Capítulo 8

- ESTUDOS SUPLEMENTARES - Epístola Aos Gálatas

Nada Além

A Epistola Aos Galatas

William Carey Taylor

-- 1954 --

ESTUDOS SUPLEMENTARES

Nada Além

No Apocalipse – obra da inspiração divina que tanto cronológica como mecanicamente remata a revelação de verdades apostólicas que chamamos o Novo testamento – lemos, na última página de nossa bíblia, estas solenes palavras: “Eu testifico a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus lhe acrescentará as pragas escritas neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus lhe tirará a sua parte da árvore da vida e da cidade santa, que estão escritas neste livro.” Apoc. 22:18, 19. Era um apóstolo, o único sobrevivente, que fechas a era da revelação com exortações e uma profecia que devem para nos admoestar e animar até a segunda vinda do Senhor. Jesus primeiramente lhe revelou tudo, do céu. Então, como era o seu dever, o apóstolo “ligou” (poibiu modificações no Novo Testamento) e “desligou” (legislou para a consciência e a fé a última parte do Novo Testamento e sua palavra Finis). Ninguém escreveu uma “Escritura Sagrada” desde João. Há princípios adequados no Novo Testamento para guiar a cristandade até que venha o Senhor Jesus. Obedecê-lo e aplicá-los é a tarefa do nosso dever nesta época entre o primeiro e o segundo adventos. Não temos a menor necessidade de revelações ou de “luz íntima” ou de tradições humanas ou de pseudo-infalibilidades para aumentar ou diminuir a verdade apostólica contida nas escrituras cristãs do Novo Testamento. O romanismo não faz o menor esforço para obedecer ao Senhor Jesus e seu mandamentos em o Novo Testamento. Grandes setores do protestantismo, também, saíram de Roma, ou de movimentos originados dentro do romanismo a título de protesto contra seus excessos; trouxeram na ocasião de seu êxodo muita bagagem dogmática, ética e eclesiástica de tradições que os papas e seus teólogos tomaram emprestadas do judaísmo e paganismo.

Ora, a mesma atitude de um era a de todos os apóstolos. Pedro identifica o Evangelho com a profecia (I Pedro 1:12) e com a mensagem do Espírito Santo por intermédio da pregação apostólica. Seus leitores são “filhos da obediência” (1:14). O apóstolo repudia “as práticas vãs que por tradição recebestes de vossos pais”(1:18). O apóstolo teria apoiado a arma terrível do clero, hoje em dia, em embaraçar o estudo das Escrituras no Brasil, alegado que o católico deve seguir “a religião da maioria,” a “religião de nossos pais,” em lugar de obedecer a Cristo e ao Novo Testamento? Êle afirma que haviam “purificado as suas almas na obediência à verdade,” (1:12). Foram regenerados pela Palavra de Desu, não pela graça recebida num batismo infantil, (1:23). Esta Palavra é identificada com o Evangelho oral, (1:25). Não há uma verdade nas páginas dos escritos apostólicos e uma tradição oral diferente. Todos os apóstolos pregaram mensagem idêntica à Palavra de Deus que possuímos nos seus escritos. Jesus é Pastor e Bispo, logo deve ser seguido na sua revelação e ensino, (2:25). “Não obedecer a palavra,” é a descrição do incrédulo, (3:1). O Evangelho foi pregado nos dias de Noé aos que nos dias de Pedro Estavam mortos, (3:19; 4:6). Pedro, como Paulo, achou seu Evangelho no Antigo Testamento (mas não nos ritos e no sacerdócio paramentado e na organização levítica ou no legalismo e ritualismo) e identificou seu Evangelho plenamente com as promessas messiânicas. Há uma só ordem do ministério – o presbítero-bispo-pastor – e Pedro pertencia a esta ordem como “co-presbítero,” na simplicidade apostólica do Evangelho, (5:1-4). O apóstolo não segui “fábulas engenhosas,” (II Pedro 1:16), “mitos sofismados,” diz o grego. Que descrição melhor poderia haver da hagiografia insípida e mentirosa e das tradições dos livros apostólicos, cujas fábulas pueris o romanismo encorporou no seu ensino? Nestas “fábulas engenhosas” o clero e sua grei estão abismalmente separados de Pedro! A palavra escrita, Pedro considera até “mais segura” do que a própria voz oral de Deus que o apóstolo ouviu no monte de transfiguração, (1:19). Estas Escrituras, “fazeis bem de atender” até ao segundo advento do Messias que anunciaram (1:19).

Então Pedro prefere aquelas palavras, tão torcidas pelo clero romano: “Nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (1:20). Exulta o clero na suposta proibição do livre exame e interpretação da Bíblia pelo povo de Deus. Não pode haver uma violência mais crua e tirânica contra Cristo, sua Bíblia e seu povo. Jaime de Seguiér define paricular assim: “Que pertence propriamente a certas pessoas, a certas coisas.” Notai que a referência pode ser a pessoas ou a COISAS. Esta última é a incontestável idéia da palavra aqui. As profecias vieram em parcelas, figuras e símbolos, “ora mais, ora menos e de muitos modo.” Os vários itens desta profecia messiânica, diz Pedro aos eleitos judaicos da Dispersão, não ficam isolados. Como as pedrinhas de um mosaico se apreciam no todo de que são partes, não cada pedrinha particularmente, assim o retrato de Jesus na profecia messiânica. Continua Seguiér a definir “particular.” “Opostos a geral.” “Não particular”, portanto, seria geral. Cada profecia tem seu lugar na interpretação geral, no conteúdo total do retrato messiânico. “Separado” define Seguiér. Uma profecia não tem uma interpretação separada, isolada. É isto que Pedro afirmou.

