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CAPITULO 8 – A REGENERAÇÃO E CONVERSÃO

Capitulo 8 do livro DOUTRINA FORTE

A REGENERAÇÃO E CONVERSÃO

Nosso estudo de conclusão acerca desse assunto lidará com os resultados ou frutos da regeneração, pois sem dúvida tem de haver fruto de um algum tipo se há vida; se a regeneração é uma mudança na natureza do homem, então tem de haver uma mudança correspondente nos frutos que brotam dessa natureza. Tão certo é que haverá frutos externos resultantes da regeneração que Jesus fez disso um teste de caráter religioso quando disse: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis”. (Mateus 7:15-20)

A tragédia de nossa época é que tantos afirmam ter nascido de novo, porém sem produzir os frutos correspondentes, que a maioria do mundo religioso nem espera nem procura algum fruto na vida dos cristãos professos. Isso, é claro, é uma desculpa pronta para qualquer pessoa que afirma ser cristã para “não ser um religioso radical demais”, pois ninguém quer ser diferente, e o Cristianismo real e prático é pois até certo ponto um fenômeno em nossos dias.

Apesar disso, as Escrituras ensinam que a mudança interna radical que a regeneração opera tem uma mudança externa correspondente na conduta da pessoa que nasce de novo. Nosso presente dever será perguntar quais são esses resultados da regeneração; a resposta é:

I. A REGENERAÇÃO PRODUZ NOVA VIDA.

É isso o que declaram tais passagens como John 6:63: “O espírito é o que vivifica”. Segundo Coríntios 3:6: “O espírito vivifica”. De um estado de morte espiritual, o homem é instantaneamente transformado num ser espiritualmente vivo por meio da operação do Espírito de Deus. Assim, o homem recebe a vida de Deus, conforme diz A. J. Gordon:

A regeneração restaura o homem à sua vida que perdeu na queda, a vida nunca decaída do Filho de Deus, a vida que jamais vacilou em sua comunhão firme com o Pai. “Eu lhes dou vida eterna”, diz Jesus. É a vida eterna sem fim? Sim; e da mesma forma verdadeiramente sem começo. É uma existência que não foi criada, diferente da existência totalmente criada; é a vida eu sou de Deus, em contraste com a vida eu me torno de todas as almas humanas. Por meio do nascimento espiritual adquirimos uma hereditariedade divina com tanta certeza quanto por meio do nascimento natural adquirimos uma hereditariedade humana. — The Ministry of the Spirit (O Ministério do Espírito), p. 102. Judson Press, Philadelphia, 1949.

Essa nova vida é a própria essência da regeneração, pois a velha vida do homem é a vida natural, mas essa nova vida é a vida sobrenatural, a própria vida de Deus transmitida ao homem. É isso que é ensinado na visão do vale de ossos secos em Ezequiel 37. Esses ossos estavam secos e sem vida até que o poder de Deus os chamou em ordem, então os vivificou com a própria vida de Deus. Assim é na esfera espiritual; o poder de Deus tem de trabalhar preparando o indivíduo, e então realmente produzir a vida dentro dele. Por isso, ensinava-se isso no começo da história dos hebreus, pois está escrito: “E o SENHOR teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao SENHOR teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas”. (Deuteronômio 30:6)

Aí, como em João 3:5 e Tito 3:5, vemos a natureza dupla da regeneração; primeiro vem a purificação, aí chamada de circuncisão ou remoção do coração, e então vem a renovação ou real vivificação da natureza espiritual do homem. Esses dois elementos têm uma ligação tão íntima que de fato não dá para separá-los. Muitas vezes, porém, só se apresenta o aspecto da “vivificação”.

