo inteiro, e assim, quando Ananias disse a Paulo (Atos 22:16): “levanta-te, recebe o batismo e lava os teus pecados”, ele usou apolousai - tanto baptisai como apolousai são verbos na voz média e assim são reflexivos, “batiza-te e lava-te”- que significa ainda mais do que o simples louw - lava-te de modo que estejas separada (apo) dos teus pecados. O batismo de Paulo tocou o corpo inteiro, e Ananias mostrou isto em usar lous em lugar de niptw, que ele teria de usar se a água caísse apenas em um aparte do corpo. Assim a lavagem de I Cor. 6:11. E a Ep. aos Heb. nos exorta (10:22): “Cheguemo-nos com coração sincero, em plena certeza da fé – (é sempre batismo de crente que Deus exige, irmão) – tendo os nossos corações purificados de uma consciência má e lavados os nossos corpos com água pura.” “Purificados” traduz rerantismnoi - aspergidos, quanto aos corações , o símbolo do Velho Testamento em referência à regeneração; mas “lavados traduz lelousmenoi, lavados em toda parte do corpo – o símbolo do novo Testamento em referência ao batismo, que é sempre de crentes e deve seguir depois da regeneração.”

Quando Jesus mandou o cego lavar-se em Siloé, ele disse nifai e o homem entendeu que tinha de lavar apenas os olhos, que Jesus untara com lodo. Mas se ele tivesse dito lousai, o homem teria sido obrigado a lavar o corpo todo, embora isso pasmasse todos os presbiterianos do mundo. Contudo, não se agastem. Jesus disse uifai - lava uma parte – os olhos, naturalmente, neste caso. Pilatos apenifato as mãos (Mat. 27:24). Mas a porca lavada”, de II Ped. 2:22, fôra lousamenh (era um incrédulo imerso sob a profissão de uma fé que não sentia. Seu batismo foi exteriormente correto, pois era do corpo inteiro, mas não tinha a regeneração pela fé como antecedente; portanto, a carreira terminou no lamaçal, como era de esperar).

Jesus começou a niptien os pés dos Doze. Pedro protestou. Jesus disse que se não o lavasse – emprega o verbo em foco; a idéia é membro por membro – não teria Simão parte com ele. Jesus cuida da purificação repetida dos seus. “Então Pedro disse: Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça.” Ainda fala em membros do corpo. De outra forma, ele teria de mudar de verbo. E Jesus imediatamente mudou o verbo. O lel oumenos ouk ecei crain ei mh tous pous niyasqai all estin kaqaros olos. Isto é , quem já banhou o corpo todo antes de ir à festa pascal teria de lavar apenas os pés, da poeira da viagem. Assim, Cristo nos lava totalmente na regeneração, e isto nós professamos no batismo (a imersão do corpo todo) e, no resto da vida cristã, Jesus nos dá apenas as parciais purificações da poeira da nossa peregrinação terrestre.

Mas nem niptw quer dizer aspergir. A própria bacia era chamada nipthra. E pés lavados nesta nipthra seriam imersos nela, embora o termo não queria dizer imergir. O contexto determina como nipto deve ser entendido.

Aqui vemos a mais estupenda rata do livrinho sobre “Controvérsia Batista”. Seu exm. autor diz:

Reclamam, porém, os batistas que, quando lavamos as mãos, elas são mergulhadas na água... A isto respondemos que esta explicação não colhe, porque é sabido que os judeus faziam a purificação das suas mãos derramando água sobre elas e não imergindo-as. Veja-se II Reis 3:11, onde se diz que Eliseu era quem derramava água sobre as mãos de Elias. O que se dava no tempo de Elias deu-se também no de Cristo, porque os judeus são tenacíssimos na conservação de seus hábitos, e, até hoje, dizem viajantes, é esse o modo pelo qual os habitantes da Palestina lavam as mãos (p. 62).

