Diferenças Doutrinarias entre Batistas e Presbiterianos - III

Dr. W. C. Taylor

As diferenças entre presbiterianos e batistas são muito mais e maiores do que o prof. Oliveira indica. Iremos analisar algumas:

(B) O sistema do pensamento presbiteriano e o sistema doutrinário batista são diferentes quanto ao seu modo de avaliar o individuo em suas relações para com Deus.

Três grandes princípios bíblicos que são peculiares aos batistas são: a responsabilidade pessoal na vida humana, na salvação e na obediência a Cristo; o individualismo cooperador como o freio aos excessos da autoridade do Estado, do clero e do lar; e o espírito voluntário nas relações eclesiásticas e no serviço cristão.

Há dias, meses e anos na vida infantil quando a criança nada sabe, nada entende de dever ou privilegio religioso, nem peca, nem sente tentação e não tem capacidade religiosa. Morrendo a criança nesta idade, é salva e purificada pelos méritos do sangue de Jesus e vai para o céu. (Os que querem mais circunstanciada discussão desta preciosa verdade, leiam meu “Batismo Bíblico”).

Mas vivendo, continua, por algum tempo, num estado inconsciente, irresponsável e incapaz de assumir, diretamente ou por procuração, qualquer atitude ou responsabilidade religiosa ou eclesiástica. Afinal, em idades que variam com personalidades diferentes de crianças diferentemente dotadas e estimuladas, começa a aurora do conhecimento próprio, entendimento de Deus, tentação e queda em pecado pessoal, necessidade de arrependimento, fé e regeneração – em uma palavra, responsabilidade religiosa perante Deus.

O presbiterianismo faz para suas crianças decisões vitais e de suma importância, registra votos dos filhos por procuração dos pais, liga de certo modo a alma inconsciente á organização eclesiástica errada, faz provisões sucessivas para prendê-la nestes grilhões religiosos tão contrários ao espírito do Novo Testamento e, não poucas vezes, encaminha a criança até a velhice e a morte por esta vereda meramente eclesiástica sem que nunca na vida experimente o arrependimento, a fé, a salvação. Fica, ás vezes, -- e digo assim pelo testemunho voluntário de membros das igrejas presbiterianas convertidos sob a minha pregação – a mesma criatura que foi batizada na infância, promovida para o catecismo e para o rol de membros da igreja sem nunca se tornar nova criatura por uma experiência pessoal da graça de Deus. Pode haver maior tragédia do que a de ir ao inferno do seio de uma organização eclesiástica pela culpa dos pais e pastores que não deixaram á criança seu privilegio de acordar gradualmente diante da sua situação moral e espiritual no universo, buscar a Deus para si, ler ou ouvir a Bíblia para esclarecer e orientar decisões livres, aprender o caminho de salvação, sentir seu pecado e se arrepender, crer no Cristo crucificado e ser salvo, então ser batizado sob profissão inteligente de sua fé pessoal e voluntariamente entregar-se a uma vida de obediência e serviço numa igreja bíblica? Cada alma tem de descobrir Deus para si, avaliar para si que é pecadora condenada pela lei de Deus que é revelada na sua consciência e na Bíblia, arrepender-se pessoalmente do sue pecado particular, pessoalmente crer no Salvador, batizar-se com inteligente compreensão do sentido e votos de santidade expressos ao ser sepultada com Cristo pelo batismo, e entrar inteligente e voluntariamente numa igreja que julga ser bíblico e obediente, para nela servir a Deus como Deus manda. Em dizer “tem de...”, quero dizer que deve fazer tudo voluntariamente, se quiser que o ato seja valido perante Deus. O batismo infantil é uma impertinência religiosa, roubando da criança seus direitos, pondo em perigo sua probabilidade de conversão, (visto que chega á aurora de responsabilidade já arrebanhado no seio dos batizados), privando-a do privilegio de escolher para si o caminho de obediência conscienciosa, pondo sobre a sua cerviz o jugo de Calvino bem cedo na vida, encaminhando-a para a grei eclesiástica antes de ela vir a Cristo, achar o descanso de sua alma e aceitar voluntariamente aquele jugo melhor e mais leve que tem a vantagem de jungir o crente a Cristo em união indissolúvel para fazer a sua vontade no poder de sua graça.

O Dr. Edgar Y. Mullins, em “Axiomas de Religião” chama este principio um “axioma” batista – “a competência de uma alma diante de Deus”. Pais e padrinhos e padres que agem em lugar da crença, praticando na vida do inconsciente o que este deve fazer mais tarde para si, assumindo por procuração uma responsabilidade e votos que não terão a capacidade de cumprir na vida alheia, aliando a vida infantil com uma organização errada que talvez sua consciência venha a repudiar mais tarde – tais padrinhos, pais e padres são, neste respeito, indiscriminadamente responsáveis, perante Deus e a criança ultrajada, por um pecado desnecessário, de origem pagã e de conseqüências imensuráveis.

Esta intromissão na vida alheia é combatida pela doutrina batista de individualismo – individualismo altruístico, responsável, iluminado pela Escritura, orientado pelo Espírito Santo, cooperador no reino de Deus com toda boa obra, sob a autoridade de Jesus Cristo e o Novo Testamento.