No diálogo de Jesus com a mulher de Samaria, ele apresentou essa nova vida sob o simbolismo da água que continuava a jorrar, com isso manifestando o novo nascimento nos resultados externos: “Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva. Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna”. (João 4: 10,14)

É fácil confundir aí, pois em certo sentido, o novo nascimento é vida nova, mas não vida nova considerada abstratamente, nem vida nova numa forma passiva ou ociosa, mas o novo nascimento é vida nova que se manifesta em atos vivos. Portanto, essa vida nova é, em certo sentido, a causa e em outro o efeito. É nesse último sentido que a consideramos em nosso presente estudo; a nova vida se manifesta em obras e ações novas. A ordenança do batismo representa esse sentido e descreve a regeneração e seus resultados: “De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida”. (Romanos 6:4) Observe que dissemos que o batismo descreve, não produz, a regeneração — erro que muitos cometem.

Será que a vida física se manifesta no nosso andar? Então as Escrituras admoestam o crente, “Andai em Espírito” (Gálatas 5:16). Será que o raciocínio é evidência da vida física? Então somos também admoestados a nos vestir do novo homem “que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3:10). Será que as obras são evidência da vida física? Então somos “feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2:10) A fala mostra a existência da vida física? Então somos exortados: “Deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros”. (Efésios 4:25)

Muitos dos resultados e manifestações da vida física têm equivalentes na esfera mais elevada da vida espiritual, e de forma igualmente certa testificam da presença da vida espiritual. Mas essa nova vida é infinitamente mais elevada do que a vida física; sim, mais elevada ainda do que a inocência de Adão no Éden, antes da queda, pois Adão em seu estado antes da queda não tinha tal glória como a glória que o novo homem recebe na regeneração. Assim, pela graça de Deus, o homem ganha muito mais por meio de sua queda e redenção de Cristo, do que ele poderia chegar a ter tido mesmo na inocência do Paraíso, pois ele recebe uma forma nova e mais elevada de vida na regeneração. “O que é nascido do Espírito é espírito” (João 3:6); isto é, é vida espiritual na natureza.

Dissemos que o novo nascimento é vida nova manifesta nas atividades da vida, e agora passamos a considerar a primeira dessas atividades da nova vida; as Escrituras apresentam o fato de que:

II. A REGENERAÇÃO RESULTA EM CONVERSÃO.

Esse é o resultado da regeneração. O novo coração é preparado para se voltar para Deus e realmente se volta. Sem regeneração, a pecaminosidade do homem o mantém longe de Deus, faz com que ele focalize seu amor em si mesmo e seus próprios prazeres, e encontre gratificação em coisas que são opostas a Deus e à santidade. O coração regenerado tem afeições e desejos novos. Portanto, está apto a buscar a Deus e a santidade. — J. P. Boyce, Abstract of Systematic Theology (Resumo da Teologia Sistemática), p. 379. American Baptist Publication Society, Philadel¬phia, 1887. 1973 Reimpressão da Baptist Publication Society, Missionary Baptist Church, Hayward, California.

Paulo disse que nada de bom havia em sua natureza carnal (Romanos 7:18). Essa é a única natureza que o homem tem até Deus lhe dar uma nova. E já que nada de bom pode proceder daquilo em que não existe nada de bom, a conversão não pode proceder da natureza carnal. Portanto, a concessão da nova natureza, ou vivificação, tem de vir antes da conversão. Fazer uma afirmação diferente é negar a total depravação, que significa que o pecado tem permeado todas as partes do ser do homem e tem envenenado todas as suas faculdades, não deixando nada de bom no homem natural. — T. P. Simmons, Systematic Study of Bible Doctrine (Estudo Sistemático da Doutrina da Bíblia), p. 293. Associated Publishers, Daytona Beach, Florida, 1969.

É aí que muita gente coloca “a carroça na frente dos bois”, pois ensinam que a regeneração é conseqüência da conversão; essa perspectiva muitas vezes chega perigosamente perto de ensinar que um homem é salvo pelas obras de suas próprias mãos, pelas suas próprias ações, vontade ou capacidade. De novo, às vezes se confunde a conversão porque os homens usam um sentido mais limitado na palavra do que tem em seu uso bíblico. A palavra significa “dar meia volta” e dá para usá-la em vários modos e contextos. Por exemplo, Jesus disse para Pedro: “Quando te converteres, confirma teus irmãos” (Lucas 22:32), mas isso não significa que Pedro não era então salvo; tinha referência à presunção e arrogância de Pedro na carne. Pedro só poderia ser usado pelo Senhor para fortalecer outros depois de se converter de suas atitudes de confiar em si mesmo.