“Desviar-se do santo mandamento,” é a fórmula da apostasia, (2:21); e este mandamento é logo (3:2) definido como “o mandamento que o Senhor e Salvador vos deu pelos vossos apóstolos.” Pedro não é autoridade única ou absoluta para eles. É co-presbítero e apenas confirma o mandamento do Senhor e Salvador e identifica sua Escritura com a pregação oral dos demais apóstolos.

Paulo é o “amado irmão” de Pedro a cujas escritos este apóstolo apela em apoio de sua doutrina. Os escritos de Paulo são “sabedoria que lhe foi dada,” (3:15). Esta sabedoria se acha “em todas as suas epístolas.” Estas epístolas paulinas também são Escrituras Sagradas – “como as demais Escrituras,” (3:16). Há pessoas que “torcem” algumas coisas difíceis nas Escrituras paulinas, como é a praxe dos tais com toda a Bíblia. Quem são esses torcedores? São descritos como “os indoutos e inconstantes,” e “insubordinados,” (3:16, 17). Se há um grupo de homens “indoutos” nas Escrituras é o clero. Se houve uma inconstância na história humana, foi a das ‘seitas católicas’, da circunvizinhança mediterrânea, que não conservaram a verdade apostólicas mas encheram sua religião nominalmente cristã com tantas tradições de judaísmo e do paganismo quantas lhes agradassem. São também insubordinadas, superlativamente insubordinadas, contra a Palavra de Deus, anulando-a com sua tradições medievais. Se há quem torça as Escrituras de Paulo, são os intérpretes presos à orientação tendenciosa da “Comissão Bíblica” da Cúria Romana que abriga os comentadores romanistas, escravizados à sua tutela, a torcerem a linguagem precisamente desta Epístola aos Gálatas sobre “outro” Evangelho, sobre Tiago “irmão do Senhor,” sobre a ascendência do mesmo Tiago acima de Pedro nas reuniões em Jerusalém acerca da circuncisão, e tudo quanto não seja do seu agrado na Epístola, como nas demais Escrituras. Torcer significa, no original, torturar. A Santa Inquisição torturou a Bíblia, e ainda a tortura, como torturou e ainda torturaria, se pudesse, tantos quantos são crentes em Cristo e obedientes à sua Palavra.

Há muitas outras Escrituras que poderíamos citar, mostrando que todos os apóstolos, indiscriminadamente, limitam o cristianismo verdadeiro e obediente à conformidade com o ensino apostólico, idêntico na mensagem oral e na página escrita do Novo Testamento. Ao bem da economia de espaço, porém, passamos a analisar este mesmo ensinamento do apóstolo Paulo. Repetidas vezes e sob várias figuras e formas o apóstolo insiste em não haver nada além do seu Evangelho, em declarar anátema todo o acréscimo à mensagem por ele pregada e escrita.

1. O vibrante protesto do apóstolo contra “um evangelho diferente”(1:16) é ouvido longo no princípio da Epístola. Os gálatas foram chamados “pela graça de Cristo,” (1:10). Em admitir como canal da graça divina um rito, como a circuncisão, eles estavam desertando do Evangelho. Nada além. Não é por graça e ritos, por graça e obras, por graça e pela Lei, por graça e igreja, por graça e sacramentos, por graça e confessionário, por graça e absolvição clerical. O acréscimo é anátema, é outro evangelho.

A igreja romana, e não poucas agremiações protestantes, fingem crer que a salvação é pela graça. Mas, em seu pensamento, a graça salvadora é apenas a represa da água da vida. Esta deve ser canalizada pela igreja, e ao pé, diante de cada torneira, um padre vende o dom de Deus de côrdo com a tabela eclesiástica. Demos de barato que este complexo sistema eclesiástico, interposto entre Deus e a alma sedenta, esteja realmente ligada com a represa e possa canalizar suas águas cristalinas ao necessitado. Nesta hipótese libérrima, a bênção originariamente proposta por Deus ainda poderia ser chamada graça. Mas a salvação comprada em mesquinhas prestações, gotejos da graça, certamente não é de graça. É graça cara, graça retalhada sobre balção sacerdotal, graça de que nenhuma gota seja de graça. Naturalmente, posta em dúvida a ligação da torneira com a represa divina do rio da vida, fica o tal sacerdote réu de duplo crime, o de vender o que Deus dá de graça, e o de vender por graça divina aquilo que não passa de mistura de paganismo roubado e judaísmo caduco. Foi, sem dúvida, para evitar que a graça seja vendida e a salvação explorada comercialmente que Paulo usou da tautologia em Rom. 3:24 – “justificados gratuitamente pela sua graça mediante a redenção que há em Cristo Jesus.” A graça é abundamente na represa divina. É canalizada por Jesus Redentor, não pelo falso “Jesus sacramentado,” em pela falsa igreja que inventou e explora este embuste maligno. É graça gratuitamente recebida, justificadora do crente realmente de graça.

A passagem clássica sobre a salvação pela graça é Efés. 2:8 – “fostes salvos pela graça mediante a fé,… dom de Deus… não de obras.” A canalização é pela redenção de Jesus Cristo diretamente para o próprio crente. A torneira no fim da canalização é a fé salvadora do pecador redimido, e sua mão abre-a livremente pela fé. No cristianismo apostólico, no primeiro século e no vigésimo, não há padres. “Só há um mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus homem,” I Tim, 2:5. Agora é vital que não haja nada além, nenhum explorador que finja ter espichado a canalização da graça salvadora e esteja negociando com um chafariz eclesiástico para alvivar a sede espiritual do povo. Tal água não é boa, nem é bom o enganador.

