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CAPITULO 5 – OS FRUTOS DA QUEDA DO HOMEM

Capitulo 5 no livro DOUTRINA FORTE

OS FRUTOS DA QUEDA DO HOMEM

As Escrituras, a experiência e a observação tornam evidente o fato de que o homem é uma criatura espiritualmente caída, mas grande parte do mundo nega esse fato. Não precisamos nos surpreender com isso, pois os fatos conjuntos tanto da condição caída do homem quanto o seu orgulho fazem com que essa negação seja a reação mais natural a se esperar. Bem disse A. W. Pink:

O antagonismo violento dos homens contra essa verdade é precisamente o que se poderia esperar. Em vez de nos fazer duvidar, devia ser uma confirmação forte. Aliás, seria surpreendente se uma doutrina tão humilhante e desagradável não sofresse resistência. E não precisamos ficar chocados com tamanho repúdio desta doutrina entre os pregadores e os cristãos professos. — Gleanings from the Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das Escrituras: A Depravação Total do Homem), p. 135. Moody Press, Chic¬ago, 1969.

Muitas passagens da Bíblia declaram o fato da natureza do homem sendo totalmente depravada, e escolhemos apenas uma como o ponto de partida ao considerarmos os frutos que a queda do homem no pecado produziu: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniqüidade; não há ninguém que faça o bem. Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um” (Salmos 53:1-3). Declara-se seis vezes que não há nada de bom no homem, e essa passagem não é a única que dá esse ensino, pois é repetido quase que literalmente em duas outras passagens, uma das quais é Romanos 3:19 28, que até fortalece essa declaração. Não só isso, mas muitas, muitas outras passagens ensinam a mesma coisa em outras palavras.

Essa passagem faz uma descrição do “néscio”, ou aquele que é espiritualmente ateu; mas uma atenção maior ao contexto revela que a referência não é tanto aos que verbalmente negam a existência de Deus quanto é aos que, mediante suas vidas, na prática negam a existência de Deus. Assim, essa passagem se refere a um ateísmo na prática em vez de um ateísmo verbal. A. W. Pink disse de modo bem incisivo que:

Um ateu não é só aquele que nega a existência de Deus, mas também aquele que deixa de render a Deus a honra e submissão que Lhe são devidas. Assim existe um ateísmo na prática bem como um ateísmo teórico. O ateísmo na prática existe onde não há genuíno respeito à autoridade de Deus e nenhum interesse na Sua glória… Poucos são os que reconhecem e compreendem o fato de que todas as impiedades exteriores são manifestações de um ateísmo interior. Contudo, tal é a realidade. Assim como as inflamações físicas evidenciam impureza no sangue, assim também as ações demonstram a corrupção da natureza humana… O ateísmo na prática consiste no total desprezo a Deus, conduzindo-nos como se não existisse ninguém infinitamente acima de nós que tem direito absoluto de nos governar, a quem temos de prestar plenamente contas de tudo o que fizemos e deixamos de fazer, e quem declarará sentença de juízo eterno sobre nós. — Gleanings from the Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das Escrituras: A Depravação Total do Homem), pp. 109, 110. Moody Press, Chic¬ago, 1969.

Essa atitude para com Deus é conseqüência da natureza caída do homem, e há somente uma coisa que pode mudá-la — a própria natureza caída tem de ser transformada numa nova natureza. Não nos enganemos: o ensino da depravação total do homem não é um doutrina que algum pregador inventou de sua própria imaginação, e também não é pronunciamento solene de igrejas; esse ensino é o ponto de vista de Deus acerca do homem, e é uma declaração infalível que se deve aceitar sem questionamento. Ter outra atitude é se colocar na categoria de rebelde consumado contra o próprio Deus.

Mas neste momento não desejamos examinar a depravação total do homem tanto quanto os seus frutos, embora os próprios frutos nos darão uma visão completa da depravação. Observamos primeiramente que havia uma natureza caída e depravada que ocorreu como conseqüência da queda. Já estudamos esse assunto em nosso estudo sobre o Pecado Original, e assim basta-nos citar a seguinte declaração de E. G. Robinson:

As conseqüências da queda do homem são às vezes divididas nas conseqüências que sobrevieram imediatamente aos nossos primeiros ancestrais, e as conseqüências que sobrevieram aos seus descendentes; mas o que quer que tenha sobrevindo aos progenitores da raça humana, seus descendentes herdaram. Com a queda, perdeu-se a justiça original que (não fosse por essa queda) teria sido o direito de nascença de todos os membros da raça humana, e em seu lugar incorreram males específicos, que a todos têm sido uma herança maldita. — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 128. Press of R. R. Andrews, Rochester, W. Y., 1894.

