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CAPITULO 9 – A FÉ

Capitulo 9 do livro DOUTRINA FORTE

A FÉ

A fé é uma parte integral do Cristianismo; aliás, não dá para haver nenhuma participação individual em Cristo ou no Cristianismo sem o exercício da fé salvadora, nem dá para haver algum progresso na vida cristã para os salvos sem uma fé diária e marcante. Obviamente, então, a fé é uma coisa necessária tanto para os santos quanto para os pecadores igualmente. A fé marca a diferença entre a pessoa perdida e a pessoa salva, mas é igualmente verdade que uma fé diariamente forte marca a diferença entre um crente maduro por um lado, o recém-chegado à fé ou o crente atrofiado e subdesenvolvido por outro.

Pelo fato de que é tal parte importante do Cristianismo verdadeiro, a fé ocupa um lugar bem proeminente na Bíblia; mas a verdade trágica do assunto é que há tantos cristãos, em nome pelo menos, que não conseguem entender o verdadeiro significado dessa palavra. Muitos pensam que a fé é algum tipo de misticismo ou algo que não se deve questionar nada, e que crê em qualquer coisa, mas isso é longe da fé verdadeira. Igualmente errada é a ideia de que a fé é um processo puramente mental, mas veremos mais sobre esse assunto quando nos aprofundarmos em nosso estudo.

Hebreus 11 é com justiça chamado de “o grande capítulo da fé”, pois apresenta não somente muitos exemplos de fé, mas também a qualidade da fé. Por esse motivo, então, cremos que essa situação de falta de conhecimento de verdadeira fé seria um lugar apropriado para iniciarmos um estudo nesse assunto. A importância de se ter uma compreensão adequada da fé se vê no versículo 6 que declara: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam.” Já que só podemos ser aceitos por Deus mediante a fé, então é de importância máxima que tenhamos e exercitemos a fé; mas de novo, é importante que tenhamos o tipo adequado de fé, ou seja, aquela verdadeira fé, pois Paulo fala de uma fé vã (1 Coríntios 15:14), enquanto Tiago fala tanto de uma “fé morta” (Tiago 2:17, 20), quanto de uma “fé do demônio” (Tiago 2:19). Muitas pessoas colocam a fé nos lugares errados, pois confiam em si mesmo e em suas próprias habilidades, ou então em alguma obra ou instituição humana. É o erro de muitos achar que a própria fé é o que salva, e assim são preocupados demais sobre quanta fé têm, em vez de reconhecerem que o poder da fé está totalmente no fato de se ter o alvo certo da fé.

Uma vez que Satanás nos leva a pensar sobre fé num modo quantitativo, estamos arruinados. Dizer “Queria ter mais fé” é refletir uma compreensão equivocada do que é fé. Fé é responsabilidade: minha resposta à capacidade de Deus. É assim tão simples! Na fé bíblica, é o alvo da fé que dá seu poder. Jesus disse que se tivermos uma fé tão pequena como uma semente de mostarda, se for colocada nEle, poderemos mover montanhas. Não há poder algum na fé. O poder está em Jesus. — Hal Lindsay, Satan Is Alive and Well On Planet Earth (Satanás Está Vivo e Bem no Planeta), p. 232. Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan, 1972.

Mas jamais se deve esquecer de que crer em Cristo é crer nele conforme uma compreensão correta, e que onde há um conceito errôneo, ou seja, onde o conceito errôneo é tal que seu alvo é essencialmente em outro além do verdadeiro Cristo, talvez omitindo sua Deidade, ou algum atributo essencial ao próprio ofício do Salvador, a crença que vem dessa incompreensão incorreta e concorda com ela não pode ser verdadeiramente cristã, quaisquer que sejam suas outras características. — G.D.B. Pepper, in Bap¬tist Doctrines (Doutrinas Batistas), edited by C.A. Jenkins, p. 454. C. R, Barns Publishing Com¬pany, St. Louis, 1890.

Ao mesmo tempo, muitos outros têm apenas uma “fé do demônio”, pois dizem: “Claro que creio em Deus”, como se meramente crer na existência histórica de Deus fosse tudo o que era necessário para a salvação; mas essa é apenas a fé de um demônio que não pode se salvar. A fé que Deus exige de nós não só deve ser dirigida a Cristo, mas deve ser dirigida a Ele como Salvador, e deve ser com uma confiança totalmente nEle para nossa esperança de salvação para hoje e para a eternidade. W. T. Connor diz:

Fé é confiar em Jesus como Salvador do pecado. Essa confiança é a entrega incondicional e sem reservas da alma a Cristo. É tal confiança que ela só dá para exercê-la para com Deus. O pecado é contra Deus. Só Deus pode perdoar pecados. Nisso os críticos de Jesus estavam certos (Marcos 2:7). Entretanto, Jesus afirmou que Ele podia perdoar pecados (Marcos 2:5). Se Cristo afirmou perdoar pecados, Ele era divino ou blasfemador. Confiar em Cristo para se obter salvação é confiar nele mesmo como Deus. O Filho do homem veio buscar e salvar os perdidos. Mas só Deus pode salvar. Cristo e Deus são um só na ação de salvar. Um homem crê em Cristo para obter salvação, ou ele crê em Deus revelado em Cristo. As duas declarações significam a mesma coisa. A fé em Cristo e a fé em Deus são uma fé, não duas. Deus está em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo (2 Coríntios 5:19). A obra de Cristo na salvação, então, é a obra de Deus. — Christian Doctrine (Doutrina Cristã), p. 65. Broadman Press, Nashville, Tennessee, 1949.

Pessoas demais leem Hebreus 11:6 superficialmente. Portanto, imaginam que se esse texto não exige muito, mas na frase “creia que ele existe” declara que temos de aceitar Deus pelo que Ele afirma ser — Salvador, Sustentador e Soberano, e não só crer que Ele existe. A maior parte do mundo hoje é como as pessoas que o rei da Assíria levou para Canaã, que “temiam ao SENHOR, mas também serviam a seus deuses, segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transportados”. (2 Reis 17:33) Elas temem a Deus, mas apesar disso continuam em seus caminhos teimosos e ímpios em desprezo à vontade revelada de Deus.

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Porque por ela os antigos alcançaram testemunho. Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente”. (Hebreus 11:1-3) Esses versículos apresentam as seguintes coisas: (1) A fé é um firme fundamento, ou realidade; é uma certeza ou base de coisas futuras, que não têm nenhuma realidade presente no fato. (2) É também uma evidência presente de coisas invisíveis; o olho da carne vê apenas o presente e visível, mas o olho da fé vê infinitamente mais (Hebreus 11:13, 27). (3) A fé dá aos indivíduos uma boa reputação diante de Deus. (4) A fé também revela coisas sobre o mundo que o cientista mais inteligente não pode descobrir. Esse último versículo (v. 3) lança uma luz interessante sobre aqueles que crêem na evolução, e os revela em seu caráter verdadeiro como descrentes.

Contudo, esses versículos não têm a finalidade de dar uma definição completa da fé, mas, como diz A. W. Pink: “O conteúdo do versículo 1 não fornece uma definição formal da fé como fornece uma descrição resumida de como a fé opera e o que Ela produz”. (Exposition of Hebrews [Exposião aos Hebreus], Vol. II, p. 153, Baker Book House, Grand Rap¬ids, Michigan, 1954). Resta-nos considerar muitas outras Escrituras, e considerar as suas vozes unida a fim de virmos a compreender completamente o que é a fé. Portanto, observamos:

I. O QUE É A FÉ?

Muitas e variadas são as definições dadas acerca da fé, e é possível e legítimo ter várias tais definições se a fé está sendo examinada a partir de perspectivas diferentes, e se consideram os tipos diferentes de fé. John Gill, por exemplo, enumera sete tipos diferentes de fé que se pode distinguir uns dos outros (Body of Practical Divinity [Corpo da Divindade Prática], Book I, chapter 6, p. 730. Turner Lassetter, Atlanta, Georgia, 1950). John Bunyan (Works, Vol. I, p. 225. National Foundation For Christian Education, Marshalltown, Delaware, 1966) também enumera sete tipos diferentes.

