O que é o Evangelho?

John W. Robbins

Há mais de duas mil organizações, somente nos Estados Unidos, que professam ser cristãs. Todavia, estas organizações, para não citar os indivíduos que a compõem, diferem dramaticamente entre si.

Historicamente, por exemplo, tanto a Igreja Católica Romana como os Puritanos reivindicavam ser cristãos. Todavia, alguém negará que o Catolicismo Romano - com sua veneração de santos; sua adoração de Maria; seu uso de imagens, rosários e estátuas; sua hierarquia clerical; e seu ritual elaborado e costumes ostentosos - é uma religião diferente do Puritanismo iconoclasta? Qual delas, então, é cristã?

Hoje o contraste é igualmente dramático, se não tão óbvio como no século dezessete. Há pequenos grupos de pessoas que ainda crêem na religião dos Reformadores Protestantes e dos Puritanos. Eles crêem que somente a Bíblia é a Palavra de Deus e que ela é, portanto, inerrante; que Jesus Cristo foi uma figura real da história humana, como George Washington ou Abraham Lincoln; que Ele foi o Deus encarnado, nascido da Virgem Maria; que Ele foi crucificado pelos pecados do Seu povo, ressuscitou novamente ao terceiro dia e mais tarde ascendeu ao céu, de onde Ele retornará para julgar os vivos e os mortos. Eles crêem que Cristo morreu para salvar somente o Seu povo, e que Ele, sendo todo-poderoso, realmente lhes salvou tanto do pecado como do inferno. Eles crêem que os homens, sendo pecadores, obtêm uma posição de justiça diante de Deus somente sobre a base da justiça imputada de Cristo, não por alguma coisa que eles tenham feito ou possam fazer, e nem por alguma coisa que Deus tenha feito em suas vidas, nem por quaisquer experiências que eles possam ter tido, mas simplesmente pela obra que Cristo realizou na Terra há dois mil anos atrás.

Em contraste com estes poucos herdeiros da Reforma Protestante, há não somente os 800 milhões de membros da Igreja Católica Romana, mas há também inúmeras igrejas Protestantes que têm repudiado a Reforma com suas afirmações ressoantes de "A Bíblia somente" como a fonte da verdade, "a fé somente" como o meio de justificação diante de Deus, "a graça somente", não o mérito humano, como a razão da salvação do homem, e "Cristo somente" como o provedor desta salvação. Há também grupos tais como a Igreja Mórmon, que reivindica ser cristã; a igreja da Unificação, que reivindica ser cristã, os Cientistas Cristãos, e assim indefinidamente. No século vinte há milhares de grupos diferentes que reivindicam ser cristãos. O que, então, em toda esta confusão, é Cristianismo?

A confusão que pragueja o mundo religioso não é restrita ao significado da palavra cristão. O próprio Evangelho, com o qual todos aqueles que chamam a si mesmos de cristãos deveriam concordar, tornou-se tão confuso pelas opiniões de homens ao ponto de ser quase sem sentido. A antiga Torre de Babel foi substituída pelas torres de rádio e televisão, à medida que dezenas de líderes religiosos ensinam os seus próprios evangelhos nas transmissões de rádio e televisão, todos os dias.

Pat Robertson, como muitos outros líderes religiosos, é chamado de um "evangélico". A palavra tem suas raízes no Novo Testamento Grego, onde o Evangelho é chamado de evaggelion, as Boas Novas. No tempo da Reforma Protestante, no século dezesseis, a palavra evangélica foi aplicada aos Reformadores; porque eles criam e pregavam as Boas Novas, o Evangelho, que Cristo tinha adquirido salvação para o Seu povo, que os homens não precisam e não podem adquirir a salvação por suas próprias obras e experiências, e que estas Boas Novas - este Evangelho - era encontrada na Bíblia somente. A palavra evangélico originalmente significa duas coisas: (1) que a Bíblia, não os líderes da igreja, nem o clero, nem as experiências humanas, é a única fonte da verdade; e (2) que um pecador recebe uma posição de justiça diante de Deus por ter a justiça de Cristo computada em sua conta, através da fé na pessoa e na obra de Cristo. Estas idéias foram expressas em dois slogans: sola Scriptura - Escritura somente - e sola fide - fé somente.

Hoje, contudo, há uma grande quantidade de confusão sobre o que o Evangelho é, e o que um evangélico é, assim como há confusão sobre o que um cristão é. Por causa desta confusão, muitas pessoas, que não crêem no Evangelho, são chamadas de evangélicos. Seria melhor começar a classificar esta confusão esclarecendo algumas das idéias religiosas populares que não são o Evangelho.