Observamos que houve:

I. SUJEIÇÃO À MORTE.

Antes que participasse do fruto proibido, o homem havia sido seriamente avisado de que a morte seria a conseqüência do ato de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17). Acerca disso, E. G. Robinson faz o seguinte comentário:

Quais foram as conseqüências da Queda? Recorrendo às Escrituras, vemos que a conseqüência especial da desobediência, acerca da qual (de acordo com Gênesis 2:17) um aviso particular havia sido dado, e que as Escrituras (em Romanos 5:12, 14 e 1 Coríntios 15:22) afirmam realmente incorreu, foi a morte. Adão e a morte estão tão intima e constantemente associados no Novo Testamento a fim de ensinar, sem deixar dúvida alguma, que a morte é a conseqüência principal de sua queda. Mas a palavra morte tem pelo menos dois significados nas Escrituras; o primeiro, o de separação da alma do corpo; o segundo; a separação da alma de Deus. Em que sentido da palavra a morte é, como a grande penalidade pelo pecado, conseqüência da queda? De forma proeminente, embora não exclusiva, pensamos na segunda opção. — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 129. Press of E. R. Andrews, Rochester, N. Y., 1894.

A. W. Pink vê na ameaça feita contra o ato de comer do fruto proibido um sentido triplo da palavra “morte”, pois ele diz:

Quando Deus disse a Adão, “No dia em que dela comeres, certamente morrerás”, Ele quis dizer, em primeiro lugar, morte espiritual, isto é, estar separado da fonte da vida divina. Em segundo lugar, no devido curso do tempo, morte física: o corpo irá apodrecer e voltar ao pó. Em terceiro lugar, morte eterna, sofrer “a segunda morte” (Apocalipse 20:14), ser lançado ao fogo, ali para sofrer para sempre. — Gleanings from the Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das Escrituras: A Depravação Total do Homem), p. 48. Moody Press, Chic¬ago, 1969.

No entanto, não cremos que todas essas três mortes estavam envolvidas na ameaça, pois embora sem a menor sombra de dúvida todas essas três mortes fossem conseqüência da queda do homem, porém apenas uma delas era a conseqüência imediata da transgressão de Adão. A ameaça era que “no dia em que dela comeres, certamente morrerás”, mas Adão não morreu fisicamente naquele dia, nem sofreu a segunda morte “naquele dia”. Ele morreu espiritualmente, e se colocou imediatamente debaixo da maldição por quebrar a lei, mas sua eventual morte física foi em vez disso uma conseqüência do outro sentido das palavras e há indicação de que tanto Adão quanto Eva foram redimidos pelo Senhor, e assim nunca entraram naquele estado da “segunda morte”. Tal redenção é tipificada nas vestes de pele que o Senhor fez para eles.

É óbvio que a morte física não é principalmente uma parte da maldição desta lei ofendida, pois compreendemos que incontáveis milhões de pessoas salvas têm se encontrado calmamente com a morte física sem medo ou angústia mental de qualquer espécie. Elas puderam ter esse encontro pacífico porque a salvação removeu a condição de morte espiritual e maldição divina, e assim puderam sem medo se encontrar face a face com Deus na morte. A morte física para as pessoas salvas, longe de ser algo horrendo, é mencionada apenas como “sono” (veja João 11:11; Atos 7:60; 1 Tessalonicenses 4:14; 5:9 10, e outras passagens). Dr. Robinson observa:

Cristo não salva ninguém, e não prometeu salvar ninguém, da morte física, embora tivesse vindo para destruir a morte, a conseqüência do pecado, destruindo o próprio pecado. A salvação que ele concede a todo crente corresponde à ruína da queda, mas não ao ponto de livrar alguém da morte física. Se a morte terrena ou física tivesse sido a pena específica pelo pecado, então a morte literal de Cristo deveria ter destruído a pena, caso contrário à salvação que ele proporciona não é a restauração de algo perdido, mas a concessão de algo totalmente suplementar aos dons originais do homem. — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 131. Press of E. R. Andrews, Rochester, N. Y., 1894.

O que torna a morte tão horrível é a ignorância do que vem depois dela, ou pelo contrário, o conhecimento que depois dela existe a ira de um Deus ofendido, com o qual o pecador não reconciliado não está preparado para se encontrar sem ser imediatamente e eternamente condenado ao tormento. Em si, a morte física é uma questão de pouca importância, pois é só um portal mediante o qual alguém passa de uma esfera de vida para outra. W. N. Clarke comenta acerca da morte física:

O evento que assim termina a morte terrena efetua a eliminação da pessoa viva para uma vida além. O espírito deixa o corpo material, mas continua vivendo, e entra em novas cenas de ação. Se olharmos para o passado, a morte é o fim de uma carreira; se olharmos para o futuro, é o começo de uma carreira; mas na verdade a morte não é nem o fim nem o começo, porém um evento numa carreira, uma experiência de vida. — Outline of Christian Theology (Esboço da Teologia Cristã), p. 449. T. e T. Clark, Edinburgh, 1905.