Uma definição de fé que é geralmente apropriada a todas as formas e tipos de fé é aquela que Chalmers dá, que disse: “A fé, se numa teoria ou numa pessoa, é supor alguém ou algo como real, e nada mais”. Sendo assim tão ampla, essa definição não revela para nós o que é aquela fé da qual a Bíblia fala tanto, e aquele que é absolutamente necessária para que o homem seja aceitável aos olhos de Deus. Portanto, precisamos determinar com qual tipo de fé estamos preocupados, antes que possamos responder de modo satisfatório à pergunta “O que é a fé?”

Coleridge falava de uma forma de fé que se revela por suas ações, e que é o tipo de fé que Moisés tinha (Hebreus 11:7), e da qual Tiago falou em Tiago 2:17 20, quando disse: “A fé é uma afirmação e um ato, que pede que a verdade eterna seja fato”. Contudo, para todos os propósitos práticos nós cremos que os tipos diferentes de fé podem ser classificados como fé histórica, salvadora e diária ou viva. A fé histórica é simplesmente crer na existência histórica de algo ou alguém, e esse é o tipo, e o único tipo, de fé que a maioria das pessoas tem. Grande parte das pessoas crê na existência histórica de Deus e de Cristo, e presume — equivocadamente — que isso é tudo o que se exige do homem a fim de ser aceito aos olhos de Deus. Que uma mera fé histórica seja insuficiente se vê em que esse é exatamente o tipo de fé que os demônios têm, mas nada poderia ser mais além de ser aceito aos olhos de Deus do que essas criaturas malignas (Tiago 2:19).

A fé diária ou viva é aquela dependência diária no Senhor para se obter todas as coisas necessárias, que devem caracterizar toda pessoa salva. É essa fé que é mencionada em Romanos 1:17: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé”. A fé diária é o fruto que se desenvolve a partir da raiz da fé salvadora, e por esse motivo os dois são muitas vezes ajuntados que não dá para distinguir. Tal é o caso com muitas das referências à fé em Hebreus 11.

O contexto de Hebreus 11:1, porém, mostra que a fé salvadora era o que estava principalmente na mente do escritor a medida em que ele começou a discursar sobre esse assunto, pois ele diz em Hebreus 10:38 39: “Mas o justo viverá da fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele. Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma”. Os batistas são muitas vezes perseguidos por afirmarem a doutrina da segurança eterna do crente, e às vezes citam-se exemplos de indivíduos que supostamente “creram”, mas que voltaram para a perdição, e supostamente se perderam. Contudo, o escritor aos Hebreus lidou de forma bem eficaz com esse assunto nesses versículos mostrando: (1) Que a fé não é meramente uma coisa transitória, mas que a pessoa justificada vive pela fé — é uma característica diária de sua nova vida. (2) Que qualquer um que se desvie da vida de fé é tal que Deus nenhum prazer tem nele. Portanto, eles nunca estiveram num estado de aceitação diante dEle. (3) Que “não somos daqueles que se retiram para a perdição”; isto é, que tanto o escritor quanto os leitores de Hebreus eram ambos não dessa classe, porém o escritor alertou acerca do perigo da apostasia. (4) Que eles eram “daqueles que crêem para a conservação da alma”; isto é, que se crermos no verdadeiro sentido da palavra, é a fé salvadora, uma libertação completa do pecado — não uma fuga pela metade, uma fuga do tipo ‘talvez sim, talvez não’ do pecado. Mais tarde veremos que não só há um começo de fé, mas também que Pedro declara que há também um resultado final da fé — salvação total e completa de todo pecado. No assunto da segurança dos santos, veja o capítulo sobre a Preservação e Perseverança dos Santos.

Embora haja uma diferença nesses tipos de fé, porém todos esses tipos possuem certos princípios comuns; E. G. Robinson dá uma definição de fé que revela um desses princípios comuns em toda fé religiosa, quando diz: “No conceito mais básico, a fé é simplesmente acreditar na declaração divina como verdadeira”. (Christian Theology [Teologia Cristã], p. 330. Press of E. R. Andrews, Rochester, N.Y., 1894.) Toda fé religiosa é a aceitação da revelação de Deus como verdadeira, mas cremos que essa definição tem falta de algo para o nosso propósito ao lidar com a fé salvadora.

William R. Williams chega mais próximo de uma definição plena de fé salvadora quando diz: “A fé é apenas um assentimento sincero ao testemunho inteiro de Deus”. (Citado em Robinson, Christian Theology (Teologia Cristã), p. 331. Press of E. R. Andrews, Rochester, N. Y., 1894) Isso é especialmente desse jeito se por “sincero” se quer dizer “com o coração”, pois o coração tem de modo profundo a ver com o uso da fé salvadora. As seguintes passagens revelam que há uma fé que brota do coração, em vez da cabeça, e que é pois de uma natureza radicalmente diferente de uma mera crença intelectual: “Confia no SENHOR de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento”. (Provérbios 3:5) “A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação”. (Romanos 10:9-10) “E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. (Atos 8:37) “E não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé”. (Atos 15:9)

Obviamente, com “coração” não se quer dizer o órgão físico do corpo humano que bombeia o sangue, mas isso é uma figura de linguagem que se refere àquela parte da constituição psíquica do homem que tem a ver com suas emoções. A salvação é um evento complexo que envolve o intelecto, as emoções e a vontade do homem; o processo intelectual ou mental se chama “arrependimento” — uma mudança de mente, enquanto o processo emocional se chama “fé” ou “confiança” — crer com o coração; e o elemento voluntário, ou aquilo que tem a ver com a vontade se chama “receber” a Cristo. Assim, poderia-se resumir a salvação como um arrependimento para com Deus, uma confiança em Cristo, a atitude de receber Cristo como Salvador. Faltando algum desses elementos, não há um caso de salvação genuína, pois eles estão inter-relacionados de modo muito íntimo, e não dá para se desprezar nenhum deles sem dar uma ênfase errada nos outros. É a negligência de um ou outro desses que enche as igrejas de pessoas perdidas que tiveram uma mera experiência emocional sem terem genuinamente se arrependido nem sujeitado sua vontade a Deus, ou então elas foram intelectualmente persuadidas acerca da verdade do evangelho, mas não foram emocionalmente estimuladas a ponto de se entregarem completamente a Cristo. Horatius Bonar bem diz:

Sem tentar dar uma definição de fé, permita-me dizer em poucas palavras que nenhuma fé que não vai além do intelecto pode salvar ou santificar. Isso não é fé. É descrença. A única fé que é salvadora é aquela que nos une à pessoa de um Salvadora amoroso. Tudo o que não alcança esse padrão não é fé em Cristo. — The Five Points of Cal¬vinism [Os Cinco Pontos do Calvinismo], p. 52. National Foundation For Christian Education, Wilmington, Delaware.

A. W. Pink de modo semelhante comenta acerca disso:

Na conversação normal, a “fé” significa crer ou assentir, com a mente, a algum testemunho. Mas na palavra de Deus, muito longe de a fé — a fé salvadora, queremos dizer — ser meramente um ato natural da mente, ela inclui a cooperação da vontade e uma ação do amor: é “com o coração,” e não com a cabeça, “Visto que com o coração se crê para a justiça.” (Romanos 10:10) A fé salvadora é uma aprovação cordial de Cristo, uma aceitação dEle em Seu caráter inteiro como Profeta, Sacerdote e Rei; é entrar em aliança com Ele, recebendo-O como Senhor e Salvador. — The Holy Spirit [O Espírito Santo], p. 85. Baker Book House, Grand Rapids, Michigan, 1970.