Toda a alma evangélica revolta-se contra o engano do povo, atribuindo a atos físicos poder espiritual. Pelo contrário, a graça divina pode manar somente do Espírito de Deus, por Jesus Cristo mediante a fé. Nada além de graça mediante a fé é verdade, evangelho ou caminho de salvação. É outro evangelho e Paulo declara que seria anátema, mesmo se todos os seus pregadores fossem anjos, arcanjos e querubins, mesmo se fora pregado pelos próprios apóstolos.

Ora, aí está a fatal desgraça das tradições humanas acrescentadas ao património original da mensagem apostólica. Tratam de salvação e graça quase todos esses acréscimos, através dos séculos. Se um prelado tivesse apenas aumentado o número ou o peso dos deveres práticos do cristão, isto poderia ser grave. Pedro falou da Lei à luz do farisaísmo que a interpretava e acrescentava tradições minuciosas, das quais seus autores sabiam escapar por um probabilismo hipócrita, (Mat. 23:16-28), e taxou semelhante regime de “jugo insuportável,” Atos 15:10. Multiplicar os itens de uma vida beata não ajuda à santidade e afasta do cultivo da santidade real muitas energias preciosas.

Os acréscimos das tradições clericais, porém, através dos séculos contribuem fortemente para o aniquilamento do Evangelho. O romonismo e o Evangelho são antónimos e todos no Brasil reconhecem este fato. Quando obras humanas são inventadas e incorporadas a tradições eclesiásticas, é quase sempre com o propósito de opor tais obras à graça divina, ou juntá-las à fé, como base e meio da salvação. Daí a razão por que Paulo declara anátema um rito alegadamente meritório. Se é evangelho engrossado, é outro, diferente, contrário, além daquele que Paulo e João receberam do Cristo ressuscitado.

3. Nesta conexão surgiu uma forte discussão de Gál. 1:8 – “Mas ainda que nós, ou um anjo do céu vos pregasse um evangelho além do que vos pregamos, seja anátema.” É tão importante a declaração que o apóstolo imediatamente a repete em v. 9 – “Como antes temos dito, assim digo agora de novo, se alguém vos pregar um evangelho além do que recebestes, seja anátema.” A Epístola toda se resume, pois, nas duas palavras: Nada além!

A. Notemos o enérgico esfôrço dos intérpretes católicos romanos por escapar do que Paulo diz com tanta ênfase. A comissão bíblica do Vaticano obriga seus tradutores a verter e comentar o original de tal maneira que modifique o que Paulo realmente disse e abra as portas para justificar uma evolução multissecular que transformou o cristianismo apostólico no romanismo atual.

A versão franciscana diz: “anunciar um evangelho diferente” e assim comenta:

“um evangelho diferente. Os antigos luteranos, sofismado com a palavra ‘proeter’ que se lê aqui na Vulgata, atacaram os católicos porque, além do evangelho escrito, admitiam a tradição; os católicos, porém, os rebateram, fazendo ver que com esse ‘proeter’ o apóstolo designava o que fosse contrário ao Evangelho de Jesus Cristo; além de que S. Paulo não podia referir-se ao Evangelho escrito, que ainda não se conhecia. Hoje quase nenhum a católico renova semelhante objeção, e geralmente concordam em que o ‘proeter’ aí vale o mesmo que contra.” (Cornely)

Notai os dois passos com que fogem do anátema apostólico. Primeiro passo: Além = diferente. Segundo passo: diferente = contrário. Logo a única coisa proibida pela apóstolo é uma evolução tal que o cristianismo evoluído venha a ser radialmente contrário, aposto ao evangelho original.

Mesmo nesta base de uma tradução duvidosa, o acréscimo de tradições sacramentalistas ao cristianismo do Novo Testamento não deixa de ser uma violção da linguagem de Paulo. Traduza quem quiser e como queira, não há meio de fazer o romanismo, e muito protestantismo semi-católico, ter semelhança fundamental com o Evangelho e seu cristianismo puro e original. Traduzem “diferente”, hein? Pois bem. A missa é diferente da ceia do Senhor. A regeneração batismal é diferente da regeneração efetuada pelo Espírito por meio da Palavra de Deus mediante a fé. É diferente o Jesus sacramentado do Jesus histórico e real. São diferentes a penitência e o arrependimento, a fé salvadora evangélica que aceita em Jesus crucificado e a fé católica que meramente aceita dogmas promulgados por concílios eclesiásticos. São diferentes o ministério democrático de pastores-bispos-presbíteros em igrejas autónomas e responsáveis e uma prelacia e sacerdócio ilícitos, intruosos como mediadores entre Deus e a alma humana. São diferentes as igrejas livres do primeiro século e a vasta hierarquia que erradamente se intitula igreja, embora seja mera concubina do cesarismo em todos os estados totalitários dos tempos antigos e modernos. O que foi além de Paulo fez-se diferente, contrário e digno de anátema.

A versão Figueiredo, a versão de D. Fr. Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, com anotações de J. B. Claire, revista pelos padres da Pia Sociedade de São Paulo, e até a nova versão do dr. Huberto Rohden, a primeira versão católica romana do Novo Testamento grego, para nossa vernáculo, todos são obrigados, sendo seus autores padres, a verter aqui: evangelho diferente. É iluminadora a sentença de claire: “Outro Evangelho. E Paulo tem aqui em vista o Evangelho que pregavam os falsos doutores. Era no essencial o de Jesus Cristo, ao qual juntavam a lei de Moisés.” Mas aí está a razão do anátema. “Juntar” é mudar, é perder, é corromper, perverter, adulterar. Juntar água ao leite, areia ao açúcar, chumbo ao ouro diminuindo na moeda contrafeita, veneno à formulo farmacêutica, novos dogmas à simplicidade do evangelho, obras à graça com meio da salvação, vem dar coisas diferentes, e a isto Paulo não fica indiferente! Por causa desses acréscimos Paulo exclamou: “Ó insensatos vos circuncidardes, Cristo de nada vos aproveita. Estais já separados de Cristo os que vos justificais pela lei.” Não é, pois, matéria de somenos importância acrescentar tradições à fé. A linguagem humana é paupérrima para expressar a solene gravidade de humana é paupérrima para expressar a solene gravidade de introduzir no cristianismo tradições além do que está escrito.