Portanto, a primeira e principal conseqüência da queda do homem foi que ele se tornou sujeito à morte: isto é, ele imediatamente se tornou uma pessoa espiritualmente morta e conseqüentemente sujeita à ira de um Deus santo. Esse é o pensamento que está em Ezequiel 18:4, 20: “A alma que pecar, essa morrerá”. Aí, a morte que se menciona não é o falecimento do corpo, mas uma ira que cai na alma pecadora, e é assim que tem de ser, pois a alma é onde o pecado habita, e é o fator controlador num indivíduo, pois embora o corpo tenha suas próprias inclinações ao pecado, porém na pessoa cuja alma foi salva o corpo pode ser sujeito à natureza espiritual e suas tendências pecadoras podem ser controladas em grande escala. Mas o indivíduo não salvo se guia pelos sentimentos e desejos de sua alma, isto é, ele está debaixo do domínio completo dessa alma espiritualmente morta e conseqüentemente está debaixo da ira que era resultado da ameaça pela transgressão dessa primeira lei. Veja 1 Coríntios 2:14; Tiago 3:15; e Judas 19 onde “natural”, “animal” e “sensual” literalmente são “natureza da alma”.

Conforme já dissemos, a morte física não foi a coisa principal em Gênesis 2:17; apesar disso, é uma conseqüência da condição caída do homem, pois Gênesis 3:19 prediz de modo explícito a morte física: “No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás”. Assim declara-se que a morte é prova de uma participação universal no pecado de Adão, pois Romanos 5:12 diz: “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”.

Muitos se esforçam para eliminar a morte de sua conexão com o pecado dizendo que tal não pode ser o caso, pois bebês que jamais fizeram nada de bom ou ruim estão apesar disso sujeitos à morte. Mas a aceitação literal de Romanos 5:12 mostra com clareza o motivo por que todos os homens sem exceção estão sujeitos à morte: eles estavam todos em Adão quando ele pecou, e todos participaram naquele pecado com ele. Toda a humanidade estava em Adão de duas maneiras quando ele pecou: (1) Eles estavam nele — para ser mais exato, na semente dele —, pois ele era o cabeça da raça humana, e toda a humanidade descende dele. Não basta dizer que nenhum homem pode agir pelos outros sem o consentimento deles, pois as Escrituras muitas vezes apresentam os homens como agindo pela sua posteridade que nem ainda havia nascido, bem como por suas famílias próximas. Então, (2) Todos os homens estavam em Adão de modo representativo, pois ele não só era o cabeça natural da raça humana, mas também o cabeça central. Acerca disso fala Samuel Baird:

Com a frase, cabeça da aliança, não queremos dizer que Adão foi pela aliança transformado a ser o cabeça da raça; mas que, por ser sua cabeça, por virtude da natureza com a qual Deus o dotou, ele permanecia como tal na aliança… Adão foi assim constituído, e a aliança foi gravada em seu coração e natureza, já que ele era o progenitor, o pai da raça… Em todas as relações de Deus com Adão ele é visto e tratado não como meramente um indivíduo, mas representativo em sua pessoa todos os homens. Assim foi quando ele recebeu a imagem de Deus, e quando recebeu o nome de “Adão” — um nome não só adequado à sua pessoa, mas também na Bíblia constantemente reconhecido e usado como o nome genérico da raça humana. De modo que, de fato, quando dizemos que Deus fez uma aliança com Adão, equivale, pela própria força dos termos, a dizer que a aliança foi feita com a raça humana. — The Elohim Revealed (A Revelação de Elohim), pp. 305-307. Lindsay and Blakiston, Philadelphia, 1860.

Alguns não aceitam que as pessoas tenham de prestar contas pela queda do homem em Adão, e não querem que Adão as represente nesse assunto; mas certamente o que dá origem a essa objeção é a ignorância e o orgulho. Ignorância, pelo fato de que não se percebe que cada um e todos os descendentes de Adão estavam verdadeiramente nele em seu pecado, e agiram em e com ele quando ele transgrediu o mandamento de Deus; e orgulho, pelo fato de que se presume que nós teríamos agido de modo diferente se Deus tivesse nos oferecido a mesma oportunidade que Adão teve; mas Adão era um homem perfeito sem nenhuma inclinação natural ao mal, ele vivia num ambiente perfeito, sem que lhe faltasse nada que alguém pudesse desejar, a não ser que ele desejasse usurpar o próprio trono de Deus, e com um conhecimento perfeito da vontade de Deus, no que se referia a ele pessoalmente; mas seus sentimentos o levaram a desejar aquilo que não era lícito, e ele pecou em seu esforço para pegá-lo. Ora, ninguém desde Adão teve tão bom preparo para suportar com sucesso uma provação, e com certeza ninguém teria feito melhor do que Adão. Baird de novo diz bem:

Portanto, fazer objeção à transação positiva entre Deus e Adão é se queixar de que Deus não nos deu inumeráveis chances de cair, em vez de uma; pois o único efeito dessa transação era garantir a confirmação e vida eterna ao homem, com a condição da obediência temporária de Adão; em vez de a raça humana ser mantida em provação eterna, em Adão e em si mesmos. Queixar-se de ser responsável pelo pecado de Adão é fazer objeção a um estado de mínima obediência; pois, em qualquer caso, o pecado de Adão foi nosso pecado; as forças que estão em nós, — a natureza que herdamos dele é a própria natureza que, nele, se rebelou; — a mesma, não meramente em espécie, — mas como fluindo continuamente dele para nós. — The Elohim Revealed (A Revelação de Elohim), pp. 301 302. Lindsay and Blakiston, Philadelphia, 1860.