Evangelhos Falsificados

O Evangelho não é "Você precisa nascer de novo".

O Evangelho não é "Você precisa ser cheio com o Espírito Santo".

O Evangelho não é "Você precisa ser batizado no Espírito Santo".

O Evangelho não é "Você precisa falar em línguas".

O Evangelho não é "Você pode realizar milagres".

O Evangelho não é "Deixe Jesus entrar em seu coração".

O Evangelho não é "Você deve ter uma relação (ou experiência ou encontro) pessoal com Cristo".

O Evangelho não é "Arrependa-se".

O Evangelho não é "Espere um milagre".

O Evangelho não é "Coloque Jesus no trono de sua vida".

O Evangelho não é "Jesus deixou um exemplo para nós, de forma que podemos segui-Lo até o céu".

O Evangelho não é "Confie em Jesus".

O Evangelho não é "Deixe tudo nas mãos de Deus".

O Evangelho não é "Aproxime-se de Deus".

O Evangelho não é "Cristo morreu por todos os homens e deseja a salvação de todos".

O Evangelho não é "Decida-se por Cristo".

O Evangelho não é "Os cristãos devem dominar a Terra".

O Evangelho não é "Faça de Jesus o Senhor da sua vida".

O Evangelho não é "Jesus está voltando novamente".

Todas estas mensagens, e presumivelmente muitas outras que eu nunca ouvi nem sequer imaginei, estão sendo pregadas dos púlpitos americanos e dos estúdios de televisão como sendo o Evangelho. Algumas poucas delas são mandamentos tomados da Escritura. Mas nenhuma delas é o Evangelho. Nem tudo na Bíblia é o Evangelho. O Evangelho é Boas Novas.

Mas o Evangelho é Boas Novas de uma espécie particular. Não é boas novas sobre o que os cristãos desfrutarão no céu. Não é boas novas sobre o que Deus pode fazer ao mudar sua vida. Não é boas novas sobre o sucesso, prosperidade, saúde, dinheiro e viver poderoso que Deus deseja que você desfrute. Muitas pessoas, como Pat Robertson, confundem o Evangelho com histórias sobre o que Deus tem feito ou pode fazer em suas vidas. Alguém olhará em vão para os livros e panfletos de Pat Robertson em busca de uma apresentação do Evangelho de Jesus Cristo. O que essa pessoa encontrará, ao invés disso, são numerosos relatos de milagres, falar em línguas, e outras experiências religiosas impressionantes e excitantes. Nenhuma dessas coisas é o Evangelho.

Robertson e os carismáticos cometem o mesmo engano que os setenta discípulos cometeram, como Lucas registra no capítulo 10. Deixe-me repetir a história:

“E depois disto designou o Senhor ainda outros setenta, e mandou-os adiante da sua face, de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir ... E voltaram os setenta com alegria, dizendo: Senhor, pelo teu nome, até os demônios se nos sujeitam. E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu. Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum. Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.”

Diferentemente de muitos religiosos que falsamente reivindicam que eles podem realizar milagres divinos, aqui havia setenta homens que podiam verdadeiramente realizar milagres divinos. Deus estava fazendo coisas maravilhosas em suas vidas. Eles tinham domínio até mesmo sobre os demônios. Mas Jesus lhes disse explicitamente, "Não vos alegreis nisto". Cristo lhes deu um mandamento direto e explícito para não se alegrarem em suas próprias experiências - experiências que algumas pessoas hoje promoveriam como "evangelismo de poder" e "cura de poder". Os discípulos estavam se focando em suas próprias experiências, antes do que no que Deus tinha feito desde toda a eternidade e no que Cristo estava para realizar na cruz. Eles estavam se alegrando em suas experiências subjetivas. Mas Cristo lhes disse para regozijarem em algo que eles nunca tinham experimentado, algo que Deus tinha feito totalmente fora deles, mesmo antes deles terem nascido. Ele lhes disse para se regozijarem na doutrina da eleição - que seus nomes estavam escritos nos céus. Que a eleição é permanente: Seus nomes estão escritos. Mas muitos, se não todos, daqueles que estão promovendo curas e milagres hoje, na verdade negam a doutrina da eleição. Eles crêem que o homem é livre do controle de Deus. Portanto, eles não têm nada no que se alegrar, senão nas suas próprias experiências.