B. Vede como uma larva da praga se transforma logo em clamorosa peste. O prof. James Moffarr analisa os métodos romanistas de justificar por “fábulas engenhosas” a vasta invasão evolutiva de tradições no cristianisamo pós-apostólico e culminando na atual apostasia completa do catolicismo da norma bíblica da fé.

“O método histórico é suspeito pois parece pretender que o Novo Testamento encerre preto no branco, um relato completo do evangelho primitivo; em outras palalvras porque aparta e isola o Novo Testamento como um tratado pertinente ao cristianismo primitivo, sobre ele versando. Contrariamente, porém, argumentar-se que aquela coleção de livros é apenas um reflexo parcial da vida igreja, da qual e para qual originou-se. Consequentemente, é para a tradução da Igreja que o pesquisador tem de apelar. O Novo Testamento pode bem falhar na menção disto ou daquilo, no terreno da crença ou prática; este silêncio, porém, de modo algum constitui argumento contra tal crença ou prática, a menos baseando-se na tese injusta e historicamente falha, de que o método histórico é capaz de descobrir nas páginas do Novo Testamento um reflexo completo e coerente da religião cristã original.

“A verdade à raiz desta objeção deve ser reconhecida e se enfrentar a objeção à altura. Não por ter sido ela sempre expressa de maneira que mereça ser refutada. Por exemplo, quando João Konx debateu a questão das cerimónias com um frade romano em S. André no ano de 1547 e desafiou ao ser oponente a apresentar qualquer testemunho escritural para as mesmas, o frade em desespero declarou que os apóstolos não haviam recebido o Espírito Santo quando escreveram suas epístolas, mas receberam-no depois e então instituíram as cerimónias! Tal explicação é sua confutação adequada. Todavia, não é menos verosímil do que afirmação mais sutil do argumento do silêncio, que é mais popular. Esta teoria se estriba numa frase, numa das narrativas do período após a ressurreição. Lemos que uma sensacional eclosão de êxtase religioso assinalou o primeiro festival de Pentecostes para os seguidores do Jesus. Apredemos também como a mor parte do intervalo entre a crucificação e este festival foi ocupado. Durante quarenta dos cinquenta dias, Jesus estava expedindo ordens pelo Espírito Santo aos apóstolos que escolhera. Após seus sofrimentos, ele lhes mostrara que estava vivo através várias provas, revelando-se a eles por quarenta dias e discutindo os negócios do reino de Deus,… (Atos 1:2-3). A tradição, porém, posteriormente, valeu-se desta história para atingir seus propósitos. Os quarenta dias foram dilatados em dezesseis messes, e mesmo doze anos, de modo a permitir a comunicação de uma vasta doutrina esotérica aos apóstolos. Aos cristãos gnósticos e igualmente aos católicos, esta alusão a um intercurso prolongado entre Jesus ressurreto e os apóstolos, provou-se de extraordinário valor. Por uma hipótese somos levados a crêr que Jesus transmitiu secretamente aos seus discípulos durante estas semanas um sistema completo da ordem da igreja, incluindo a posterior organização episcopal, um corpo de dogmas religiosos, que deviam transmitir a sucessores acreditados, e o ritual completo da igreja no futuro. Desde que a Igreja não podia de primeiro receber tão grande depósito de verdade, era o mesmo tido em reserva, gradualmente revelado, e autorizadamente elucidado pela sucessão apostólica. Não é, portanto, argumento contra a verdade de qualquer rito, doutrina ou função eclesiástica, que esteja em penumbra no Novo Testamento, ou mesmo que aí não apareça. Isto significaria apenas que, segundo a providência divina, o tempo não era próprio.

“A vantagem de uma hipótese como esta é que não pode ser refutada por qualquer esforço do método histórico; ela paira aereamente sobre as categorias comuns de investigação. Por outro lado, jamais pode ser comprovada.” “The Approach to the New Testament,” James Moffatt, ps. 188-191).

Pode ser que o “método histórico,” numa frieza acomodativa de liberalidade académico seja impotente para refutar tal invasão do evangelho pelas tradições dos homens. Mas Paulo, sob o Espírito divino, não foi impotente em face do perigo. Ele bradou: “Nada além”; e a tradição farisaica recuou e caiu fulminada pelo anátema apostólico e Pedro e Barnabé voltaram das suas vacilações para a devida coerente com o único evangelho. Não há outro. O que é diferente é falso, é mortífero.

C. Concedida, provisoriamente, a versão da comissão bíblica do Vaticano, o romanismo e muito do protestantismo são condenados, porque nenhuma inteligência sincera é capaz de negar suas radicais diferenças da simplicidade do evangelho único que Paulo pregava.