Adão, como representante da raça humana inteira, pecou e levou todos ao estado de sujeição à morte — não há dúvida nenhuma quanto a isso; mas ninguém poderia ter feito melhor do que ele, e a maioria teria feito infinitamente pior, e assim é melhor passar pela provação, e continuar com o bendito programa redentivo do Senhor, do que prolongar o assunto com inúmeras provações inúteis, cada um das quais tem, na natureza do caso, de terminar essencialmente do mesmo jeito.

Essa sujeição à morte que resultou da queda de Adão é uma coisa ruim apenas se rejeitarmos a solução que Deus deu; caso contrário, o homem caído ganha muito mais com a redenção de Cristo do que chegou a perder com a queda. Outro fruto da queda foi

II. ESCRAVIDÃO AO PECADO.

O pecado possui uma natureza escravizadora natural, e escraviza gradualmente de tal maneira que poucos percebem sua verdadeira natureza até que se torne tão firmemente estabelecido e tão tirânico que não haja nenhuma esperança humana de escapar. Note suas manobras progressivas conforme declara Tiago 1:14 15: “Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”. A tentação em si não é pecado se houver resistência, mas logo que alguém cede a uma sedução do pecado, ele se torna culpado de concupiscência, que, por sua vez, produz a real obra do pecado, e isso, por sua vez, quando atinge seu objetivo produz morte.

O que indica essa natureza escravizadora do pecado é o fato de que o pecado “reina” sobre os homens que cedem a ele, e isso é tudo o que é necessário para que alguém se torne escravizado pelo pecado. Aliás, a própria natureza do homem é tal que ele recebe de seu pai Adão uma natureza que já é escrava do pecado, mas a medida que cada pessoa atinge os anos de razão e responsabilidade, ela ratifica a transgressão de Adão pelas suas próprias ações, e forja correntes mais fortes de escravidão para si. “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; Nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniqüidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça” (Romanos 6:12-13). Alguns traduzem o versículo 12, “Não permita que o pecado se estabeleça sobre vocês como rei”, que salienta de modo mais forte o fato da escravidão do pecado.

Alguns cristãos professos afirmam que atingiram tal nível de santificação a ponto de não mais serem amarrados ou sujeitos ao pecado, e há os que negam a realidade do pecado, mas o próprio fato de que a morte reinou de modo universal sobre os homens desde a queda de Adão é evidência da escravidão universal do pecado. O dia em que qualquer pessoa atingir um estado de absoluta ausência do pecado, ela terá passado além da possibilidade de morrer. “Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir” (Romanos 5:13-14). O propósito do apóstolo ao fazer essa declaração era refutar as afirmações de alguns que diziam que pelo fato de que a lei escrita só foi dada muitos séculos depois de Adão, então aqueles que viviam antes da entrega da lei não eram acusados de pecado. Paulo confessa que o pecado não é imputado ou acusado no caso dos que não têm nenhuma lei, mas então ele diz, “No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés”, com o que ele mostra que o pecado não foi imputado, caso contrário eles não teriam morrido. Por isso, de alguma forma todos eles tinham a lei.

Esse mesmo princípio é válido também hoje, e prova a escravidão universal dos homens ao pecado, pois se o pecado não fosse imputado aos pagãos nos cantos escuros do mundo, eles não morreriam, mas eles morrem tão certamente como o pecador mais iluminado da nação mais iluminada do mundo.

Há muitas passagens das Escrituras que falam da escravidão do homem ao pecado desde seu próprio nascimento — aliás, até mesmo desde sua própria concepção; assim, Davi diz: “Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmo 51:5). “Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras” (Salmos 58:3). “Prometendo-lhes liberdade, sendo eles mesmos servos da corrupção. Porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo” (2 Pedro 2:19). “Na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8:21). Nesse último versículo, há a indicação de que os filhos de Deus estavam no passado nessa escravidão de corrupção, mas estão agora livres dela para a mesma condição que a criação inteira agora espera com expectação, (versículo 22). “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também” (Efésios 2:1-3).

Poderia-se citar muitos outros versículos no mesmo sentido, de que o homem é por natureza uma criatura caída e pecadora, escravizado à sua própria corrupção, mas o que é ainda pior do que a própria escravidão é o fato de que o homem é incapaz de quebrar seus grilhões e se libertar de sua escravidão ao pecado. E por natureza ele não tem desejo algum de se libertar.

As operações da graça divina preservam nos crentes uma vontade constante e geralmente predominante de fazer o bem, apesar do poder e eficácia do pecado residente ao contrário. Mas a vontade nos não salvos está completamente debaixo do poder do pecado — a vontade deles de pecar jamais é retirada. A educação, a religião e as convicções de consciência podem inibir os descrentes de pecar, mas eles não têm nenhuma inclinação espiritual de vontade para fazer aquilo que é agradável a Deus. — A. W Pink, Gleanings From The Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das Escrituras: A Depravação Total do Homem), p. 253. Moody Press, Chicago, 1969.

É nesse ponto que quase todas as religiões mundiais estão erradas, pois geralmente ensinam que o homem tem a capacidade de realizar algum bem, e assim que ele pode acabar se libertando, ou no máximo que ele só precisa de uma pequena ajuda para se soltar de sua escravidão.