O Estado, sob Calvino, Knox e seus admiradores, sucessores e discípulos, ofende a consciência, queima Serveto, bane servos de Cristo para além dos confins do país onde têm inalienáveis direitos civis, dá proteção aos privilegiados na pompa de cortes de reis presbiterianos, cobra dinheiro batista, judeu, católico e de outras greis protestantes e o dá, com culpável parcialidade, aos cofres eclesiásticos presbiterianos, impõe ou apóia credos por ato de parlamentos, confundindo assim o que é de César e o que é de Deus, em desobediência ao magno principio de independência dos dois poderes, anunciado por Jesus Cristo. A esta indevida intromissão do Estado na vida religiosa do cidadão, o batista resiste, afirmando “a competência da alma” perante Deus, dizendo em alto e bom som: “Cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”.

O clero protegido pelo Estado, ás vezes, e arvorada em arbitro da vida religiosa de todas as crianças que nascem nos lares de sua grei, necessita de quem lhe resista a esta tirania. O individualismo batista resistiu a Lutero, a Inácio de Loyola, a João Calvino, a Henrique VIII, aos pedobatistas da Nova Inglaterra e é a fonte principal da liberdade religiosa que o mundo goza hoje. Ainda é preciso, em muitos países europeus, agitação constante da Aliança Batista Mundial, para que governos irmanados com “igrejas reformadas” concedem elementar liberdade de crença aos seus cidadãos.

Do mesmo modo, o lar pode ser tirânico, esmagando a livre vida religiosa de filhos e, não poucas vezes, de mãe e esposa também. A Escritura só ensina obediência de filhos aos pais “no Senhor”. Nenhum pai tem direito de obrigar seu filho a desobedecer a Jesus Cristo, ou de prender a esposa numa igreja que não é apostólica em doutrina, organização e pratica ou de roubar aos filhos o direito de obedecer a Cristo pessoalmente pelo batismo. O presbiterianismo ensina uma solidariedade de família que é segundo a Lei de Moisés, mas absolutamente não está de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo. Não são os romanistas os únicos a escravizar as consciências dos filhos á “religião dos pais”. Religião dos pais não se transmite aos filhos, nem se impõe sobre a consciência dos filhos. “Todas as almas são minhas”, diz o Senhor. E cada um dará conta de si mesmo a Deus. A doutrina batista é freio salutar e forte contra a tirania eclesiástica do Estado, do clero e do lar.

O espírito batista é o espírito voluntário. Não há mercenários nem conscritos no Exercito de Jesus Cristo. Ninguém nasce neste exercito, nem se batiza nele na infância. Cada um soldado do reino de Cristo é um voluntário. Ouviu pessoalmente a chamada de Jesus: “Segue-me” e por amor sincero o seguiu. Assim fizeram os primeiros discípulos, um a um, André, Pedro, Tiago e João. E o Senhor Jesus nunca abandonou este seu principio de alistar voluntários, nunca determinou encher seu exercito espiritual pelo mero principio de descendência carnal. vO prof. Ernesto Luis de Oliveira afirma que quando Jesus disse a Pedro: “Apascenta meus cordeiros”, falava dos filhos dos crentes indiscriminadamente. Escrevi: “Se ovelhas se emprega em sentido espiritual, certamente cordeiros não menos. Os cordeiros são os jovens crentes, não a prole incrédula de pais crentes”. A esta interpretação espiritual e inevitável da passagem, o prof. exclama:

“Que barafunda! Porque meio, a não ser por um dom excepcional, poderá um pastor no Rebanho de Deus, distinguir entre os filhos dos crentes, quais os que são agora crentes, mas deixarão de sê-lo mais tarde? Quais os que não são agora, mas tornar-se-ão crentes no devido tempo? E quais os que se conservarão crentes até o final? Bem se vê que essa interpretação é absurda. Nosso Salvador colocou sob a jurisdição de S. Pedro os seus cordeiros e as suas ovelhas, os filhos e os pais desses filhos, a totalidade do rebanho, porque os filhos dos crentes são, por direito de nascença, colocados sob a tutela pastoral dos ministros evangélicos. O fato de mencionar os cordeiros em primeiro lugar e as ovelhas depois, não implica em quebra da relação filial; porque os cordeiros não se tornam por isso filhos de vaca ou de jumentas”. “Moinhos do Vento” p. 31.

Não responsabilizo o presbiterianismo pela doutrina do seu catedrático de que “crentes deixarão de sê-lo mais tarde”. Isto não é doutrina presbiteriana, mas sim metodista. Nem tenho o presbiterianismo responsável pela interpretação inábil desta Escritura, porque muito interpretes presbiterianos a interpretam mais sensatamente. Nem responsabilizo o presbiterianismo por essa idéia romanista de um pastorado universal sobre “a totalidade do rebanho” dos crentes e seus filhos no mundo. Apenas me refiro a idéia do polemico presbiteriano na qual ele é fiel a doutrina de sua grei, isto é, a inclusão, no rebanho espiritual, dos filhos dos crentes, “por direito de nascença”. Se uma criança, por direito de nascença, é “cordeiro de Deus” então apenas o crescimento natural fará que seja “ovelha” de Deus e entre ou fique no “Rebanho de Deus” sem jamais conhecer a regeneração.