Quando vertermos, porém, com exatidão o que Paulo disse no grego, é mais aparente ainda a tremenda apostasia de acrescentar à fé as tradições humanas. Já citamos a versão Brasileira: “Um evangelho além”… é “anátema”. A versão de Almeida também verte “além.” As versões francesas de Second e D’Ostervald dizem un outre évangile que. Assim as versões espanholas de Cipriano de Valera, e de Subrayada: “outro evangelio del que.” Dom Pablo Besson traduz: “atra cosa que lo que anunciamos.” É outro? É falso e detestável! Nas versões em inglês, lemos: “any other gospel than” (Rei Tiago); a revisão inglêsa de 1881, a Versão da Senhora Montgomery, como também a revisão americana de 1900 usam a frase: “any gospel other than,” Conybeare e Howson vertem num vesículo: ‘any other Glad-tidings than that which I declared” (v. 8), porém no v. 9: “a Glad-tidings different from that, etc.” São anglicanos, e seria difícil um anglicano traduzir isto corretamente e permanecer na igreja anglicana. Moffat e Goodspeed plenamente apoiam a idéia católica, traduzido: “a gospel that contradicts.” Já mostramos que o romanismo e mesmo muitos ensinos de Lutero, Calvino e Henrique VIII realmente contradizem o evangelho de Paulo nesta epístola, pois o apóstolo não permite incorporar-se ao cristianismo as tradições quer do ritualismo da lei de Moisés ou do paganismo do variado meio ambiente do catolicismo durante esses vinte séculos. David Smith traduz anather gospel than, sem matiz nesta contravérsia. Como diz Moffatt em sua introdução ao seu “New Translation of the New Testament,” toda a tradução é antes uma interpretação. Várias considerações influem na decisão de cada tradutor. O evolucionismo liberal não quer ficar preso a um evangelho único, final, infalível. Considera lícito, pois, qualquer acréscimo que lhe seja apetitoso, e que não possa ser chamado uma contradição flagrante e propositada. Weymouth traduziu: “a good news different” e “a good news than”, até a terceira ediçõ do Novo Testamento, em 1909. Em 1929 apareceu a quinta edição desta magnífica versão, grandemente mudada, tristemente mutilada em espírito, uma revisão que representa o triunfo do modernismo sobre uma obra clássica conservadora. Mudaram a lição dos versículos 8 e 9 para “a gospel contrary,” etc. E assim é a versão da “Improved Bible” (de Hovey, Broadus e Westcott).

Assim se verifica, mesmo em muitos tradutores perfeitamente evangélicos, um conservantismo que não adota uma tradução capaz de ser contestada, se outra for mais viável. O nosso ponto de vista é de fidelidade à linguagem de Paulo, sem olhar a probabilidade de haver contestação disse? E que significa a declaração, em seu contexto geral, e imediato? Nada menos, nada mais nos pode satisfazer!

“Se alguém vos pregar evangelho ao lado do que recebestes, seja anátema.” A preposição grega, para, vertida como diferente, contrário, além, é realmente uma preposição no original, não um adjetivo, e as traduções que fogem desta maneira de traduzir mostram já certa fraqueza. Quando usada com o acusativo esta preposição é traduzida: “para o lado de, perto de, ao longo de, a; contrário a, contra; antes que a, além de, mais que, menos que, que (em comparação); por causa de” (Assim meu Dicionário Grego, p. 124). Minha Gramática Grega assim fala da preposição, p. 247-248:

“Para com o acusativo (60 vezes no N. T.) é comum com verbos tanto de movimento com de descanso.

1. Lugar – preta, para o lado de, ao longo de:

2. Contrário a, contra.

3. Comparação (às vezes desfavorável):

Combinado (2) e (3) temos em Gál. 1:18 Ainda que nós ou um anjo do céu vos pregasse um evangelho além do que anunciamos, Gál. 1:8, (Ver. Bras.); autre Evangile (Ver. Fran.); boas novas diferentes, (Weymouth, Lightfoot, Goodspeed). Advogados da utilidade da tradição opinam pela tradução “contrário a” (2), assim permitindo a inclusão no cristianismo de tradições que não contradisserem absolutamente ao Novo Testamento. Assim os intérpretes católico romanos, Moffatt e outros. “Na interpretação destas palavras, uma controvérsia sobre a “tradição” de levantou: escritores protestantes atribuindo a para o sentido além de, e os católicos romanos o de contrário a. O contexto é o melhor guia. São Paulo aqui advoga a unidade, a integridade do Evangelho. Não tolera rival. Não admite acréscimo de elemento estranho. A ideia de contrariedadem, pois, é estranha ao contexto, embora a preposição, independentemente do contexto, bem possa ter esta significação.” (Lightfoot sob Gál. 1:8). Concordamos com o dr. Robertson que amabas as ideias são presentes. Qualquer acréscimo é contrário ao Evangelho.”

A ideia fundamental da preposição grega para é ao lado. Alguém deita uma coisa ao lado de outra. Pode ser para a substituir, caducar ou modificar por acréscimo. A preposição não esclarece a razão ou o propósito de se colocar uma coisa ao lado de outra. O contexto fornece o esclarecimento do motivo e daí a consequente tradução.

Esta consideração me leva a apoiar as versões evangélicas em traduzir “além de.” Qual o contexto aqui? Paulo evangelizou aos gálatas com um evangelho de salvação pela graça mediante a fé. Ao lado desta base de justificação os judaizantes chegam a depositar, nas mentes dos gálatas, a confiança na circuncisão e no ritualismo e nacionalismo judaico. E contra o acréscimo que Paulo protesta, com forte anátema.

Com o dr. A. T. Robertson, não nos apegamos a esta ou aquela tradução. Apoiamos a ideia de ambos. O que é diferente é além do lícito, o que é além é contrário, pois trata-se dos termos da salvação. Acrescentar outra condição é mudar e mutilar o Evangelho.

Citamos algumas opiniões apósitas. Lutero personifica a Lei, no prefácio do seu comentário sobre a Epístola aos Gálatas, da seguinte maneira:

“Assim a Lei é limitada aos confins necessários. Se ela, porém, pretende penetrar de soslaio na tua consciência, e aí procura reinar, vê-te que te tornes mestre de uma lógica sagaz… dize à Lei: “Ó Lei, tu queres subir ao trono de minha consciência e aqui reinar… Isto fazes além do teu ofício; guarda-te de teus confins legítimos,” etc. É quando a Lei quer entrar ao lado Evangelho que Paulo “faz motim.” Nada além, nada ao lado da graça no terreno da base e meio da salvação.