Contudo, há um jeito pelo qual dá para se usar com acerto a palavra “conversão” com relação à salvação; logo que o Espírito regenera uma pessoa, ocorre dentro dela uma “virada”, e essa virada é de natureza dupla. Por um lado, há uma mudança de curso [em que se abandona o pecado], que se pode denominar arrependimento, e por outro lado, há uma mudança de curso em direção a Cristo, que é simplesmente fé em Sua obra consumada de redenção, e embora não possamos fazer aqui um estudo longo desses dois aspectos da conversão, bem faremos em considerá-los brevemente de passagem.

Paulo faz referência a essa dupla natureza da conversão quando diz: “Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro”. (1 Tessalonicenses 1:9) Está aí na ordem reversa para a ordem mais comum, que é primeiramente arrependimento e então fé, mas não entra em contradição com os fatos envolvidos. Essa natureza dupla da conversão tem parte num caráter negativo e positivo. W. N. Clarke diz das duas partes da conversão:

O arrependimento olha para trás e renuncia. A fé olha para frente e aceita. A fé é reconhecer, com confiança, a realidade invisível. A fé cristã é reconhecer, com confiança, o Deus invisível, mas vivo, principalmente na medida em que ele é revelado no caráter gracioso em Cristo o Salvador dos homens. — Outline of Christian Theology (Esboço da Teologia Cristã), p. 403. T. & T. Clark, Edinburgh, 1905.

O aspecto negativo da conversão se denomina arrependimento; um conceito errado de arrependimento gera muita confusão; alguns dizem que é penitência, mas na melhor das hipóteses a penitência é apenas um fruto do arrependimento; outros dizem que é reforma, mas isso de novo confunde causa e efeito; ainda outros crêem que é sentir tristeza por causa do pecado, mas não pode ser isso, pois “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento” (2 Coríntios 7:10), e assim não pode ser arrependimento.

A palavra traduzida “arrependimento” (grego metanoia) significa principalmente “considerações posteriores”, com o sentido secundário de “mudar de idéia”. Contudo, até mesmo esse sentido secundário não expressa de forma plena o significado da palavra como o Novo Testamento a usa, a não ser que também reconheçamos que essa atitude de “mudar de idéia” é tal que também afeta uma mudança de conduta. Cremos que a frase “mudança de atitude” explica melhor a palavra em nosso português moderno. O arrependimento realmente envolve muitas coisas, das quais todas são internas, pois o próprio arrependimento é interno. J. M. Pendleton diz:

Acerca do arrependimento que o evangelho ordena, pode-se dizer as seguintes coisas — isto é, que envolve, 1. Uma consciência do pecado pessoal… 2 Que o pecado é um grande mal que se comete contra Deus, pelo qual não há desculpa… 3. Ódio ao pecado. Esse é um elemento essencial no arrependimento. O ódio é inseparável da atitude de mudar de idéia que já mencionamos… 4. Tristeza por causa do pecado… 5. Um propósito de abandonar o pecado. — Christian Doctrines (Doutrinas Cristãs), pp. 265 268. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1878.

O arrependimento é o primeiro aspecto da experiência inicial de salvação do crente, chamado conversão. A verdadeira conversão é uma parte essencial e prova da regeneração. A regeneração é Deus operando dentro do homem e a conversão é o homem desenvolvendo sua salvação em arrependimento e fé. O arrependimento é em grande parte negativo e tem a ver com o pecado em seus muitos aspectos e formas, e principalmente com o pecado da incredulidade. — E.H. Bancroft, Elemental Theology (Teologia Fundamental), p. 200. Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan, 1948.