A maior parte da confusão acerca da fé salvadora ocorre porque o homem compreende de modo errado o que ela é; e sua tentativa de reduzi-la a um tipo de obra humana, ou então sua tentativa de misturar idéias e esforços humanos ao significado bíblico da fé. A seguinte citação de Horatius Bonar reflete alguns desses:

A fé, então, é o elo, o único elo entre o pecador e o dom de perdão e vida que Deus oferece. Não é fé, e algo mais com ela; é fé sozinha; fé que aceita Deus conforme o que Sua palavra diz, e Lhe dá crédito por falar a verdade honesta ao revelar Sua mensagem de graça — Seu “registro” de vida eterna com relação ao “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” (João 1:29)

Se levantamos a objeção de que não conseguimos crer, então isso indica que estamos procedendo totalmente em direção errada. Estamos ainda nos esforçando sob a ideia de que esse ato de crer é uma obra que nós devemos fazer, e não o reconhecimento de uma obra que outro fez. De bom grado faríamos algo a fim de obter paz, e pensamos que se pudéssemos apenas fazer essa grande coisa, “crer” — se pudéssemos apenas realizar esse grande ato chamado fé — Deus imediatamente nos recompensaria nos dando paz. Assim imaginamos a fé como o preço na mão do pecador pelo qual ele compra a paz, e não o mero ato de estender a mão para obter uma paz que outro já comprou. Enquanto estamos fixando alguma importância meritória à fé, por mais que seja inconscientemente, estamos movendo em direção errada — uma direção da qual nenhuma paz poderá vir. Certamente a fé não é uma obra. Pelo contrário, é cessar de fazer obras. Não é subir a montanha, mas cessar de tentar a subida, e permitir que Cristo nos leve em Seus próprios braços. Parece que pensamos que é nosso próprio ato de fé que deverá nos salvar, e não o alvo de nossa fé, sem a qual nosso próprio ato, por melhor que seja realizado, não é nada. Assim, refletimos e dizemos: “Que obra poderosa é essa fé — que esforço ela requer de minha parte — como devo realizá-la?” Nisso erramos de modo lamentável, e nossa falha está principalmente aí, ao supor que nossa paz deverá vir da execução apropriada por nossa parte de um ato de fé, enquanto que deverá vir inteiramente da compreensão adequada dAquele ao qual o Pai está apontando nossos olhos, e com relação ao qual Ele está dizendo: “Eis meu servo, que escolhi, olhe para Ele, esqueça tudo o mais — tudo sobre si mesmo, sua própria fé, seu própria arrependimento, seus próprios sentimentos — e olhe para ELE!” É nEle, e não em nosso próprio mísero ato de fé, que reside a salvação, e dEle, não de nosso próprio ato de fé, virá a paz.

Errando assim ao entender o significado da fé, e o modo como a fé nos salva, entramos em confusão, e tudo o mais que está ligado à nossa paz. Não compreendendo a natureza real da sua própria incapacidade de crer se queixa daquilo que o ficar triste. Pois essa incapacidade não reside, como imagina você, na impossibilidade de você realizar corretamente esse grande ato de fé, mas de cessar todas as tentativas tais de justiça própria de realizar algum ato, ou de fazer qualquer que seja uma obra, a fim de que seja salvo. De maneira que a verdade real é que ainda não viu a suficiência da grande e exclusiva obra do Filho de Deus na cruz, a ponto de descontinuar completamente nosso esforço errado e sem objetivo de desenvolver algo de si mesmo. Logo que o Espírito Santo mostra que tem essa inteira suficiência da grande propiciação, imediatamente cessa essas tentativas de agir ou trabalhar algo de si mesmo, e aceita, em vez dessas obras, o que Cristo fez. Uma grande parte da obra do Espírito é, não capacitar o homem a fazer algo que ajudará a salvá-lo, mas de tal modo desprendê-lo de suas próprias realizações, que ele ficará contente com a salvação que Cristo consumou quando morreu na cruz e ressuscitou.

Mas talvez façamos mais objeções, de que não estamos satisfeitos com nossa fé. Não, verdadeira e provavelmente nunca estaremos. Se aguardarmos isso antes de aceitarmos a paz, aguardaremos até o fim da vida. A Bíblia não diz: “Sendo justificados acerca de nossa fé, temos paz com Deus”; simplesmente diz: “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus”. (Romanos 5:1) Não satisfação com nossa própria fé, mas satisfação com Jesus e Sua obra — é isso o que Deus pressiona sobre você. — Words For the Inquiring [Palavras para Indagação], citado in William Reid’s The Blood of Jesus, pp. 89 92. James Nisbet and Company, London, 1866. Reprint by Liberty Bell Press, Florissant, Missouri, 1966.

Mas não dá para haver uma fé exercida sem conhecimento, pois a fé pressupõe fatos sobre os quais apoiam essa fé: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?… De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. (Romanos 10:14,17) Isso explica o motivo por que tantas pessoas não têm a fé salvadora, e o motivo por que tantos cristãos têm a fraca fé — elas não ouvem e lêem a Palavra de Deus, e conseqüentemente não conseguem que a fé seja gerada dentro delas. Não devemos errar em nossa compreensão do que é a fé; não é um produto natural do homem natural; é um produto exótico que tem de ser implantado no coração humano pelo Espírito Santo antes que um indivíduo seja capaz de crer no testemunho divino.

Isso também explica o motivo por que a pessoa não salva não consegue entender ou apreciar as coisas espirituais: na medida em que “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam”, a fé lida com coisas que não têm nenhuma realidade presente, mas são futuras, e na medida em que é “a prova das coisas que se não vêem”, lida com coisas que são invisíveis aos olhos da carne, e discerníveis somente aos olhos da fé. A pessoa perdida simplesmente não está em condições de discernir a realidade das coisas futuras e invisíveis que o Senhor prometeu a Seu povo, pois ela não tem aquilo que a capacita a estender a mão e pegá-las.

Assim, a palavra “evidência” em nosso texto denota aquilo que fornece prova, de modo que recebemos a garantia da realidade e certeza das coisas divinas. A “fé”, então, é primeiro a mão da alma que “agarra” o conteúdo das promessas de Deus; segundo, é o olho da alma que mira para esse conteúdo e o descreve de modo claro e convincente para nós. — A. W. Pink, Exposition of Hebrews [Exposição de Hebreus], Vol. II, pp. 155 156. Baker Book House, Grand Rapids, Michigan, 1954.

Muitas vezes dizemos “ver é crer”, mas na esfera spiritual isso não é verdade; de modo oposto, “crer é ver” e sem fé há muitas realidades espirituais que jamais veremos. Jesus resumiu a atitude geral da humanidade quando disse: “Se não virdes… não crereis” (João 4:48), mas a verdade é que se primeiramente não crermos nas promessas de Deus, não veremos nenhum grande cumprimento de Suas promessas, embora estejamos cercados pelos cumprimentos de todas elas. Ao discípulo que estava em dúvida, Jesus disse: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram”. (João 20:29) Crer, na verdade, é de realmente ver, pois torna real para nós as promessas de Deus, mas não pode existir sem uma promessa de Deus sobre a qual se apoiar.

A fé salvadora é pois não só crer na promessa de Deus de que Ele salvará todos os que confiam em Seu Filho, mas é também uma entrega total e sem reservas do nosso destino eterno a Ele. Assim, Paulo disse: “Por cuja causa padeço também isto, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia”. (2 Timóteo 1:12) A fé salvadora é depositar a alma para ficar guardada no cofre do banco do céu. Como o indivíduo que deposita dinheiro no banco cessa de se preocupar com ele, sabendo que de agora em diante não mais é sua responsabilidade guardá-lo em segurança, mas agora se torna a responsabilidade do banco, assim a alma confiante deixa a guarda da sua alma ao Senhor a quem ela a entregou. T. P. Simmons define a fé salvadora da seguinte forma:

A fé salvadora é confiar e depender no Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador pessoal, que levou nossos pecados. E, já que a salvação inclui a santificação bem como a justificação, a fé salvadora ocasiona um compromisso de si para com Cristo. — Systematic Study of Bible Doctrine [Estudo Sistemático da Doutrina da Bíblia], p. 300. Associated Publishers, Daytona Beach, Florida, 1969.