Burton em o “International Critical Commentary,” p. 27, prefere a tradução: “não de acordo com” ou “variando de” único Evangelho e insiste que a ideia fundamental (“ao lado de) permanece na preposição.

Se há mesmo tanta dúvida sobre esta preposição, então cada guia religioso do povo deve sentir-se em perigo quando acrescenta qualquer coisa, por inocente que lhe pareça, ao caminho de salvação revelado na pregação e nas epístolas de Paulo e dos demais apóstolos. O evangelho oral e o evangelho epistolar dos apóstolos era um, o mesmo, o único Evangelho. Acréscimos são modificações graves e a divisa do apostolado é “nada diferente” ou “nada além,” como queiram os tradutores. O efeito é o mesmo.

4. O que aqui Paulo apenas introduz sob as palavras “outro” e “além de” “ao lado de,” ele desenvolve amiudadamente em Gál. 3:15-22. “Irmãos, falo como homem. Ainda que a aliança seja só de homem, contudo uma vez confirmada, ninguém a anula ou lhe acrescenta coisa alguma.” Como simples principio comercial, esta ética é reconhecida universalmente.

Paulo serve-se da fidelidade contratual que é a alma dos negócios e do comércio para firmar que Deus é pelo menos tão fiel e imutável na aliança da graça como dois negociantes seriam no cumprimento de um contrato. O pacto se fez. Os beneficiários são Abraão e sua Semente. Paulo declara que a semente é Cristo. é uma promessa universal – a bem-aventurança de todas as nações – e é também incondicional. Deus apenas declara o que fará. Nesta Epístola, Paulo classifica o regime da aliança da graça da parte de Deus para Abraão e sua semente, da seguinte maneira: (I) É um regime de promessa, não contrato de responsabilidades mútuas, não intercâmbio de vantagens.

(II) Esta promessa havia de chegar à sua realização no gozo do Espírito Santo na experiência e vida do crente (3:14) e destinava-se ultimamente aos gentios crentes.

(III) O herdeiro é Jesus; e nós, em solidariedade com ele, entramos na heranaça. É um pacto entre o Pai e o Filho. Nós somos os beneficiários da promessa.

(IV) Havendo um regime unilateral de bênção, uma religião de graça e de promessa, e sendo esta a primeira revelação do propósito divino a Abraão, visando todas as nações e para sempre, então a Lei, vindo quatrocentos e trinta anos depois, não pode invalidar este plano divino, por a promessa é antenor e permanente.

(V) A justificação pela fé é a essência da aliança evangélica. “Abraão creu a Deus e foi imputado para justiça.” (3:6). A única maneira de alcançar as bênçãos de um regime de graça é aceitá-las. A fé, pois, recebe vida e justificação.

(VI) Sendo aliança com Abraão um regime da promessa, a Lei não faz parte deste regime. E outra aliança com Israel nacional, não com outros povos ou indivíduos, um contrato bilateral. Israel pactuou solenemente: “Faremos tudo o que Jeová tem dito, e seremos obedientes.” Moisés selou este pacto bilateral com sangue, declarando: “Eis o sangue da aliança que Deus fez convosco sob todas estas condições,” Êxodo 24:7-8. “Todas estas condições” abrangem os dez mandamentos e a legislação congénere e a lei de sacrifícios e festa rituais. Israel não cumpriu “todas estas condições” uma hora sequer de sua existência, nem na vida pessoal dos religiosos nem na coletividade nacional.

Ora os benefícios de um pacto legalista não descem sobre os adeptos ou partidários do pacto. São reservados para os guardadores, os obedientes, os praticantes das condições estipuladas. “A Lei não é da fé, mas: Aquele que faz estas coisas viverá por elas,” v. 12. Um transgressor só pode esperar da Lei uma coisa: maldição, condenação, v. 10. É o erro de todos os movimentos legalistas pensar que por apoiar ao sistema legal é possível alcançar suas bênçãos. Não é. “O que faz” é tradução de um particípio aoristo. Contempla toda uma vida de absoluta obediência, sem lapso ou imperfeição de ato ou pensamento. Esta vida perfeita é contemplada de vez, como um ponto eficaz, e nesta condição é predicada a ausência de condenação. Nem na base de semelhante perfeição se promete o Espírito ou a salvação positiva que nos gozamos. Numa condição impossível ao pecador, é prometido que o legalista, escapará precisamente à função principal da Lei que ele adora – a condenação.

Qual a razão de haver Lei na história? Sua função é tríplice: ergue um padrão da moral particular e pública; revela transgressão de nossa parte pela comparação de o que somos, como o que devemos ser; assim estimula a humildade e o desespero nesta base e a prontidão para abandonar tal base desesperadora e fatal e correr a Cristo e ser salvo pela graça, aceitando a promessa pela fé. A Lei era assim uma fase efémera da revelação a Israel, um regime de escravo em autoridade sobre um menor. Chegado o Salvador, já não tem a Lei função alguma, nem mesmo em Israel. Uma vez destruída Jerusalém, ficou terminada a função teocrática-nacional da legislação mosaica. Esta última função ainda persistia na Palestina, e Paulo e os demais judeus estavam na era transição que sicutíamos em outro apêndice. Mas a Lei já caducava para Israel, e já morreu para o crente gentio. Para o crente, Cristo era o “fim da lei,” seu aniquilamento, sua ab-rogação. Seu passamento, seu túmulo. O véu roto no templo na hora da morte de Jesus foi o aviso divino de que o parêntese aberto no Sinai, para Israel, já se fechava.