Paulo disse que ele havia ensinado “conversão a Deus” (Atos 20:21), mas nisso necessariamente há o envolvimento de um arrependimento com relação ao pecado, a si mesmo e ao Salvador, pois não dá para se ter a atitude certa para com Deus sem, ao mesmo tempo, se ter a perspectiva apropriada acerca dessas outras coisas. O arrependimento é simplesmente entender as coisas em sua perspectiva apropriada; mas isso não é uma capacidade natural do homem, pois as Escrituras atribuem isso também como obra de Deus, conforme está escrito: “Deus com a sua destra o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados”. (Atos 5:31) “E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida”. (Atos 11:18) “A benignidade de Deus te leva ao arrependimento”. (Romanos 2:4) “… Se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade”. (2 Timóteo 2:25)

Alguém poderá ainda fazer a objeção: Como é que então podemos nos arrepender? Como é que um riacho pode se levantar acima de sua fonte? A resposta é óbvia. Só podemos nos arrepender com a ajuda da graça divina. Lembre-se dessa passagem bíblica citada: “Deus com a sua destra o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados”, e lembre-se também do que foi declarado, que o exercício do arrependimento de nossa parte é apenas o lado debaixo; o lado de cima é a regeneração. Desenvolvemos o que Deus opera dentro de nós, tanto o querer quanto o realizar conforme a vontade dele. Portanto, nossa “confissão de fé” faz do arrependimento um fruto da regeneração. — B.H. Carroll, An Inter¬pretation of the English Bible (Uma Interpretação da Bíblia em Inglês), Vol. X, pp. 177 178. Broadman Press, Nash¬ville, Tennessee, 1947.

Atos 26:20 declara que o arrependimento é uma mudança necessária de atitude antes que alguém possa ou queira ser salvo, e ocorre antes da reforma da vida. Essa passagem também diz que Paulo pregou tanto para judeus quanto para gentios para “que se emendassem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento”. Mas se o arrependimento é uma mudança necessária de atitude, então é óbvio que deve sempre vir antes da fé, como na verdade é no Novo Testamento. Assim, Jesus pregou: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho”. (Marcos 1:15) E Paulo testificou “tanto aos judeus como aos gregos, a conversão a Deus, e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”. (Atos 20:21)

Portanto, a fé é o segundo elemento na conversão, e é o lado positivo da conversão. Mas de novo os homens têm aplicado uma interpretação errada no que se refere à fé; um número grande de homens acredita que a fé nada mais é do que um assentimento intelectual a alguma verdade, mas essa não é a fé do evangelho, pois a fé do evangelho é uma fé do coração, não da cabeça. “Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação”. (Romanos 10:8-10) T. P. Simmons enumera a fé como uma das evidências da regeneração:

Temos notado que a fé é operada no coração como parte (a parte secundária) da regeneração. Isso é necessariamente desse jeito porque a nova criatura não pode existir em descrença. A fé que é operada no homem na regeneração não é algo que chega a ser quase fé e confiança implícita em Cristo como Salvador pessoal. Não é meramente crença acerca dEle, mas fé e confiança nEle. Esse fato é assim abundantemente evidente em todas as passagens que lidam com a fé, de que a fé não precisa de nenhum argumento adicional para prová-la. — Systematic Study of Bible Doctrine (Estudo Sistemático da Doutrina Bíblica), p. 288. Associated Publishers, Daytona Beach, Florida, 1969.

Se o arrependimento pode ser chamado de uma mudança de atitude, a fé pode ser uma mudança de fidelidade, pois na fé o indivíduo se volta para Cristo, entregando seu destino inteiro a Ele, e dependendo dEle apenas para salvar e sustentar. Muitas pessoas afirmam crer em Cristo, porém apesar disso rejeitam as afirmações de Cristo; tal não é a fé do evangelho, nem é a fé dos eleitos de Deus. Alexander Carson com acerto declara:

Crer que Jesus é o Cristo implica perspectivas adequadas do caráter do Cristo de Deus. Se as Escrituras dão uma perspectiva de seu caráter, e se um homem tem uma perspectiva diferente, então, por mais sincero que ele possa ser em crer que Jesus é o Cristo, ele não crê na verdade das Escrituras. O Cristo em quem ele crê não é o Cristo de Deus. No sentido bíblico da palavra, ele não crê que Jesus é o Cristo. — The Doctrine of the At¬onement (A Doutrina da Expiação), p. 149. Edward H. Fletcher, New York, 1853.