Mas conforme já notamos, o Salmo 53:1-3 contém seis (ou talvez até mesmo sete) declarações da ausência total de qualquer bondade espiritual, e da saturação total da natureza de pecado em todos os filhos de Adão; assim, tanto do lado negativo quanto do positivo, o homem é totalmente incapaz de se livrar da contínua e crescente escravidão do pecado. Só um homem desonesto irá negar que ele é culpado de algum pecado; o Senhor Jesus disse: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado” (João 8:34). Aí a palavra “servo” (grego doulos) poderia ser melhor traduzida “escravo”, pois a palavra se refere a alguém que nasceu na escravidão, em oposição a alguém que tenha sido tomado cativo na guerra (Liddell and Scott, Abridged Greek Lexicon [Léxico Grego Abreviado], Economy Book House, New York, 1901.). E Paulo declarou: “Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça?” (Romanos 6:16). Baird diz:

Tal era o caso com Adão. Não só ele transgrediu o mandamento de seu Criador — não só violou a lei da justiça — mas, ao assim agir, ele se distanciou de Deus, numa revolta que abrangeu sua natureza inteira, impregnou seu ser todo e permeou qualquer força. Ao entrar na prova, ele gozava perfeita liberdade moral. Ele tinha força e liberdade para escolher santidade ou pecado, para adotar o mal ou o bem. Com sua apostasia, ele se submeteu a uma absoluta tirania de corrupção, uma escravidão muitíssimo humilhante ao pecado. De modo que agora, não mais em condições de escolher o bem ou praticar a justiça, ele estava livre apenas para o mal, e livre para ser conduzido cativo em correntes de inimizade a Deus, para cometer maldade com avidez. — The Elohim Revealed (A Revelação de Elohim), p. 396. Lindsay and Blakiston, Philadelphia, 1860.

Tal escravidão, ao prender o homem em seus pecados, não é uma condição da qual o homem possa sair por esforço ou dinheiro, pois: “Nenhum deles de modo algum pode remir a seu irmão, ou dar a Deus o resgate dele (Pois a redenção da sua alma é caríssima, e cessará para sempre), Para que viva para sempre, e não veja corrupção” (Salmo 49:7-9). Enquanto estava ensinando Seus discípulos acerca da necessidade de eles perdoarem os outros homens, Jesus casualmente ilustrou a impossibilidade de o homem chegar a ter condições de saldar sua dívida de pecado diante de Deus, e efetuar sua liberdade da escravidão ao pecado (Mateus 18:23 35). O ponto importante que desejamos notar é a dívida incalculável que o primeiro servo devia: eram dez mil talentos — uma quantia aproximadamente igual a quinze milhões de dólares em nossa moeda atual, mas com o poder aquisitivo daquela época quando o salário do dia era apenas um centavo (Mateus 20:2), a quantia é estupenda. Contudo, esse servo infiel tinha o orgulho de pensar que ele poderia, através de súplica, se livrar da dívida se ele recebesse tempo suficiente (versículo 26). Ele não conseguia compreender que só os juros sobre essa quantia seriam mais do ele poderia ganhar em dez vidas, pois os juros diários em sete por cento seriam mais de $2,800. De novo, ele não deu atenção ao fato de que como servo de seu mestre, qualquer que fosse a quantia que ele ganhasse, já pertencia por direito ao seu mestre, pois ele era sua propriedade. A parábola, em continuação, mostra que os homens têm um padrão pelo qual julgam os outros, diferente do padrão pelo qual eles mesmos querem ser julgados.

Essa parábola mostra a impossibilidade de qualquer pecador chegar a saldar sua dívida de pecado e se ver livre da escravidão ao pecado pelas simples razões: (1) Que ele não pode fazer expiação pelos pecados passados porque todas as boas obras e serviço que ele poderia render a Deus no futuro já eram exigidos dele de acordo com o que ele deve a Deus. (2) Ele acumula novos pecados infinitamente mais rápido do que ele se livra dos velhos pecados. (3) Toda boa (?) obra que ele faz perde qualquer valor que poderia ter tido quando ele a faz a partir de um motivo egoísta, que é sempre o caso se ele a faz na esperança de se justificar com boas obras. Só aquelas coisas que são feita por puro amor a Deus encontram aceitação diante de Deus. (4) Todas as obras do mundo não poderão mudar a natureza pecadora do homem, que é a fonte de todos os seus atos de pecado. O pecado do homem é principalmente uma questão da natureza, não de ações: as ações são apenas frutos do pecado como uma natureza. Na parábola, o mestre reconheceu que o primeiro servo era basicamente de uma natureza totalmente egoísta que era irremediável.

O pecado, antes que possa ser remediado, tem de ser reconhecido pelo que é — um grande mal — e pior, um mal progressivo; nunca fica melhor, exceto quando a graça intervém para desarraigar-lo da alma. Como a escravidão ao álcool, que é uma de suas manifestações, o pecado nunca manifesta sua natureza tirânica até que esteja estabelecido com tanta firmeza que não se possa vencê-lo e expulsá-lo mediante a força humana. Paulo assemelha a aliança das obras numa alegoria do filho que Abraão gerou da escrava egípcia quando diz: “O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós” (Gálatas 4:24-26).