A maioria dos livros, artigos, programas de televisão e sermões chamados "evangélicos" consistem de nada mais do que histórias sobre as coisas maravilhosas que Deus está fazendo na vida de uma estrela de cinema, ou na vida de um jogador de futebol, ou do que Ele pode fazer na sua vida. Eles não contêm nem sequer uma ligeira sugestão do Evangelho. É impossível super-enfatizar este ponto. Virtualmente tudo o que é pregado dos púlpitos e dos estúdios de televisão da América, tanto em igrejas conservadoras como liberais, não é o Evangelho. É uma falsificação astuta, e milhões de membros de igreja e espectadores de televisão estão sendo enganados.

O Evangelho de Jesus Cristo

Em contraste com a quase total dependência de Robertson das experiências religiosas subjetivas, o apóstolo Paulo nos diz o que é o Evangelho em 1 Coríntios 15:

“Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis. Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, E que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.”

Este é o Evangelho, e este Evangelho é pregado em mui poucas das assim chamadas igrejas cristãs hoje: Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras, Ele foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.

Por causa da confusão religiosa contemporânea, há vários aspectos do Evangelho de Paulo que demandam elucidação. Primeiro, o Evangelho diz respeito à história, não a uma lenda ou mito. Ele não é, como Pedro diz, "fábulas engenhosamente inventadas". Quando Paulo menciona Jesus Cristo, ele quer dizer uma personalidade histórica real como George Washington ou Julius Caesar. Ele não está falando de um "Cristo" experiencial que imaginamos. Há muitos "Cristos" e "Deuses" diferentes sendo pregados hoje. As palavras Jesus, Cristo e Deus tornaram-se quase sem sentido no século vinte, como temos visto, e a menos que alguém diga exatamente qual "Cristo" ele quer dizer, ninguém, incluindo ele mesmo, não pode saber. Paulo faz isso. Seu Cristo é uma figura histórica, não uma voz, nem uma visão, nem um sonho.

Segundo, o Evangelho diz respeito ao passado, não ao presente ou futuro. É história. O Evangelho não descreve qualquer ação presente ou futura que Deus ou o homem possa fazer. O Evangelho é novas sobre ações que Deus, em Cristo, realizou há 2.000 anos atrás para salvar o Seu povo, ações que são totalmente externas às nossas experiências. Assim como todos os homens foram condenados pelo pecado de Adão, que foi algo totalmente externo à nós, assim também todos do povo escolhido de Deus foram salvos pela obediência de Cristo até a morte, que foi totalmente externa à experiência deles. Assim como o Evangelho é história, e não lenda; e assim como o Evangelho diz respeito ao passado, não ao presente ou futuro; assim também o Evangelho é sobre algo que Deus fez, não algo que devamos ou possamos fazer. Cristo é tanto o autor como o consumador da nossa salvação. Não completamos o que Ele começou; Cristo disse, "Está consumado".

Terceiro, o Evangelho diz respeito ao que Cristo fez pelo Seu povo: Cristo morreu pelos nossos pecados, não pelos pecados de todos no mundo, mas pelos pecados do Seu povo somente. Ele não morreu pelos pecados de Judas, por exemplo, porque Judas foi para o inferno. Se Cristo tivesse morrido pelos pecados de Judas, porque Judas foi para o inferno? Foi por causa da sua incredulidade, por sua falha em "deixar Jesus entrar em seu coração"? Mas a incredulidade e a falha em "aceitar" Cristo são admitidamente pecados, e Cristo, segundo este falso, mas popular evangelho, morreu por todos os pecados de Judas. Assim, a pergunta permanece sem resposta: Se Cristo morreu por todos os homens, porque alguns destes homens são castigados no inferno?

As Escrituras ensinam que Cristo não morreu por todos os homens. Ele veio à Terra para salvar alguns homens, aos quais a Bíblia chama "Seu povo", "as ovelhas", "amigos" e "a igreja", entre outros nomes, e que Ele realmente adquiriu salvação para eles. Ele não veio meramente oferecer salvação a todos os homens e esperar que alguns destes homens aceitariam Sua oferta. Ele veio para salvar o Seu povo, e assim Ele o fez.

O Evangelho é uma mensagem objetiva e histórica. Ele não diz respeito às nossas experiências, de forma alguma. Ele não diz respeito às nossas obras, mas às obras de Deus. Ele não diz respeito aos nossos alegados milagres, mas à morte e ressurreição de Cristo. Regeneração - algumas vezes chamada de novo nascimento - santificação, fé e a Segunda Vinda - são todas conseqüências do que Cristo realizou há 2.000 anos atrás na Judéia. Elas não devem ser confundidas com o Evangelho, porque efeitos não devem ser confundidos com causas.