Nosso irmão se esquecia dessa bacia (nihthra) de Jesus. Para que sair de casa para ocupar dois na lavagem das mãos de um, quando há bacias na casa? Que dois roceiros como Elias e Eliseu fizeram isso nas suas viagens, vá lá. Mas que nosso irmão queira limitar a civilização dos judeus, quer no tempo de Elias mesmo, quer em todos os tempos, a semelhante necessidade matuta, é irrisório. Esquece-se de que cada uma família em Israel tinha bacia, pois, na celebração da Páscoa, a cada família é ordenado: “Tomareis um molho de hissôpo, ensopá-la-eis no sangue que estiver na bacia, e marcareis a verga e as duas ombreiras com o sangue que estiver na bacia.” E, numa bacia em que se poderia ter bastante sangue para pintar vergas e umbrais de uma porta, bacia na qual se podia ensopar um molho de hissôpo, não se poderia talvez, mergulhar as mãos?

O presbiterianismo, quando se aplica a terra e à civilização da Palestina, é uma seca pior do que qualquer que já grassou no Ceará! Seca-se o Jordão, debaixo do calor dos argumentos presbiterianos, até não servir para molhar a planta do pé. O caminho onde Filipe achou água para batizar o eunuco e nela entrou, juntamente com ele, era um deserto abrasador; os dois descem do carro (no qual um homem que viajava da Ásia para a África certamente teria água suficiente para a aspersão); e, por algum motivo inexplicável, descem para aquela água de duas polegadas de profundeza – não se diz como ela se achou ali naquele Saara palestiniano – e entram solenemente nessa água escassíssima e Filipe, em lugar de usar a água fresca e limpa que o eunuco levava no carro, mergulha os dedos – não, perdoai-me, esse termo é ofensivo – molha os dedos nessa água suja e quente e asperge umas gotas lamacentas sobre a larga testa do ministro do tesouro da rainha Candace, e este vai pensando que foi escaldado com água fervente, devido à grande seca presbiteriana. E ninguém na Palestina tomou um banho em todo o primeiro século! Não havia água. E saiam atrás das choupanas e cada um derramava – é isso, derramava; não é aspersão, mas serve, pois pelo menos não é imersão – derramava água cada qual sobre as mãos de seu vizinho e lavavam o rosto com as mãos assim molhadas, como o gato lambe a mão e lava a cara. E Jerusalém! Ah! cidade seca, seca, seca! Insuportável! Não sei como tantos salmistas se deleitassem em Jerusalém! É verdade que seus reis rivalizaram em dota-la de depósitos enormes de água em toda parte. É verdade que cisternas e fontes abundavam. É verdade que a cidade suportava sítios prolongados, hospedando, ao mesmo tempo, a população inteira do país. É verdade que Josefo nos diz que havia 3.000.000 de forasteiros, às vezes, numa festa. Mas eram 3.000.000 de deslavados! Pois não se admite sequer um tanque sequer onde se pudesse batizar 3.000 no dia de Pentecostes, e nem convém falar das abluções de três milhões de forasteiros, além dos habitantes. Que horror! Dá nojo em pensar dos rios de sangue dos sacrifícios daqueles três milhões num dia – e nenhuma água para o esgoto de tamanho rio de sangue derramado – (ah! sim, derramado; o termo nos convém, pois é quase aspergido e prova o nosso batismo). Rios de sangue e nem ribeiros de água. E Herodes saturou a Palestina de tudo quanto era mais conveniente e luxuoso na civilização greco-romana, mas ele mesmo saía atrás do palácio e sua mulher lhe derramava – sim derramava – ou foi aspergir? – não me lembro – mas molhava-lhe as mãos, sem bacia. É sem bacia. Disto tenho certeza, pois Herodes e João Batista eram todos imitadores de Elias em o modo ortodoxo de lavar as mãos, que de forma alguma se admite ser por imersão. Admitir imersão de mãos numa bacia?! Não, senhor. Nunca. Nossa causa seria eternamente perdida. É verdade, Pilatos tinha bacia. Mas isso prova nosso ponto, pois não foi ele quem crucificou Jesus?!

Ora, já se sabe!

 

Autor: Dr William Carey Taylor
Fonte: www.palavraprudente.com.br

Digitação: Daniela Cristina Caetano Pereira dos Santos - 23/08/05

Revisão: Luis Antonio dos Santos - 24/08/05