Alvah Hovey de forma semelhante diz da fé salvadora:

A fé cristã é o ato de um pecador que se vê como pecador, e renuncia totalmente a toda confiança em suas próprias obras, quer internas ou externas — toda confiança em seu próprio amor, ou confiança, ou humildade, e se lança sem reservas sobre a misericórdia de Deus em Cristo. Portanto, é tão verdadeiramente desconfiança de si, como é confiança em Cristo. Não pode viver sem fazer o bem; mas não pode fazer bem algum se em si mesmo tenha alguma confiança que se satisfaça a lei de um Deus santo. — Manual of Systematic Theology [Manual de Teologia Sistemática], p. 269. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1880.

Chegamos agora ao que cremos ser uma definição adequada da fé salvadora: é entrega do próprio destino eterno da alma nas mãos do Senhor. É pois praticamente equivalente em sentido à confiança; a fé salvadora é confiança, mas com essa limitação de sentido: é uma confiança em Cristo para se obter salvação para a própria alma. J. M. Pendleton diz:

Não conheço nenhuma palavra em nossa língua que expresse com mais plenitude do que o termo “confiança” a idéia central da palavra “fé”. De acordo com o evangelho, a fé é uma confiança pessoal num Salvador pessoal. Nenhum ato pode ser mais pessoal do que o ato da fé. É tão pessoal quanto morrer. Como todo ser humano morre por si mesmo, assim todo homem tem de crer por si mesmo — tem de crer em Cristo por si mesmo. Não conheço nenhuma definição melhor da fé do evangelho do que esta: É receber, em confiança, o Senhor Jesus como único Salvador. — Christian Doctrines [Doutrinas Cristãs], pp. 272 273. American Baptist Publication Society., Philadelphia, 1878.

Mas não é só importante entender o que é a fé; precisamos também entender sua fonte, para que não coloquemos confiança excessiva em nossa própria capacidade carnal. Portanto temos de notar:

II. DE ONDE VEM A FÉ?

O homem é uma criatura responsável; disso, não há dúvida, e por esse motivo, ele tem de prestar contas a seu Criador, mas isso não é dizer que o homem é pois plenamente apto a fazer tudo o que Deus requer dele. Por exemplo, Deus não rebaixou Seu padrão no que se refere aos dez mandamentos, mas ainda requer uma obediência completa, contínua e perfeita a eles, muito embora o homem, por sua queda, tenha se incapacitado na guarda deles. Portanto, o fato de que Deus convoca e requer que o homem confie em Seu Filho não significa que o homem tem uma capacidade natural de agir assim; em sua criação original, o homem tinha a capacidade de exercer uma confiança perfeita em seu Criador, ao mesmo tempo em que ele tinha a capacidade de prestar uma obediência satisfatória aos mandamentos, mas desde a queda do homem, ele foi incapacitado nessas duas áreas. Contudo, isso não diminui a sua responsabilidade, pois ele de modo voluntário, obstinado e arrogante se incapacitou com seu pecado. Bem observou A. W. Pink com relação à queda do homem:

A queda do homem com toda a certeza não anulou nem arruinou a responsabilidade do homem. Por que deveria? Não foi Deus quem tirou do homem sua força espiritual e o privou de sua capacidade. O homem foi originalmente dotado de poder para atender os justos requisitos de seu Criador; foi por sua própria loucura e maldade que ele jogou fora esse poder. Um rei humano larga seu direito de exigir fidelidade de seus súditos logo que eles se tornam rebeldes? Certamente não… Se incapacidade cancelasse a obrigação do homem, não haveria pecado algum no mundo, e conseqüentemente nenhum juízo aqui ou no futuro. — Gleanings From The Scriptures: Man’s Total Depravity [Coletâneas das Escrituras: A Depravação Total do Homem], p. 309. Moody Press, Chicago, 1969.

As Escrituras requerem do homem que ele confie no Senhor, e declaram que ele só pode se salvar depois de confiar; essa era a mensagem universal de todos os profetas, conforme está escrito: “A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados pelo seu nome”. (Atos 10:43) A fé é o momento decisivo na vida de toda pessoa, antes do qual ela está condenada e sob a ira de Deus, e depois do qual ela é salva e herdeira de Deus. “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida”. (João 5:24)

As Escrituras também enfatizam o fato de que não há tal coisa como fé de procuração, ou crer por outra pessoa. Muitos que praticam o batismo infantil ensinam que os adultos podem crer pelos bebês que não têm consciência, e assim podem se batizar pela fé do padrinho. Mas isso não é nada mais do que um dos substitutos do diabo pela verdade a fim de justificar o batismo infantil. Todos sabem que a Bíblia requer fé antes do batismo, e essa é uma confissão aberta desse fato, mas o erro reside em pensar que outra pessoa pode crer por um bebê que não tem consciência. Que a fé é sempre um assunto pessoal e individual é evidente a partir da declaração, “O justo viverá da fé” Romanos 1:17; Gálatas 3:11; Hebreus 10:38, dos quais todos são citações de Habacuque 2:4. Em harmonia com a declaração original de Habacuque, todas as três citações do Novo Testamento acerca desse assunto dizem literalmente “por sua própria fé” (grego ek pisteos zesetai. O verbo, que está na voz média, representa o sujeito agindo ou (1) Em si mesmo. (2) Por si mesmo, ou (3) De algum modo que afeta diretamente a si mesmo.) Para entender qual desses é o sentido dessa voz média, tudo o que precisamos fazer é consultar a declaração original de Habacuque 2:4, onde lemos “… o justo pela sua fé viverá”. Claramente, então, todas essas passagens são testemunhos de que Deus requer uma fé pessoal antes que alguma pessoa seja salva.

Mas isso não responde à pergunta diante de nós, isto é: De onde vem essa fé? É óbvio a partir das Escrituras e por observação que “a fé não é de todos”. (2 Tessalonicenses 3:2) Aliás, na Bíblia a palavra “descrente” é sinônima de “não salvo.” “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. (João 3:36) Conforme dissemos antes, a fé permanece como um marcador na vida do homem, e marca o momento decisivo em sua vida: antes, sua vida estava descendo, em direção ao inferno, mas depois, sobe, em direção ao céu. Será que esse grande acontecimento e momento decisivo são resultados de algo que está no homem pela natureza? De jeito nenhum, pois é o resultado de uma concessão divina de fé salvadora para certas pessoas.

Sem dúvida nesse ponto alguns objetarão ao que acabamos de dizer lembrando-nos de que nos referimos há pouco à fé como sendo o próprio ato de um homem, pelo qual ele é responsável. Ao que respondemos que a discrepância é na aparência apenas, pois embora as Escrituras se refiram à fé do cristão como sendo sua própria fé, porém isso é só com o objetivo de mostrar posse presente, e não se aplica de forma alguma à fonte dessa fé. A fé é o dom gracioso de Deus ao homem, conforme veremos logo em seguido, mas depois que é dada ao homem, é daí em diante reconhecida e mencionada como sendo do homem. “Porque os dons graciosos e o chamado de Deus jamais são tomados de volta” (Romanos 11:29), Charles B. Williams Translation, Moody Press, Chicago, 1963.