Ismael nasceu de uma escrava. Portanto, ele jamais poderia ser qualquer outra coisa além de escravo, e assim são todos os que estão debaixo da aliança das obras; o esforço para guardar a lei só leva alguém a uma escravidão mais profunda, não só por causa da fraqueza da carne, mas também por causa da pecaminosidade natural do homem. O homem não pode de modo firme, contínuo e completo guardar a lei de Deus, porque ele está escravizado ao pecado.

III. CEGUEIRA ESPIRITUAL.

Essa cegueira spiritual é declarada no Salmo 53:2 3: “Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens [literalmente ‘filhos de Adão’], para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um”. Assim, essa passagem não só declara que o homem não tem nenhum entendimento espiritual, mas também que esse estado é uma ignorância por vontade própria. Isso não é dizer que os homens não têm uma sabedoria mundana; isso eles têm, mas é uma sabedoria na maldade: “Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios, e não entendidos; são sábios para fazer mal, mas não sabem fazer o bem” (Jeremias 4:22). “…os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz” (Lucas 16:8).

O mundo dá uma olhada em seus avanços nas esferas intelectuais e científicas, e considera esses avanços como sabedoria; assim, julga-se a mais sábia geração a existir, mas não consegue compreender que a verdadeira sabedoria não está nessas coisas, porém no temor reverencial do Senhor: “O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência” (Provérbios 9:10). Vezes sem número o mundo faz de seus avanços intelectuais e científicos desculpa para sua impiedade e meio para se rebelar mais contra Deus. “Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:21-22). “…não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Coríntios 1:20-21).

Essas Escrituras deixam abundantemente claro que o mundo jamais consegue achar Deus, nem se salvar mediante sua própria sabedoria; só dá para se ter a salvação por uma experiência que o mundo considera tolice, pois “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes” (1 Coríntios 1:27), de modo que toda a glória na salvação do homem seja dada a Ele, a quem é devida. Mas por que o homem não consegue entender essas coisas com a capacidade da mente natural? Simplesmente porque ele é cego espiritualmente, e só é possível entender essas coisas espiritualmente. “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2:14).

Declara-se essa cegueira espiritual em 2 Coríntios 4:3 4: “Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto. Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus”. O próprio fato da condição caída e perdida do homem o torna incapaz de entender as verdades espirituais do evangelho, pois Satanás tem liberdade de cegar as mentes de modo que as verdades espirituais pareçam ilógicas, irracionais e completamente tolas para o homem que não foi renovado. Remove-se essa cegueira espiritual com a renovação que ocorre na mente durante a salvação, conforme está escrito: “Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; E vos renoveis no espírito da vossa mente; E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade” (Efésios 4:22-24). “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3:9-10).

Essa cegueira, porém, está sujeita à intensificação à medida que o indivíduo ouve e rejeita a verdade, pois tal descrença dá ao diabo uma vantagem por meio da qual ele pode escurecer ainda mais a mente, e endurecê-la contra a verdade. Aliás, o próprio pecado tem um efeito cegador subjetivo sobre o indivíduo, conforme está escrito: “E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; Os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza” (Efésios 4:17-19). O termo “dureza do seu coração” é a condição dele por natureza por causa da queda, e como conseqüência disso, a caminhada diária deles é “na vaidade da sua mente, entenebrecidos no entendimento”. Uma piora nessa triste condição é quando eles “se entregaram à dissolução” para cometer o mal sem inibições.

O crente fica muitas vezes maravilhado e chocado com o fato de que as pessoas não salvas não consigam ver o perigo em que estão, e que elas não aceitarão o testemunho de pessoas salvas, mas isso não é tão difícil de entender se aceitarmos as declarações das Escrituras do que sobreveio à humanidade como conseqüência do pecado de Adão. A.W. Pink bem disse:

A mente é aquela faculdade da alma pela qual primeiro se conhece e se compreende os objetos e as coisas. Ao distinguir o entendimento da mente, a mente é aquilo que pesa, discrimina e determina, julgando entre os conceitos formados no entendimento, sendo o guia da alma, escolhendo e rejeitando aquelas noções que a mente recebeu. O pecado desajustou tanto um como o outro, pois lemos que “os seus sentidos foram endurecidos” (2 Coríntios 3:14) e “entenebrecidos no entendimento” (Efésios 4:18). ‘A queda fechou totalmente as janelas da alma do homem’, mas ele não está ciente disso; aliás, ele nega isso de modo enfático. — Gleanings From The Scriptures: Man’s To¬tal Depravity (Coletâneas das Escrituras: a Depravação Total do Homem), p. 137. Moody Press, Chicago, 1969.