Não vem ao caso qualquer simbolismo do vocábulo “vaca”, na religião cristã, porque o Novo Testamento nunca menciona a palavra vaca e não tem doutrina figurada por “jumenta” ou “filho de jumenta”. Mas tem um rico simbolismo doutrinário de ovelhas e cordeiros e Rebanho e “Pastor e Bispo de nossas almas”. Quarenta e uma vezes se acha a palavra ovelha no N. T., a maior parte em sentido simbólico a respeito dos salvos ou daqueles que forma eleitos para a salvação e que Jesus pretendia salvar e arrebanhar sob seu cuidado espiritual.

“Ovelha” neste sentido pressupõe a experiência sobrenatural do novo nascimento. Jesus fala daqueles que vêm “com vestes de ovelhas, mas por dentro são lobos”. Logo, é a experiência intima que torna uma pessoa “ovelha” genuína – não um rito exterior administrado na infância. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e nunca jamais hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão”, João 10:27-28. Ser “ovelha”, ou cordeiro, segundo esta doutrina é ter vida eterna, conhecer a Jesus Cristo pessoalmente e ouvir e seguir a sua voz. Nada menos é compreensível em ser cordeiro.

Há três palavras, no Novo Testamento original, que significam cordeiro. Uma se emprega a respeito de Jesus Cristo ou em referencias á sua redenção. A segunda se usa uma vez (Luc. 10.3) a respeito dos setenta, enviados “como cordeiros no meio de lobos”. A terceira palavra se usa 30 vezes, das quais 28 a respeito de Jesus Cristo na gloria, uma vez a respeito de uma das “bestas” do Apocalipse, e uma vez em João 21:15.

O primeiro mandamento de Jesus a Pedro na memorável ocasião é: “Apascenta os meus cordeiros”. Não estava presente uma criança sequer. Não há menção de crianças no contexto imediato ou remoto. “Cordeiro” já fora usado por Jesus a respeito de homens, ativos no ministério. Jesus saudára aos apóstolos presentes com um diminutivo afetuoso logo no principio sem insinuar que eram criancinhas. A doutrina de ser ovelha quem é possuidor ou destinado á vida eterna estava gravada na memória de todos eles, como o uso espiritual geral em Cristo. Ouviram na sua primeira lição na presença de Jesus o testemunho de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus” – não o Cristo infantil, mas o grande Redentor. Cordeiro, para estes apóstolos, não tinha nenhuma reminiscência de ensino a respeito da infância de quem quer que seja.

Mas o que vemos? Quem busca o batismo infantil debaixo de cada folha da Bíblia procura aqui ensinar que a primeira lembrança a um apostolo penitente, numa hora preciosa de doce intimidade, é enviá-lo mundo afora a praticar o batismo infantil e a tutela que daí começa! É tão fácil crer que a lua é feito de queijo do sertão quanto é crer nessa interpretação anti-evangélica e tendenciosa.

Certamente, ninguém é cordeiro de Deus “por direito de nascença”. O “Rebanho de Deus” não é composto dos não regenerados. Os porteiros não admitem cordeiros no reino de Cristo. Natureza espiritual não se transmite pela procriação sexual de um homem, nem jamais foi concebida sexualmente por mulher alguma. Hereditariedade transmite a natureza dos pais, não o novo nascimento que adquiriram pela fé. Eles não foram “ovelhas” “por direito de nascença”, mas por experiência da graça regeneradora de Deus. E esta graça não se incorpora aos órgãos sexuais dos pais para passar de geração a geração. Não há solidariedade de família que possa açambarcar o novo nascimento e transmiti-lo aos filhos com os bens do pai. Tal concepção de religião é carnal, nacionalista e judaizante, mas não é evangélica.

Ninguém nasce cordeiro de Deus. Pois se nascesse assim, o tempo inevitavelmente o transformaria em “ovelha” sem o novo nascimento.

São ovelhas—e cordeiros—os que ouvem a voz de Cristo e o seguem. Isto é voluntariedade na salvação e na experiência cristã até ao fim. É o belíssimo principio da liberdade de escolha, da vontade soberana na dignidade humana, do homem feito á imagem de Deus e criado de novo na semelhança de Jesus Cristo. “Cordeiros” são os novos crentes, “ovelhas”, o termo simbólico em geral.

Por isto, o salmista proclamou, (na versão do imortal Carroll): “O teu povo serão voluntários no dia do teu poder”, Sl. 110:3, e o povo batista quer que o rebanho de Cristo seja sempre de voluntários em cujo coração arde o amor de Deus derramado pelo Espírito Santo, e que o cristianismo jamais seja manchado por um ato religioso involuntário, contra a consciência, insincera ou mera submissão a uma autoridade tirânica.

 

Autor: Dr William Carey Taylor
Digitação: David C. Gardner 11/2008
Fonte: www.palavraprudente.com.br