Se a fé fosse uma capacidade natural no homem não renovado, então poderíamos nos salvar a qualquer momento que quiséssemos, e quando confiássemos no Senhor, nossa salvação seria de nossa própria capacidade, e poderíamos nos gabar em nós mesmos, mas tal não é o caso. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. (Efésios 2:8-9) Se o homem tem a capacidade natural de crer sem a graça divina, então a salvação sendo por meio da (mediante) fé, não é de Deus de forma alguma, mas o homem é seu próprio salvador, e ele tem todo motivo para se gabar. Mas logo que se reconhece que a fé é um dom de Deus, vemos que ao salvar o homem mediante a fé, Deus está simplesmente glorificando a Si mesmo em e mediante Seus dons.

A fé não só é dom de Deus, mas também resultado natural de Seus propósitos conforme Sua eleição, conforme está escrito: “… e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna”. (Atos 13:48) Antes que este escritor viesse a aceitar essa verdade bendita, ele tentou tudo possível para contornar o significado simples desse versículo; mas nem a ordem da frase, nem o significado da palavra traduzida “ordenados”, nem qualquer outra coisa no versículo podia ser mudada, no mínimo grau, para ter um sentido diferente. E finalmente, um tratamento honesto do texto da Bíblia o compeliu a ajustar sua teologia a fim de harmonizá-la com a Bíblia e com a vasta maioria dos batistas do passado.

De forma semelhante, esse versículo não está sozinho ao ensinar essa verdade, pois também lemos: “Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito”. (João 10:26) Aí está o lado negativo do assunto: como em Atos 13:48, os homens crêem porque foram ordenados para a vida eterna, assim esse texto diz que os descrentes não crêem porque eles não são das ovelhas; isto é, não são dos eleitos. Irmãos, essas coisas são doutrinas de mantimento sólido, e o fato de que podemos não entendê-las, nem ver como podem se harmonizar com a responsabilidade do homem, de forma alguma as invalida, nem as torna falsas. Temos de reconhecer, com humildade, a palavra do Senhor de que “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o SENHOR. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”. (Isaías 55:8-9) As Escrituras falam de várias coisas que são “mistérios”, isto é, que não dá para conhecê-las sem uma revelação divina com relação a elas; e o propósito eletivo de Deus que Ele designou em Si mesmo é uma dessas coisas (Efésios 1:3 11 e principalmente o versículo 9).

Tudo o que temos de fazer é considerar a incapacidade espiritual do homem para perceber que o homem natural não pode exercer a fé salvadora sem que Deus o capacite. Isso observamos de várias razões conforme apresenta Efésios 2:1 3: Primeira, o homem é espiritualmente morto. Portanto, ele é incapaz de fazer alguma ação espiritual: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados” (versículo 1). Segunda, o homem natural não anda num caminho espiritual, mas num caminho mundano: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo” (versículo 2a). Terceira, o homem natural também anda de acordo com o caminho do diabo: “… segundo o príncipe das potestades do ar” (versículo 2b). Quarta, a caminhada do homem natural se caracteriza não pela obediência e fé, mas desobediência: “… do espírito que agora opera nos filhos da desobediência”. Quinta, a caminhada do homem natural também se caracteriza por desejos da carne, que operam um impedimento à fé: “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne” (versículo 3). Sexta, o homem natural está totalmente entregue para fazer “a vontade (Grego “desejo”) da carne e dos pensamentos” (versículo 3b), não para cumprir nenhum desejo ou vontade espiritual. Sétima, o homem natural é por natureza filho da ira. Portanto, ele não tem nenhuma inclinação espiritual, a não ser que Deus lhe conceda (versículo 3 e seguintes). Sustentar que o homem por natureza tem a capacidade de crer no evangelho e confiar em Cristo é negar totalmente essa parte das Escrituras, e aliás repudiar a doutrina da depravação total do homem.

Essa fé é o dom de Deus ao homem, essa fé, junto com o arrependimento, é, nas palavras da Confissão de Fé Batista Ortodoxa “graças inseparáveis operadas no coração pelo Espírito Santo vivificador”, é ensinada em muitos lugares das Escrituras. Este escritor se maravilha constantemente com o modo como essas provas ficam aparecendo para aquele que está disposto a vê-las e recebê-las. Note o testemunho dos versículos seguintes: “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou”. (João 6:29) “Mas há alguns de vós que não crêem… Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido”. (João 6:64-65) A palavra “por isso” mostra a conexão, e realmente revela que a descrença deles se explicava no fato de que eles não foram atraídos pelo Pai, como Jesus havia falado no versículo 44. “Por isso não podiam crer, então Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, A fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, E se convertam, E eu os cure”. (João 12:39-40) “Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando havemos crido no Senhor Jesus Cristo, quem era então eu, para que pudesse resistir a Deus?” (Atos 11:17) “E, quando chegaram e reuniram a igreja, relataram quão grandes coisas Deus fizera por eles, e como abrira aos gentios a porta da fé”. (Atos 14:27) “E não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé”. (Atos 15:9) Aqui a ação é de Deus, não do homem. “E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia”. (Atos 16:14) O coração dessa mulher foi aberto pelo Senhor a fim de instilar fé nele, e isso fez com que ela prestasse atenção à palavra e cresse nela (note a clausula de propósito “para que”). “Querendo ele passar à Acaia, o animaram os irmãos, e escreveram aos discípulos que o recebessem; o qual, tendo chegado, aproveitou muito aos que pela graça criam”. (Atos 18:27) Essa passagem mostra que a própria fé é pela graça, e assim obra de Deus. “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade”. (Romanos 4:16) “Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”. (Romanos 12:3) “Pois, quem é Paulo, e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor deu a cada um?” (1 Coríntios 3:5) Aí “cada um” se restringe pelo contexto aos crentes, e assim não é prova da capacidade natural do homem não renovado de crer. “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele”. (Filipenses 1:29) “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé”. (Hebreus 12:2) “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa”. (2 Pedro 1:1) A palavra “alcançaram” aponta para uma fonte fora do homem no que se refere à fé, e mostra que não é uma capacidade natural.

Essas catorze passagens, junto com outras nesse mesmo sentido que poderiam ser enumeradas, todas mostram que a fonte da fé não está no homem, mas que é um dom gracioso de Deus, e que brota dos propósitos que Ele escolheu. Não só isso, mas outras passagens das Escrituras mostram que a fé, não realizando o novo nascimento, brota em vez disso dele, e é a sua primeira evidência. “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus”. (1 João 5:1) A palavra grega traduzida “crê” é o particípio singular masculino nominativo — “todos os que crêem”, enquanto a palavra traduzida “é nascido” é a terceira pessoa, singular, indicativo perfeito passivo (esse tempo verbal expressa ação passada com um resultado que continua até o presente) — “é nascido de Deus”, de modo que a fé evidencia um nascimento precedente. Não nascemos de novo porque cremos, mas cremos porque já nascemos de novo. O novo nascimento é logicamente antes da fé, mas não por necessidade é cronologicamente antes. Dá para se observar a mesma diferença em muitas outras passagens que falam tanto do novo nascimento quanto da fé, tais como João 1:12 13. Se alguém tiver a inclinação de argumentar que a fé vem primeiro e produz o novo nascimento, que ele argumente com a Palavra de Deus que mostra o contrário disso com clareza.

Portanto, a fé é dom de Deus, mas podem perguntar: “Como é que Deus dá fé ao homem?” “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. (Romanos 10:17) Isso explica o motivo por que tantas pessoas não têm a fé, pois explica o motivo por que elas merecem culpa nesse assunto: elas de propósito se ausentam do lugar de ouvir a Palavra de Deus. Algumas pessoas só vão à igreja o suficiente para se sentirem convictas de seus pecados, então param de freqüentar antes que a Palavra gere fé salvadora nelas; outras talvez freqüentam os cultos regularmente, freqüentam igrejas onde se prega um evangelho fraco, aguado e de obras, que nunca resulta em fé salvadora. Todas essas pessoas são culpadas porque é mediante o amor delas ao pecado e antipatia por Deus que elas se recusam a ler ou ouvir a Palavra de Deus, que é o único jeito em que a fé salvadora chegará a ser trabalhada nelas.