Num sentido bem real, o individuo perdido é mentalmente endoidado, e não consegue pensar direito acerca das coisas espirituais, pois o pecado tanto cegou quanto escureceu seu raciocínio; assim está escrito: “Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados” (Tito 1:15). E de novo: “Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Provérbios 14:12). E mais uma vez: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2:14). Nessa última passagem, a palavra “natural” mostra que essa é uma condição de todo indivíduo ao vir ao mundo, e até que a graça o transforme; ele não tem de cometer algum pecado grande e horrenda a fim de cair nessa condição; ele está nessa condição por seu nascimento numa humanidade caída. Pelo fato de que as faculdades intelectuais do homem natural estão dementes pela queda, ele é cego para a verdade espiritual, que só se pode discernir (julgar ou examinar) espiritualmente. Muitos pregadores estão nessa própria condição.

Sem dúvida aqui está a explicação da grande ignorância espiritual que está presentemente no mundo: os púlpitos em todo o país estão cheios, em grande parte, de ministrantes religiosos que estão tão espiritualmente cegos como aqueles aos quais eles tentam ministrar. Acerca deles Jesus disse: “Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova” (Mateus 15:14). Um homem tem de estar em condições de ver antes de poder liderar outro, e isso se aplica com igual ou até maior força em questões espirituais.

Mas essa cegueira spiritual não se restringe apenas à mente do homem, pois também envolve uma cegueira do coração: “Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração” (Efésios 4:18). Aliás, com isso pareceria que a cegueira intelectual é conseqüência direta da cegueira do coração; e é verdade que a coisa que alguém ama tem muito a ver com o modo como ele pensa acerca dessa coisa, e todas as outras coisas relacionadas com ela. O amor do homem pelo pecado é a causa de ele negar Deus e se rebelar contra Ele; logo que o coração do homem é consertado das devastações do pecado ele amará a Deus, exatamente como ele foi criado para fazer desde o começo. A atual condição do coração do homem se declara em Jeremias 17:9: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” de modo que precisa ser radicalmente transformado antes que seja capaz de amar e servir a Deus. A solução de Deus à necessidade do homem é assim declarada: “E lhes darei um só coração, e um espírito novo porei dentro deles; e tirarei da sua carne o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne” (Ezequiel 11:19).

Com isso, Deus remove a cegueira do coração que tem um efeito direto na cegueira do intelecto, de modo que na salvação Deus remove a cegueira espiritual do homem, e lhe dá a capacidade de ver e entender a verdade espiritual.

IV. A ESCRAVIDÃO AO DIABO.

O próprio Satanás caiu em pecado por causa de uma ambição profana de ser “semelhante ao Altíssimo” (Isaías 14:14), e essa ambição é uma de suas iscas favoritas para apanhar em armadilha os homens e torná-los escravos dele. Note a semelhança com as próprias ambições profanas dele quando ele tentou Eva dizendo: “sereis como Deus” (Gênesis 3:5). Até hoje, Satanás ainda sugere coisas proibidas diante dos olhos dos homens a fim de escravizá-los a si, mas de acordo com sua natureza, ele sempre adultera essas coisas para o homem, pois “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira” (João 8:44). É isso o que torna tolice do pior tipo debater ou argumentar qualquer assunto com o diabo, pois ele é o mestre do engano e das mentiras, e enganará quem quer que lhe dê atenção a fim de que ele os torne seus escravos.

E a coisa trágica é que a isca que ele usa para apanhar as pessoas em armadilha é sempre alguma bugiganga ou quinquilharia inútil deste mundo. Diz-se que os macacos são às vezes apanhados na selva com um alimento colocado dentro de um jarro com boca estreita. Esse jarro é preso ao chão de modo bem firme. Os macacos, vendo a comida no jarro, enfiarão o braço lá dentro e agarrarão o alimento, mas não poderão retirar o alimento com a mão fechada em volta do alimento. A ganância deles os faz recusar soltar o alimento, e assim eles são facilmente capturados enquanto estão por ganância agarrados ao alimento. Essa é uma ilustração apropriada de como Satanás escraviza os homens a si, pois ele os seduz com alguma bugiganga ou quinquilharia deste mundo, que eles por ganância agarram e não querem soltar, e assim são apanhados na armadilha de pecados maiores.

Contudo, a fim de não darmos uma idéia errada, vamos sem demora dizer que tal tentação como a que citamos acima não é a primeira entrada do pecado na alma do homem, pois o homem é por natureza uma criatura caída com uma alma que foi corrompida pelo pecado. Essa natureza caída é o que torna o homem tão prontamente um bobo diante dos enganos do diabo, e assim sua escravidão a Satanás é simplesmente conseqüência e resultado natural de sua natureza caída. Quando o primeiro casal confiou na primeira mentira, a conseqüência foi um estado de escravidão sobre toda a humanidade, porque toda a humanidade estava no primeiro casal, e pecou em e com eles, mas todos os descendentes de Adão e Eva ratificam a primeira transgressão na primeira oportunidade, e continuam a pecar em cada oportunidade subseqüente. Se assim não fosse, imediatamente nos separaríamos de Adão e seu pecado, e não mais seguiríamos seu exemplo.