A fé, como o arrependimento, não é uma virtude natural no homem, e assim o homem não pode se orgulhar em sua capacidade de crer em Cristo; e ele não deve pensar que isso é algo que ele possa fazer a qualquer momento que ele queira. A declaração “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça” (Romanos 4:16) mostra com clareza que a fé não pode ter mérito nessa questão, e assim o homem não pode se regozijar em sua própria capacidade de crer; a salvação não seria pela graça (favor imerecido) se a fé fosse uma virtude humana, ou tivesse algum mérito intrínseco. Os homens só crêem “pela graça” (Atos 18:27s).

As Escrituras ensinam em muitos lugares que a fé é em si dom de Deus, e assim sem nenhum mérito humano. Contudo, já que dedicamos um capítulo inteiro a esse assunto, nos aprofundaremos mais nele agora. Já que a conversão é resultado da regeneração divina, tanto o arrependimento quanto a fé são obras divinas operadas no homem pelo Espírito de Deus, de acordo com sua própria vontade soberana, e para Sua própria glória. Mas, indo adiante, notamos:

III. O RESULTADO DA REGENERAÇÃO É A FILIAÇÃO.

Como bebês, mediante o nascimento físico, nos tornamos membros da casa do nosso pai, e herdeiros do nosso pai. Assim também ocorre na regeneração; ao nascer espiritualmente de novo, uma pessoa se torna filha de Deus. Paulo expressa esse fato quando diz: “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”. (Gálatas 3:26) E João também se refere a esse assunto quando diz: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram… de Deus”. (João 1:12-13)

Mas note como esse último versículo acaba com o ensino humanista de que os homens já são filhos de Deus; um ensino muito conhecido nesta presente era má é que há uma Paternidade universal de Deus, e uma irmandade universal de homens, mas isso é uma artimanha de Satanás para cegar os homens para que não vejam sua necessidade de um Salvador. Se todos os homens já são filhos de Deus, então não é preciso dizer que eles não precisam nascer de novo, e Cristo foi crucificado em vão. Mas tal não é o caso, pois o próprio Jesus declarou que os judeus, que eram monoteístas rigorosos, que adoravam o único Deus verdadeiro, que eram mais moralistas do que qualquer outra nação na terra, que guardavam a letra da Lei, e que eram muito zelosos em servir a Deus, eram apesar disso filhos do diabo (João 8:44). Sendo isso assim, em que condição essa situação deixa o resto do mundo que teve muito menos conhecimento de e zelo pelo Senhor?

A filiação divina vem como resultado apenas do novo nascimento, mas ocorre com toda a naturalidade onde está a regeneração. E não só isso, mas é uma coisa presente, e não algo para se realizar em algum momento do futuro, conforme ensinam alguns de modo errado. “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus; e assim somos (assim leia nos manuscritos mais velhas e melhores). O mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos”. (1 João 3:1-2 RC)

Essa é uma verdade bendita, que não só somos chamados filhos de Deus, mas também somos na realidade isso; e embora o mundo não nos reconheça nesse caráter assim como também não reconheceu nosso Senhor como o unigênito Filho de Deus, e embora não consigamos imaginar como vamos parecer, porém está chegando o tempo em que seremos transformados na semelhança de nosso Senhor glorioso.

Mas o que queremos destacar nesse assunto é o fato de uma filiação presente; isso Paulo também enfatizou quando disse: “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo”. (Gálatas 4:4-7) “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados”. (Romanos 8:14-17)

Observe como nessas passagens a presente filiação dos crentes foi enfatizada; isso é resultado da regeneração e é testemunhada pelo Espírito de Deus que habita em nós. Se alguém não tem o testemunho do Espírito de que ele é filho de Deus, seria melhor ele inquirir diligentemente se ele foi regenerado, pois os dois andam juntos.