Mas aqueles que continuam a ouvir a Palavra, não têm fé apenas pelo simples fato de ouvirem de ouvido, mas têm de ser ensinadas por Deus em seu ser interno, conforme está escrito: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim”. (João 6:44-45) Mas esse ouvir e aprender é de uma natureza que o homem natural é incapaz de receber, conforme está escrito em 1 Coríntios 2:14: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. A fim de que o homem natural seja capaz desse ouvir e aprender do Pai, algo tem de ser feito em seu coração para torná-lo capaz de crer; a fé tem de ser instilada nele. De Atos 16:14 aprendemos que Deus abriu o coração de Lídia e ela creu na Palavra de Deus, e assim é evidente que o homem natural tem de passar por uma “cirurgia de peito aberto”, e que ele precisa de um marcapasso divino para que seu coração funcione direito e para que ele creia na Palavra. Todas as preparações do coração do homem através das quais ele é capacitado a ter a atitude certa para com as coisas espirituais vêm do Senhor, pois “Do homem são as preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua”. (Provérbios 16:1)

Mas alguns sem dúvida objetarão que Deus não pode e não tem direito algum de tentar forçar a vontade do homem. Aqueles que assim falam, agem por ignorância ou preconceito, ou ambos, pois as Escrituras, a experiência e a história nos ensinam que Deus pode, e de fato sobrepõem as nossas vontades e desejos, e temos de ser gratos que ele aja assim. Diariamente usamos nossas vontades na busca de coisas que não são as melhores para nós, e Deus (felizmente para nós) frustra esses desejos. Toda a história é um registro de Deus frustrando as vontades dos homens maus. Não só isso, mas as próprias Escrituras testificam que “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer”. (Provérbios 21:1) O rei é a autoridade mais elevada e o soberano praticamente ilimitado numa nação, mas Deus inclina o coração dos reis em qualquer direção que Ele quiser. O Deus que servimos é soberano em todas as coisas, e sobre todas as coisas: “Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou”. (Salmo 115:3) Veja mais no Capítulo 7, sobre o Livre Arbítrio do Homem.

Entretanto, temos de passar a considerar o motivo por que Deus de tal maneira organizou que se exige do homem crer no Senhor, se de fato a fé é o dom de Deus. Portanto, notamos:

III. POR QUE SE REQUER A FÉ?

Algumas pessoas têm muito mais talento em descobrir objeções à verdade do que em achar a verdade e apresentá-la aos outros. Geralmente apresenta-se a objeção de que se for verdade que Deus dá fé a alguns, então todos têm de forma fatalista de cruzar os braços e sentar-se e ficar totalmente indiferentes ao assunto inteiro. Mas os que assim agem, quer sejam hipercalvinistas ou arminianos, são em ambos exemplos indivíduos que estão simplesmente buscando uma desculpa para sua indisposição pessoal de saber e fazer a vontade do Senhor. A vontade de Deus não elimina o uso de meios para a realização da Sua vontade, mas realmente ordena o uso de meios. O homem não tem a capacidade de gerar fé dentro de si mesmo, mas ele pode freqüentar regularmente lugares onde a Palavra de Deus é pregada e ensinada em pureza, e ele pode diligentemente dar atenção a essa Palavra, e então a fé lhe será dada em e por meio da pregação e do ensino da Palavra. Esse é o único meio ordenado de efetuar a fé em alguém.

Mas repito, requer-se fé dos homens porque uma das coisas que é necessária antes que a fé ocorra é que haja um reconhecimento da impotência humana de salvar a si mesmo. Ninguém confiará no Senhor para salvá-lo enquanto tiver alguma esperança de contribuir de alguma forma para sua própria salvação. Olhando para o assunto a partir do lado humano, a fé é, de fato, assumir o lado de Deus e contra si mesmo no assunto. Assim, Deus requer do homem que ele reconheça e confesse sua própria incapacidade e desamparo, caso contrário ele poderá ter a ideia orgulhosa de que de algum jeito ele se salvou, ou contribuiu para sua salvação. O lado positivo da fé é que o homem confia no Senhor para obter a salvação de sua alma, mas o lado negativo da fé é que ele joga fora todo apoio nas suas próprias obras, ações, decisões, promessas humanas, etc., sabendo que tudo isso não só não pode salvá-lo, mas que pode realmente atrapalhar sua salvação enquanto ele se apóia nalguma dessas coisas. O indivíduo que exerce essa fé que Deus dá, com isso ao mesmo tempo reconhece sua própria impotência natural de fazer qualquer coisa para se salvar, e assim glorifica a Deus por Sua graça salvadora.

Mas requer-se também a fé do homem a fim de que ele pessoalmente receba a garantia de uma participação na expiação, feita por Cristo, e da paz e força que dali fluem. Às vezes ouvimos de indivíduos que freqüentemente ficam indo até a frente nos cultos da igreja, achando que precisam ser salvos de novo, quando na realidade provavelmente só precisam receber certeza de sua salvação como resultante de seu compromisso com Cristo. Mas isso ilustra qual seria a condição de quase todos os santos se não fosse exigido deles confiar conscientemente no Senhor. A capacidade de confiar no Senhor é um dom divino, mas o ato sendo consciente para o indivíduo, lhe dá um evento ao qual ele possa identificar com as promessas de Deus de vida eterna aos que crêem. “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti”. (Isaías 26:3) Isso ilustra o caso dos duvidosos mencionados acima, pois quando eles cessam de manter a mente no Senhor, eles abrem a porta para as dúvidas quanto a se eles realmente são salvos. Mas um simples ato de confiança no Senhor para se obter salvação, seguido por uma vida de confiar e permanecer no Senhor não dá espaço para tais dúvidas. Se não se exigisse fé dos homens como um ato individual, então nem mesmo os eleitos poderiam ter a certeza de que foram salvos, e eles viveriam uma vida de dúvida. Ninguém pode olhar para o céu e ver se seu nome está no livro da vida do Cordeiro, mas ele colhe o benefício pessoal da promessa pelo fato de que ele exerceu essa confiança salvadora no Senhor. “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”. (João 6:37). Qualquer um só pode saber que ele foi dado ao Filho na aliança da redenção pelo fato de que ele veio a Cristo em fé, e que Cristo prometeu não rejeitar ninguém que chega a Ele.

Crer num fato é sempre necessário a fim de que se tenha um benefício pessoal dele. Crer não é necessário a fim de se estabelecer o fato. Quer um pecador creia que Cristo morreu pelos pecados ou não, fará nenhuma diferença com o fato, embora fará uma vasta diferença com o pecador… A incredulidade não pode destruir um fato. Se uma alma daí em diante não crer no Filho de Deus, seria apesar disso um fato de que ele morreu uma morte expiatória no Calvário, e que essa morte é um sacrifício amplo pelos pecados do mundo. Mas temos de nos lembrar de que o tipo de fé pelo qual o homem obtém um benefício pessoal do fato da morte de Cristo é experimental, não histórico ou baseada numa esperança falsa… A fé pela qual os homens obtêm benefício pessoal, isto é, paz mental e felicidade, do fato da expiação de Cristo envolve confiança e firmeza em Cristo. — W.G.T. Shedd, Dogmatic Theology [Teologia Dogmática], Vol. II, pp. 410 411, Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan.

A fé é também necessária para manifestar ao mundo que Deus operou a salvação no indivíduo, pois quando um indivíduo confia no Senhor para obter salvação, marca um momento decisivo na vida desse indivíduo. “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”. (João 3:18) “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. (2 Coríntios 5:17) Essas duas passagens mostram que a vida do homem se divide pela fé, pois antes da fé ele está perdido, cativo do diabo e destinado ao inferno; mas depois, ele está salvo, filho de Deus, e destinado à vida eterna no céu.