Todo o Conselho de Deus

Mas há mais no relato de Paulo do Evangelho do que pode parecer numa leitura superficial. O que temos descoberto até agora é totalmente diferente do que se passa por Evangelho nesta era decadente. Mas há muito o que dizer ainda. Paulo usa a frase "segundo as Escrituras" duas vezes neste relato conciso do Evangelho. Seu sumário inteiro do Evangelho usa somente 27 palavras na tradução New King James (e um pouco menos no grego), e seis daquelas palavras (na versão de português) são "segundo as Escrituras...segundo as Escrituras". A frase é obviamente muito importante. Por que Paulo a repete? O que ela significa?

O Evangelho, segundo Paulo, está incorporado numa coisa muito maior: ele está incorporado em todas as Escrituras. Não somente são as Escrituras a única fonte de informação confiável que temos sobre a vida, morte, sepultamento e ressurreição de Cristo, mas somente as Escrituras explicam aqueles eventos. O Evangelho não é meramente que Cristo morreu; assim também aconteceu com Paulo. O Evangelho não é meramente que Ele foi sepultado; assim o foi Abraão. O Evangelho não é meramente que Cristo ressuscitou, pois Lázaro também ressuscitou. O Evangelho é que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras. E que Ele ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras. O Evangelho está de acordo com e é explicado pelas Escrituras, todos os sessenta e seis livros dela. Quando Cristo explicou Sua ressurreição aos discípulos, Ele o fez explicando as Escrituras:

“E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras ... Abriram-se-lhes, então, os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes. E disseram um para o outro: Porventura, não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava e quando nos abria as Escrituras?...Então, abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras.”

Ao enfatizar a frase "segundo as Escrituras", Paulo está enfatizando o fato de que o Evangelho é parte de um sistema de verdade nos dado na Bíblia. Todas as partes deste sistema se encaixam. Todas as declarações da Bíblia são logicamente consistentes umas com as outras. Para dar um único exemplo disto, o nascimento, vida, morte e ressurreição de Cristo cumpriram profecias específicas dadas séculos antes. A cidade exata onde Ele nasceria foi predita centenas de anos antes do Seu nascimento; o fato de que Seu nascimento seria incomum, pois Sua mãe seria uma virgem, foi predito séculos antes do Seu nascimento; Sua morte no meio dos ímpios e Seu sepultamento entre os ricos fora predito; e o próprio Cristo predisse Sua ressurreição. As proposições específicas que Paulo chama de Evangelho em 1 Coríntios 15 não permanecem sozinhas. Elas implicam e são implicadas por muitas outras. A escolha de Deus o Pai daqueles que deveriam ser salvos, o sofrimento do castigo devido à eles, por causa dos seus pecados, por Jesus Cristo no Calvário, e o dom da fé aos eleitos por Deus o Espírito são todos partes do sistema de verdade ensinado na Bíblia. Eles são os três grandes aspectos da redenção: eleição, expiação e fé. E o Evangelho, a doutrina da expiação, é o tema central. É impossível defender o Evangelho, ou mesmo pregar o Evangelho, sem defender e explicar o sistema de verdade do qual ele é uma parte.

As frases enfáticas de Paulo em 1 Coríntios 15 indicam que aqueles que desejam separar o Evangelho do sistema de verdade encontrado na Bíblia não o podem fazer. O Evangelho, embora uma parte distinta do sistema bíblico, é, todavia, uma parte do sistema. Este sistema é totalmente expresso na Escrituras. As proposições que Paulo chama de Evangelho são algumas das proposições da Escritura. Porque o Evangelho é parte do sistema escriturístico de verdade, é impossível defender o Evangelho sem defender todo o sistema. Uma ênfase exclusiva nos "fundamentos" da fé, em vez de uma ênfase em "todo o conselho de Deus", que é a frase que a Bíblia usa, é fútil. Seis ou oito verdades desconexas, mesmo que sejam as doutrinas principais do Cristinianismo, não é todo o conselho do Cristianismo, e não podem ser defendidas eficazmente. O fundamentalismo não oferece nenhuma ameaça às filosofias seculares pois ele é logicamente não-sistemático e desconjuntado, uma mera sombra do robusto Cristianismo que encontramos na Bíblia.