Portanto, há não só uma filiação divina que provém da regeneração, mas também garantia dessa filiação; e mais do que isso, há uma promessa, pois quem já ouviu falar de uma criança que foi desnascida? É uma impossibilidade, mas é isso o que seria preciso se alguma pessoa regenerada pudesse se perder depois. A idéia toda de uma pessoa salva se perdendo novamente se baseia na idéia de que um homem se salva por suas próprias boas obras; mas isso não é de forma alguma o caso; é Deus que regenera o homem, e isto é pela graça, e já que ninguém se salva por suas próprias boas obras, ninguém pode se perder por suas más obras. No entanto, isso não é tudo; não só a regeneração resulta em vida nova, conversão e filiação, mas também tem outro efeito bendito, isto é:

IV. O RESULTADO DA REGENERAÇÃO É APTIDÃO PARA O SERVIÇO.

“Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2:10) A palavra traduzida “preparou” é a mesma palavra que é traduzida “dantes preparou” em Romanos 9:23, e vemos aqui a revelação do fato de que mediante a regeneração Deus prepara de antemão toda pessoa regenerada para servi-Lo. Portanto, não sobra desculpa alguma para a negligência. É verdade que nem todo crente tem o mesmo cargo ou trabalho, mas todos têm o dever de servir a Deus em seu respectivo lugar e cargo, e alguém dizer “não posso” é contradizer a Palavra de Deus que declara que somos preparados e equipados para o serviço. Na maior parte das vezes o problema maior é uma negação de trabalhar pelo Senhor do que uma falta de aptidão.

Paulo admoesta os crentes a realizar boas obras para que com elas eles se beneficiem espiritualmente, pois ele escreve a Tito: “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que crêem em Deus procurem aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens… E os nossos aprendam também a aplicar-se às boas obras, nas coisas necessárias, para que não sejam infrutuosos.” (Tito 3:8,14)

Há muito que este escritor crê que Deus não distribui talentos e capacidades indiscriminadamente, mas que a capacidade de realizar alguma obra determinada no serviço de Deus é uma evidência da vontade de Deus que de ela seja feita por essa pessoa que tem essa capacidade. Deus não espera que nenhuma pessoa faça aquilo que ela não pode fazer, mas toda pessoa que experimentou a graça de Deus pode cumprir esta ordem: “Vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti”. (Marcos 5:19) Essa é a essência do testemunho cristão, e toda pessoa regenerada tem aptidão para esse testemunho, pois “nenhum filho de Deus jamais nasceu mudo”.

Isso não significa que Deus dá capacidades já perfeitas, pois esse raramente é o caso; geralmente, Deus da a um indivíduo o potencial de realizar determinada obra, e cabe a esse indivíduo desenvolver e aperfeiçoar essa capacidade. Portanto, não é uma desculpa legítima uma pessoa recusar fazer algum trabalho para o Senhor simplesmente porque ela não o pode fazer com perfeição, pois o progresso para com a perfeição só é feito pelo exercício repetido nessa direção, e ninguém jamais alcançou a perfeição em algum trabalho para o Senhor. Contudo, todo filho de Deus vai ser julgado, não na base do que ele realizou, mas na base da fidelidade que ele demonstrou em seu dever.

A regeneração prepara um homem para o serviço ao Senhor dando-lhe tudo o que é necessário para desenvolver a capacidade necessária, para fazer aquilo que o Senhor o chamou. É às vezes o caso que o filho de Deus tem sua própria idéia acerca de como servir ao Senhor, e o Senhor tem de bloquear o caminho para impedi-lo de entrar no trabalho errado ao Senhor. Se alguém repetidamente se depara com os “espinhos” do Senhor, talvez ele deva parar para obter orientações do Senhor quanto ao que Ele quer que ele faça. A regeneração nos equipa para fazer a vontade do Senhor, mas não nos equipa para fazer a nossa própria vontade. A vontade de Deus tem sempre de ser suprema em nossas vidas.

Eis então a bem-aventurança da regeneração, que um filho do diabo, perdido, morto e condenado à destruição experimente transformação divina e se torne uma “nova criatura” e receba aptidão para servir ao Senhor aqui na terra, e aptidão para residir no céu quando findar a vida terrena. Louvado seja o Senhor por Seu amor e misericórdia redentores e regeneradores para com pecadores indignos.

 

Published inDoutrina Forte