Na medida em que Deus ordenou o uso de meios humanos para levar os homens ao arrependimento e fé, é necessário que essas mesmas graças devam ser evidentes nos instrumentos humanos usados para conduzir outros a confiar em Cristo. Certamente, poderá se esperar bem pouco êxito do indivíduo que consegue apresentar nada mais do que um testemunho superficial sobre a salvação, mas aquele que pode dar o mesmo testemunho como Paulo fez, isto é, que “eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia” (2 Timóteo 1:12), ele terá grande influência para com os homens. O conhecimento por experiência sempre ultrapassa o conhecimento teórico em sua influência para com os homens.

Finalmente, então, requer-se que o homem exerça a fé a fim de que Deus possa ser glorificado por salvar o homem; como observamos antes, a fé, se compreendida de forma correta, é reconhecer a incapacidade humana, e assim põe a glória da salvação no devido lugar — no Senhor. Contudo, não dá para ser assim, a menos que o homem perceba que sua salvação vem apenas do Senhor, e que é um produto da Sua graça e por isso ele louva a Deus completamente pela salvação. Deus não permitirá que ninguém usurpe a glória que é só dEle. “Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura”. (Isaías 42:8)

Entretanto, não devemos pensar que a fé salvadora é uma coisa estéril, nem que porque a fé é dom de Deus que não envolve responsabilidades, pois podemos proveitosamente observar em seguida:

IV. QUAIS SÃO OS FRUTOS DA FÉ?

A fé que a Bíblia apresenta e requer no homem não é uma fé morta, mas uma fé que é viva e produtiva. Portanto, é uma fé que se evidencia de modo claro, conforme está escrito: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?” (Tiago 2:14,17-20)

Esse texto não ensina salvação pelas obras; mas a salvação que as obras evidenciam. As obras que são aceitáveis a Deus dão evidência de que o indivíduo tem vida, pois não dá para haver verdadeiras obras sem vida, exatamente como uma árvore não pode produzir fruto a menos que seja uma árvore viva. Assim, bem expressou alguém em forma poética:

Se a fé não produz obras, eu vejo

Essa fé não é uma árvore viva.

Assim a fé e as obras crescem juntas;

Jamais poderão chegar a conhecer uma vida separada;

São alma e corpo, mão e coração;

O que Deus uniu, que nenhum homem separe.

—Hannah More.

Que Tiago 2:14 não ensina a necessidade de obras para completar a fé salvadora é evidente quando se vê a tradução literal do texto grego, do qual J. M. Pendleton diz:

Na última cláusula se requer a inserção do artigo definido pelo grego original — “a fé pode salvá-lo?” Isto é, a fé que não produz obras. Há uma fé, então, que é fatalmente deficiente quanto ao assunto da salvação; pois a pergunta: “a fé pode salvá-lo?” é uma negação forte do poder de tal fé de salvar. — Christian Doctrines [Doutrinas Cristãs], p. 269. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1878.

Esse texto poderia ser melhor traduzido, conforme traduz o Dr. A. T. Robertson (Word Pictures In The New Testament) “Essa fé pode salvá-lo?” tratando o artigo definido como de força demonstrativa. Pois Tiago não está combatendo a ideia de que os homens são salvos pela fé, mas só declara que há uma fé artificial sobre a qual alguns homens estavam se apoiando, que não produzia obra alguma. E também não há discrepância alguma entre o ensino de Tiago e o ensino de Paulo, pois Paulo trata da justificação do homem aos olhos de Deus, que é pela fé apenas, mas Tiago trata da justificação aos olhos dos homens, e já que o homem não pode olhar o coração e ver a fé dos santos, eles têm de manifestar sua justificação aos homens por meio de suas obras. Como bem disse alguém: “As obras não justificam o homem, mas o homem justificado faz obras.”

Basta continuarmos lendo Tiago e veremos os exemplos citados para verificar que isso é verdade, pois ele cita os exemplos de Abraão e Raabe, ambos dos quais foram justificados no sentido de que ele está falando algum tempo depois que eles foram justificados aos olhos de Deus. No caso de Abraão, foram uns vinte anos depois que ele havia sido declarado justo diante do Senhor. Os versículos que conduzem a essa declaração de Tiago também revelam que ele está lidando principalmente com os frutos da fé.

A verdadeira fé salvadora produz fruto no crente com tanta naturalidade e normalidade quanto a vida numa árvore frutífera produzirá fruto em sua estação, e assim o crente manifesta sua salvação e glorifica a Deus sendo frutífero em todas as boas obras. Mas há também outros frutos da fé.

Um dos principais produtos da fé é amor a Deus e amor ao próximo, pois está escrito: “Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor”. (Gálatas 5:6) E quando instruído de modo correto, o crente verá o amor fluindo naturalmente de seu coração. Assim, Paulo instruiu Timóteo a avisar certos professores em Éfeso a não serem enganados em coisas menores pois “o objetivo de sua instrução é ser amor que flue de um coração puro, uma boa consciência e uma fé sincera” (1 Timóteo 1:5; [tradução de Charles B. Williams]) Uma fé sincera é a fonte e o amor é o riacho que flui dela, manifestando sua natureza para todos verem.

O amor não é apenas um fruto natural do coração que crê, mas é também um fruto ordenado. Portanto, um fruto que tem de ser cultivado, pois Jesus disse: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. (João 13:34-35) O fruto do amor é a própria virtude fundamental do Cristianismo; já que “Deus é amor” (1 João 4:8), ele manifestou Seu amor ao enviar Cristo para redimir os homens (1 João 4:9-10), e Ele nos manda amar uns aos outros na fé comum (1 João 4:11-12).

Além do mais, a fé também produz o fruto de gozo e paz nos corações crentes: “Ora o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo”. (Romanos 15:13) “Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso”. (1 Pedro 1:8) A fé produz fruto tornando real a salvação presente, e a glória futura que Cristo comprou para Seu povo. Fisicamente, e muitas vezes até mentalmente, podemos ter dúvidas acerca da salvação, mas pela fé somos assegurados de que temos uma parte na grande redenção que nosso Senhor Jesus operou por nós, e pelo fato de que somos assegurados de nossa parte nisso, sabemos que uma glória inconcebível nos aguarda, pois está escrito: “… aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou”. (Romanos 8:30) E também: “Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, E não subiram ao coração do homem, São as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. (1 Coríntios 2:9-10)

A fé também produz submissão a Deus em todas as coisas, e quanto maior a nossa fé, mais fácil será ver que todas as coisas — até mesmo tribulações e aflições — têm origem em Deus. Não é necessário entender a razão para as tribulações e aflições; se tão somente reconhecermos que nada poderá nos tocar sem primeiro passar por nosso Senhor amoroso, então pela fé podemos suportar as piores tribulações. Erich Sauer observa:

Assim a fé, em última análise, não aceita nada das mãos dos homens; a fé aceita todas as coisas das mãos de um Deus grande, amoroso, todo-poderoso e reinante, inclusive todas as dificuldades e perdas, até mesmo as injustiças que temos de sofrer. “Sucederá algum mal na cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?” (Amós 3:6) Aí encontramos um segredo poderoso do governo mundial de Deus, cujo poder temos de reconhecer em obediência e confiança, embora não consigamos entender em detalhe com nosso intelecto humano as várias conexões e relacionamentos de Seu plano. Assim deixa-nos extremamente felizes saber que “Tudo o que nos chega na vida tem primeiramente de passar diante de Deus”. — In The Arena of Faith [Na Arena da Fé], p. 94. W. B. Eerdmans, Grand Rapids, Michigan, 1963.