(VII) Paulo agora faz a declaração mais estupenda talvez em todas as suas treze epístolas. Ninguém anule, “ninguém acrescente” coisa alguma – NADA ALÉM!

A própria fé não é condição meritória para receber a bênção que Deus prometeu incondicionalmente a Abraão e outorga em Jesus. É anui à aliança da graça e aceitar o dom; é a mão do mendigo aberta para receber a mercê divina. “Sabei, pois, que os que são da fé, esses são filhos de Abraão. A Escritura prevendo que Deus justificaria os gentios pela fé, de antemão anunciou as boas novas a Abraão: em ti serão bem-aventuradas todas as nações. Assim os que são da fé são bem-aventurados com o fiel Abraão,” (3:7-9).

Uma vez confirmada esta perpétua aliança da graça mediante a fé, ninguém é autorizado a mudá-la, anula-la ou acrescentar-lhe outra condição. É a revolucionária declaração apostólica. Nada além da fé, nada, absolutamente nada, pode ser interposto, intrometido entre a fé salvadora e a salvação, como meio de graça, ou condição para gozar as bênçãos prometidas em Jesus. Abraão era virtualmente gentio – Paulo argumenta isto extensamente em Rom. 4 – quando o patriarca foi justificado, no momento de crer. Logo é a norma perpétua da aliança da graça, salvação para todos, sem distinção de raça, outorgada livremente ao que crê. Não se pode acrescentar como condição para ser salvo coisa que Deus não incluiu na aliança com Abraão.

Paulo estabelece o princípio fundamental e o aplica no caso. O princípio é: nada além da fé. A aplicação é: os gálatas eram crentes, já justificados pela fé antes que viessem o judaizantes com seu falso evangelho. Logo, nada há que exigir além da fé. A circuncisão não faz parte do Evangelho, não é condição da promessa do Espírito prometido, não é meio de graça salvadora.

Apliquemos o mesmo princípio. Abraão foi batizado? Não foi. Logo não é o batismo condição da aliança, nem meio da graça salvadora, nem faz parte do Evangelho, I Cor. 1:17. Todo o sacramentalismo é apenas uma atitude judaizante, com o rito trocado. A superstição se transfere de um ato físico para outro ato físico, mas sua essência é a mesmíssima superstição. Nenhum ato físico alcança graça divina, salvação eterna, justificação da alma, bênção espiritual. A fé remata a experiência de justificação. Nada além.

O romanismo e muito protestantismo sem-católico procura interpor a igreja entre a alma e Deus. Extra ecclesiam nulla salus é a sentença mais anti-cristã de todo o medivalismo. O que Deus uniu – a fé e a justificação – a superstição eclesiástica separou como o Ocidente se separa do Criente e sobre o abismo procurou colocar a igreja. Não serve de ponte. Nunca houve salvação em igreja, seja qual for o valor dado ao termo. Deus salvou a Abraão pessolamente e assim salva a cada um crente. Não há promessa para descrentes, sejam quais forem seus sacramentos, boas obras, igreja ou acúmulo de coisas em que se gloriam. Nada além da fé, como condição de ser justificado. Quem introduz a mínima condição entre a fé e a promessa, violou a aliança da graça, acrescentou uma condição num descreto divino unilateral, agiu como se fosse um deus também, um deus mais ajuizado do que o Deus de Abraão. Não há no universo maior presunção nem mais iníqua nem mais fatal para o bem estar humano.

Nada além. Nem sábados nem ritos, nem confessionários nem sacerdócio, nem igreja cem sacramentos, nem boas obras, nem esmolas, nem indulgências nem peregrinações, nem mérito próprio nem mérito de anjos ou arcanjos ou de santos canonizados, nada, absolutamente nada além da fé. Jesus disse: “O que crê no Filho tem a vida eterna.” Ninguém no céu na terra ou no inferno conseguirá interpor outra condição entre a fé e a vida que Deus dá. E o fato mais vergonhoso da história cristã é que judaizantes, católicos, protestares sacramentalistas, sabatistas e ritualistas de uma infinidade de nomes se unem na mania anti-evangélica, anti-cristã, de mutilar a aliança soberana de Deus, o contrato eterno entre Deus Pai e Deus Filho de salvar eterna e imediatamente todo o que crê no Filho crucificado. Notai quantas vezesreafirma-se a salvação de todo o crente – não o crente batizado, mas todo o crente, batizado ou não batizado; não o crente circuncidado, mas todo o crente, circunciso ou incircunciso; não o crente incorporado a igreja, mas todo o crente, dentro ou fora da igreja, seja qual for sua espécie; não o crente batizado no Espírito Santo, mas Abraão e Davi e os apóstolos e nós outros, a respeito dos quais Pedro declarou: “não fez distinção alguma” entre os que foram salvos antes ou depois de Pentecostes, “purificando seus corações pela fé.” Nada além da fé, pois, sob pena de ser impostor, falsário do pacto uma vez firmado e para sempre. Todos os crentes são os beneficiários, a Escritura muitas vezes o afirma.

O Evangelho é “poder de Deus para a salvação de TODO aquele que crê”, Rom. 1:16.

As maravilhosas bênçãos de João 3 são sempre para “TODO AQUELE QUE CRÊ”, João 3:15-16.

Pedro nos afirma que “A eles TODOS OS PROFETAS dão testemunho de que por meio de seu nome, TODO O QUE NELE CRÊ recebe remissão de pecados”, Atos 10:43.

Paulo pregou que “por este é justificado TODO O QUE CRÊ”, Atos 13:39.

“A justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para com TODOS OS QUE crêem”. Rom. 3:22.