O fato de que a natureza pecadora do homem é conseqüência direta da transgressão de Adão não faz, no mais leve grau, com que o pecado seja menos seu, nem o deixa menos digno de culpa. Isso é claro não só a partir da justiça do princípio da representação (Adão atuando como nossa cabeça suprema), mas também a partir do fato de que cada um de nós aprova a transgressão de Adão ao imitar seu exemplo, juntando-nos com ele na rebelião contra Deus. O fato de que continuamos a quebrar o pacto das obras e a desobedecer à lei divina demonstra que somos com justiça condenados com Adão. Cada descendente de Adão é duplamente culpado, porque voluntariamente prolonga e perpetua em si a inclinação má originada por seus primeiros pais. Se não, por que não repudiamos Adão e recusamos pecar com resolução — em oposição a ele — e nos santificamos? Se sentimos ressentimento de nosso estado de corrupção através de Adão, por que não quebramos o envolvimento do pecado? — A. W. Pink, Gleanings From The Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das Escrituras: a Depravação Total do Homem), pp. 244 245. Moody Press, Chicago, 1969

O fato de que não repudiamos o pecado, mas temos prazer em continuar nele, é evidência de que temos a mesma natureza caída que Adão tinha depois de sua transgressão, e que conseqüentemente estamos também na mesma escravidão a Satanás em que Adão estava. Essa é a condição natural do homem, e só uma mudança radical realizada no homem por um poder fora e acima dele poderá soltá-lo dessa escravidão a Satanás. O texto que prova que o homem está nessa condição é Efésios 2:1 3: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”. Declara-se a universalidade dessa condição em 1 João 5:19: “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno”. Notar-se-á aqui que há um contraste entre os crentes e o resto do mundo, e eles são de modo específico excluídos da mesma condição em que está o resto do mundo. A explicação para essa diferença é mostrada em Colossenses 1:13: “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”.

Mediante o poder de Deus, e por causa da obra expiatória de Jesus Cristo, os homens são libertos da escravidão a Satanás, e de seu reino, e eles são trasladados para o reino do Filho de Deus; essa é uma obra que o homem natural não pode fazer por si, conforme é evidente em 2 Timóteo 2:26: “E tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos”. Por mais que tente, o homem natural não pode se libertar por seu próprio esforço. Tentar se libertar é como um homem se mexendo numa areia movediça, onde ele só afunda mais e mais com seus esforços, pois enquanto ele confia em sua própria força e rejeita Jesus Cristo, ele cai mais plenamente no poder do maligno.

Nessa questão a vontade humana não vale nada; o homem pode se gabar o quanto quiser de que sua vontade é “livre” para fazer o que bem entender, mas a verdade é que o homem natural está “preso à vontade do diabo”, e o homem só pode se ver livre com a ajuda de alguém “mais forte” do que o homem valente armado. “Mas, se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, logo é chegado a vós o reino de Deus. Ou, como pode alguém entrar em casa do homem valente, e furtar os seus bens, se primeiro não maniatar o valente, saqueando então a sua casa?” (Mateus 12:28-29). O ensino aí é claro então acerca da absoluta incapacidade de o homem natural se soltar de sua escravidão ao diabo; de modo semelhante revela que há somente um poder adequado para quebrar o poder do diabo sobre o homem e esse poder é a vontade soberana do Deus Todo-poderoso. O ensino aqui é paralelo ao ensino em João 1:12-13: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Há três “vontades” que exercem uma força sobre a humanidade, mas só uma delas pode ser soberana: há a vontade do homem, que pode assumir duas formas — a vontade carnal do homem natural, e a vontade espiritual do homem espiritual, mas nenhuma dessas formas da vontade do homem é algo que não possa ser cancelada; até mesmo o crente diariamente tem circunstâncias e eventos que estão além do controle da sua vontade. O fato de que Deus entregou Jó a Satanás mostra que a vontade do homem salvo não é soberana nem mesmo sobre o maligno. Segundo, há a vontade de Satanás, que é quase soberana sobre o homem natural, e só o controle do próprio Deus impede o diabo de ser um tirano absoluto sobre o homem natural. Mas a vontade de Satanás não é onipotente, pois pode se exercer apenas dentro dos limites decretados que o Senhor voluntariamente entregou a ele para Sua própria glória. Finalmente, há a vontade de Deus, que é soberana e absoluta. “O SENHOR tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo” (Salmo 103:19). “Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou” (Salmo 115:3). “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11). Assim, só a vontade de Deus é suficiente para livrar o homem de sua escravidão espiritual ao diabo.

Que caso patético e perdido então é o do homem; dissemos perdido? Sim, mas apenas quando se olha do lado humano, e esse é de fato o propósito deste ensino, que o homem seja levado a desviar a atenção de si mesmo, e pare de confiar no braço da carne. Sua única esperança é olhar para Aquele que prometeu que “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (João 6:37). E com que propósito o Senhor salvou uma parte da raça humana caída? Não por causa de alguma bondade ou mérito natural, conforme mostra Efésios 2:1 10, mas simplesmente para que Ele pudesse fazer de nós “vitrines” de Sua graça por toda a eternidade: “Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Efésios 2:7). Número incontável de pessoas querem glorificar a si e suas próprias obras, mas a graça exclui todas essas manifestações de orgulho, e só resta espaço para louvar a maravilhosa graça e misericórdia de Deus. Será que você é uma vitrina da graça de Deus? Será que você está então glorificando a Ele como deve?

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