Observamos que esses frutos da fé crescem em três direções; primeiro, crescem para fora em que manifestamos nossa fé por nossas obras, e assim influenciamos outros a crer. Segundo, nossos frutos da fé crescem para cima em que manifestamos nosso amor ao Senhor por nossas obras e por nosso amor aos irmãos. Terceiro, os frutos da fé crescem interiormente em que recebemos a segurança, alegria e paz de crer nas promessas de Deus e descansar nelas.

V. QUAL É A FINALIDADE DA FÉ?

A fé, por sua própria natureza, só funciona durante a fase e condição presente da vida, pois lida com o invisível; o que se vê com o olho físico não requer fé para aceitar; sua própria visibilidade é prova de sua realidade. Mas as coisas espirituais, pelo fato de que são invisíveis aos olhos físicos, requerem fé em sua realidade, mas o Senhor prometeu que está chegando um tempo em que o invisível se tornará real para nossos sentido, e: “A fé se tornará vista”. É isso o que o apóstolo Paulo declara em 1 Coríntios 13:12: “Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”. Atualmente, a fé é “a prova das coisas que se não vêem” (Hebreus 11:1), é aquilo que torna as promessas de Deus reais ao crente.

Isso explica o motivo por que o descrente jamais poderá ter as glórias do mundo futuro — ele não tem a fé para agarrá-las espiritualmente e torná-las suas, mas esse é o único jeito de se obter aquilo que Deus prometeu. Sua incredulidade está enraizada numa falta de confiança em Deus porque sua própria natureza é de modo tão horrendo caída e separada do Senhor, e assim, porque ele duvida com descrença: “Não pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa”. (Tiago 1:7)

Mas Hebreus 6:12 indica que há uma finalidade bendita que a fé tem de receber: “Para que vos não façais negligentes, mas sejais imitadores dos que pela fé e paciência herdam as promessas”. A fé só recebe nessa presente vida uma parte bem pequena do que se lhe promete; a parte principal das bênçãos que Deus tem para os Seus é ainda futura, e será a bênção final de fé quando a fé finalmente se tornar vista.

Mas evidência ainda mais explícita da finalidade da fé é 1 Pedro 1:9: “Alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas”. Aí “salvação” não é em referência tanto ao ato inicial de salvação que ocorre quando alguém se arrepende e confia no Senhor, quanto é a o ato final de salvação — a redenção do corpo do santo, que deverá ocorrer com a volta do Senhor do céu. Lembremo-nos de que a salvação é tripla: PRIMEIRA, é da penalidade do pecado quando confiamos no Senhor Jesus; SEGUNDA, é do poder do pecado a medida em que somos diariamente mais santificados — separados e dedicados ao Senhor; TERCEIRO, será da própria presença do pecado quando nossos corpos forem redimidos durante a volta de Jesus, e não mais teremos o conflito interno da carne com o espírito. Essa é a salvação da qual Pedro está agora falando. Paulo também fala disso quando diz: “Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos”. (Romanos 8:22-25) Note como ele se refere a essa “redenção do corpo” como sendo uma forma de salvação, mas ele claramente mostra que ainda é futura, pois temos de aguardá-la com paciência, de modo que a finalidade da fé é gozar a salvação plena e completa do corpo, alma e espírito. No momento da confiança em Cristo, o indivíduo tem a salvação, e “não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” (João 5:24), mas ele continua colhendo os benefícios da salvação até o dia em que ele receber o fim de sua fé, o ato consumador da salvação, a glorificação de seu corpo, de modo que venha a corresponder à sua alma que foi salva e glorificada quando ele confiou no Senhor.

Assim a fé tem uma recompensa gloriosa em que seus anseios maiores e mais ternos deverão se cumprir a nós no Senhor, pois nossas bênçãos futuras não são limitadas pelo poder do Senhor, mas por nossa incredulidade, conforme está escrito: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera”. (Efésios 3:20) Mesmo nesta vida presente, o Senhor “abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos” (1 Timóteo 6:17), e se é assim agora, quanto mais será no mundo futuro. O Senhor dá ao homem tudo o que ele pode reivindicar pela fé, e embora ele não possa ver muitas dessas coisa enquanto ele está na carne, porém há um tempo em que o homem receberá o fim de sua fé, e tudo o que ele anteriormente reivindicou pela fé será parte do pacote que é todo uma parte da salvação tripla.

Vezes sem conta os descrentes permitem que circunstâncias cerquem e limitem sua fé, em vez de sua fé desafiar as circunstâncias. Não adoramos um Deus que está debaixo do capricho das circunstâncias; nosso Deus é Aquele que molda as circunstâncias. Bem diz A. C. Dixon:

Escuro será o dia para o povo de Deus em que permitirem que as forças sob seu comando moldem e meçam sua fé; quando puderem esperar de Deus resultados que não sejam maiores do que conseguem ver naturalmente fluindo das forças em operação. Eles adotaram o ditado mentiroso de Napoleão: ‘Deus está do lado do batalhão mais forte’. — Heaven On Earth (Céu na Terra), p. 102. The Gospel Hour, Inc., Green¬ville, S. C.

Mas sem dúvida a finalidade suprema da fé será ver o Alvo supremo de nossa fé — o Senhor Jesus Cristo — em toda a Sua glória e esplendor, e sermos transformados na Sua semelhança. João menciona a antecipação do crente dessa glória futura: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso o mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro”. (1 João 3:1-3) Não podemos imaginar a glória que virá sobre aqueles que pertencem a Cristo, mas de fato sabemos que teremos uma parte em Sua glória porque somos dEle.

Quando o Senhor vir para Seus escolhidos no arrebatamento dos santos, veremos as coisas em sua luz real, e como ficaremos todos envergonhados por todas as nossas insignificantes murmurações e queixas sobre nosso destino na vida. Nossos problemas e aflições piores de hoje se revelarão então como só aflições leves e momentâneas, conforme declara Paulo: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas”. (2 Coríntios 4:17-18)

Numa palavra, a finalidade de nossa fé não é só receber o livramento completo final da própria presença do pecado por receber corpos novos e glorificados, mas é também receber a própria Fonte de toda bênção, o próprio Senhor Jesus, e toda a inconcebível glória e bênçãos que O cercam, e que são o destino de todos aqueles que são “herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17). Dessas coisas o apóstolo conclui: “Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”. (Romanos 8:18) Que esperança gloriosa, fortalecedora e estabilizadora é essa!

Enquanto aguardamos a conclusão de nossa fé, precisamos reconhecer a verdade de 1 João 5:4 5 e torná-la prática em nossas vidas: “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” Mas tantas pessoas não entendem a principal mensagem desse versículo, e desnecessariamente sofrem por problemas em suas vidas. Cremos que Buell H. Kazee pôs seu dedo no verdadeiro sentido na seguinte citação, e de coração recomendamos seu livro como uma obra que mudará radicalmente a vida do leitor sério para o melhor. Ele diz:

Durante meus anos de pregação eu havia citado esse versículo na carta de João muitas vezes, “Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”, mas aí pela primeira vez na minha vida compreendi seu significado. Era tão simples que me envergonhei de que eu não havia visto isso antes. Inconscientemente, eu havia pregado que se confiarmos em Cristo nossa fé trará a vitória. Mas agora eu vi que em vez disso o versículo diz: “A fé É a vitória!” E é isso o que o hino diz também, mas eu não havia visto isso antes. Assim, não é quando obtemos o que a fé está pedindo, que temos a vitória; é quando temos fé, embora tudo seja negado, que temos vitória. — Faith Is The Victory (A Fé É a Vitória), p. 178. W. B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, Michigan, 1968

A fé não ganha a vitória, mas é a vitória. Que Deus conceda tanto ao escritor quanto ao leitor a fé para abraçar as promessas de Deus, e para suportar os problemas até que agrade ao Senhor que a fé se torne vista, e recebamos a consumação de nossa fé.

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