Abraão é o pai espiritual de “todos os que crêem”, Rom. 4:11.

“Pois TODOS VÓS sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus”, Gál. 3:26.

Naturalmente esta fé não é a mera crença em dogmas ou especulações de concílios ou clero, mas sim a viva confiança da alma em Cristo crucificado que nos une vitalmente com seu Espírito.

A esta fé todas as bênção de bênção de salvação no tempo e na eternidade são garantidas. São para TODOS OS QUE CRÊEM, João Batista e Abraão, o salteador crucificado e Nicodemos, Simão Pedro e Zaqueu, Cornélio e Paulo, meretrizes e publicamos convertidos, preto e branco, eunuco e varonil, pobre e rico, sadio, moribundo, ancião ou jovem, católico ou católico, protestante ou batista, dentro da igreja ou fora da igreja, batizado ou não batizado, observador dos ritos cristãos ou inimigo de todos os ritos – todos, absolutamente todos, todos sem nenhuma exceção, recebem plena salvação em Jesus pela fé, se genuína e evangelicamente depositam sua confiança em Jesus Cristo crucificado.

Esta verdade deve ser nitidamente distinguida de uma teoria extremista que é parecida, mas bem diferente. Alguns querem que o Novo testamento seja um catálogo de todos os métodos de trabalho e de todas as proibições a respeito dos problemas práticos da vida cristã através dos séculos. No mundo inteiro não caberia tamanho catálogo! Era dever de Paulo circuncidar a Timóteo, porém recusar a circuncisão de Titio. Ele às vezes comia, às vezes não comia, carne vendida nos açougues gregos, carne que fora previamente exposta perante um ídolo num templo pagão. Ele, ao princípio, distribuía cópias da carta geral da reunião em Jerusalém descrita em Atos 15, mais tarde não a circulava e seguia outra norma, pois era uma provisão efêmera, para a época transitória, antes da destruição de Jerusalém, antes do crescimento do cristianismo gentio.

Assim na própria vida apostólica, sua praxe variava, no terreno de costumes. Mas nem seu evangelho nem sua doutrina nem seus princípios mudaram. O princípio é o mesmo, embora mande circuncidar a Timóteo e recusar circuncidar a Tito, comer ou não comer, observar as festas judaicas e condenar sua observação. E o Novo Testamento é um livro de princípio, não uma lista de métodos e maneiras de aplicar esses princípios. Os métodos passa; os princípios, a doutrina e o Evangelho são imutáveis.

Há a doutrina de cantar. Mas o Novo Testamento não esclarece mais nada a respeito da música nos cultos, se é permissível ter piano, violino, coro, canto antifonal, antenas, etc. são métodos e não são prescrita ou proscritos.

A doutrina diz: ensinai. Não prescreve ou proíbe escolas dominicais ou classes de catecúmenos, catecismos ou elucidários evangélicos, livro ou jornais.

A doutrina diz: ide; não diz se por trem, navio, aeroplano, automóvel ou a pé.

Muitos métodos apostólicos, nem os praticamos: o ósculo santo, o lavar de pés, os ágapes, o uso de sandálias, e várias instruções dadas por Jesus aos Doze tão somente para suas viagens locais na Galiléia. Conservamos o princípio de cordialidade social, no aperto de mão e no abraço brasileiro – não no ósculo santo. Assim fazemos o que Paulo faria, em obediência ao seu princípio de se fazer tudo para todos os homens.

A verdade está entre os dois extremos. Um extremo quer mudar doutrina, Evangelho, caminho de salvação, princípios de vida e moral. Tudo isto é imutável. Nada além.

O outro externo, usaria a frase “Nada além” para nos limitar a simples métodos, costumes e hábitos sociais da Palestina e do Império Romano e nos proibiria de fazer coisa alguma não especificamente mencionada ou autorizada na Bíblia. Eles mesmos vão além. O Novo Testamento impõe Evangelho, doutrina e princípios. Quando os fanáticos vão além, acrescentando à norma e ao conteúdo obrigatório do cristianismo, meros costumes do Oriente ou da antiguidade, eles mesmos fazem um acréscimo à soma da fé. Daí o católico ainda exigir véu para as mulheres entrarem na igreja. Não ter véu era ofensa contra a praxe social do Corinto mas impor aquela praxe coríntia sobre todas as mulheres de todos os lugares por todos os séculos é tirania e insensatez.

A Bíblia não nos diz se devemos ir ao cinema, ao jóquei clube, ao baile, ao carnaval, à praia balnear, ao hotel serrano, ao clube, ao campo de futebol, às festas cívicas, nem dezenas de milhares de outras questões recebem luz direita ou legislação alguma nas revelações apostólicas. Mas há princípios abundantes para orientar a todos, nos transes de perplexidade de consciência.

“Fazei tudo para edificação”, “em decência e ordem”, “coisas excelentes”, evitando “toda a espécie de mal”. Estes e muitos outros princípios gerais regulam a conduta cristã, e o indivíduo não é deixado a sós. Pastores e igrejas ajudam, e estas “ligam e desligam” quanto às praxes de uma boa disciplina, Mat. 18:17.

Em terreno de métodos, pois, temos princípios mas não temos regulamento, catálogo de instruções nas minúcias de conduta, legislação teocrática em detalhes e particularidades da vida pessoal, doméstica e social do crente ou das igrejas. Revelações amplas e finais temos na esfera do Evangelho, da doutrina e dos princípios. Nenhum acréscimo, pois, à revelação dada em Cristo e interpretada no Novo Testamento. Isto na sua plenitude! Nada além!

 

Autor: Dr William Carey Taylor
Fonte: www.palavraprudente.com.br

Digitação: Sabryna dos Santos 08/2009