Paulo enfatizou as Escrituras, mas esta ênfase nos escritos não é exclusiva de Paulo. Quando explicando e defendendo o Cristianismo, Cristo sempre apelava às Escrituras, e nunca às Suas próprias experiências. Durante Sua tentação no deserto, Cristo citou a Escritura em resposta a cada uma das tentações do Diabo: "Está escrito", "Está escrito", "Está escrito". O que faz este apelo ainda mais significante é o contexto no qual ele ocorreu. Cristo tinha acabado de ser batizado no rio Jordão por João o Batista. Ele tinha ouvido uma voz do Céu dizendo, "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo". O Espírito Santo tinha descido sobre Ele na forma de uma pomba. Fale sobre estas experiências religiosas! Ninguém mais, nem antes nem depois, teve tais surpreendentes experiências. Todavia, Cristo não disse ao Diabo o que tinha Lhe acontecido, a voz do Céu e a doação do Espírito Santo. Por que não? Por que Cristo ignorou tudo isto e citou o que muitos hoje chamariam de letra morta da Bíblia? Por que Cristo respondeu ao Diabo citando a Escritura ao invés de relatar Suas experiências espirituais recentes e únicas? Porque a Escritura é a palavra escrita objetiva de Deus. A Bíblia, não a nossa experiência, é autoritativa. Se Cristo não apelou à Sua experiência, e ela foi muitíssimo maior do que a experiência que qualquer mero homem possa esperar ter, não há absolutamente nenhuma justificativa para o nosso apelo às nossas miseráveis e possivelmente enganosas experiências.

Era, na verdade, o Diabo que queria que Cristo apelasse às Suas experiências pessoais: Ele queria que Cristo realizasse um milagre; Cristo se recusou. Ele queria que Cristo desse um salto de fé do pináculo do tempo, presumindo que Deus o Pai realizaria um milagre; Cristo se recusou. Ele queria que Cristo O adorasse, evitando os sofrimentos infernais da cruz, e através disso, ganhar domínio sobre todos os reinos do mundo; novamente Cristo se recusou.


O Diabo usou o mesmo apelo à experiência no Jardim, quando ele tentou Eva: ele prometeu à Eva que ela se tornaria como Deus, quando ela comesse o fruto proibido. E Eva "viu que a árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento". Confiando na sua experiência, e buscando uma experiência ainda mais maravilhosa, Eva abandonou a Palavra de Deus. O segredo da resistência intransigente de Cristo à tentação diabólica foi precisamente o fato de que Ele não preferiu as Suas próprias experiências à Palavra de Deus.

O apóstolo Pedro também enfatiza a Palavra escrita de Deus. Ele climatiza seu relato do testemunho concernente à verdade da fé cristã mencionando a Escritura. Em sua segunda carta, Pedro diz,

“Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido. E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte santo; E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações.”

Uns poucos versos antes Pedro tinha escrito que "pelo seu [de Deus] divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude". Por favor, note a frase "todas as coisas". Mais tarde, no mesmo capítulo, Pedro novamente diz que a Escritura é a única forma de termos este conhecimento: a Escritura, a palavra profética tanto mais confirmada, é a luz que brilha em lugar escuro - não num lugar luminoso, nem mesmo num lugar vagamente luminoso, mas num lugar escuro. Não há outras fontes para este conhecimento, incluindo o conhecimento do Evangelho, além das Escrituras. A Bíblia reivindica ter um monopólio da verdade. Os carismáticos, como todas as outras seitas e religiões falsas, negam este monopólio. Eles denigrem a Bíblia e baseiam sua religião nas suas experiências religiosas.

Mas o Evangelho não são relatos das nossas experiências pessoais, nem mandamentos que devamos obedecer. O Evangelho são as Boas Novas do que Cristo fez pelo Seu povo há 2.000 anos atrás. Ele não é sobre o novo nascimento, nem sobre a Segunda Vinda, nem sobre as atividades do Espírito Santo em nossos corações. O Evangelho são proposições sobre eventos históricos que aconteceram totalmente fora de nós. Ele tem conseqüências e implicações para nós hoje, certamente, mas estas conseqüências são efeitos do Evangelho, e não devem ser confundidas com o próprio Evangelho. O erro fatal da Idade das Trevas foi confundir a obra de Deus por nós com a obra de Deus em nós, e assim perverter o Evangelho. O mesmo erro está espalhado entre os assim chamados evangélicos hoje, os quais não distinguem entre o que Cristo fez por nós e o que o Espírito Santo pode fazer em nós. Nós re-entramos rapidamente na Idade das Trevas porque a luz e a clareza do Evangelho se perderam.

Março/Abril 1988

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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 08 de Abril de 2005