A Causa de Deus e A Verdade - Parte I - John Gill D.D.

Seção 10—Provérbios 1:22-30

“Até quando, ó simples, amareis a simplicidade? Convertei-vos pela minha repreensão, etc.”

Estas são as palavras de Cristo, que por trás do nome de Sabedoria, é representado anunciando bem alto e proferindo sua voz na cidade, nas ruas, no lugar principal de comércio e na abertura dos portões. Disto devemos entender que é representada a pregação pública da palavra, seja pelo próprio Cristo ou por Seus ministros. O que é adiantado a partir destas passagens em favor de qualquer parte do esquema arminiano, será considerado na seguinte ordem:

I. Dizem [1] que a partir disto “é muito evidente que era principalmente o conselho e vontade de Deus de que mesmo os que não se voltariam, não se arrependeriam e não aceitariam a salvação, deveriam crer e chegar ao arrependimento para se tornarem participantes dela:”. Em resposta ao qual eu observo:

1. Que este escritor, junto aos Remonstrantes, supõe uma vontade de Deus tanto antecedente como consequente, quando ele diz que era principalmente o conselho e a vontade de Deus, etc. Como se o que antes era a vontade de Deus, agora não é a Sua vontade. Essa suposição é contrária à imutabilidade da natureza e vontade divina; que está em uma mente, e quem pode transformá-lo? e o que a sua alma quiser, isso Ele faz. O que foi uma vez a sua vontade, continua sendo e sempre será. Ela não pode ser anulada e transformada em ineficaz pela vontade do homem.

2. Que confunde aqui o conselho de Deus, como também faz em Lucas 7:30, pela vontade intencional de Deus, no que se diz a respeito à fé, o arrependimento e a salvação das pessoas, quando indicado em ambos os lugares, a vontade de comando e a aprovação de Deus; e é expressivo não do que Deus planejou e projetou a respeito dessas pessoas, mas do que eram os seus deveres, os quais seriam gratificantes para Ele e seriam aprovados por Ele. Pois se tivesse sido a sua vontade intencional determinar que estas pessoas, que tinham rejeitado e desprezado Seu conselho, deveriam acreditar, se arrepender e ser salvas, elas teriam crido,se arrependido e se tornado participantes da salvação. Porque quem tem resistido à sua vontade?

II. É intimado a partir daí que o homem não se encontra sob uma incapacidade de crer, de arrepender-se e voltar-se para Deus. Logo, pergunta-se: [2] “Qual o propósito da sabedoria ao dizer a eles, que são assim incapazes: Convertei-vos pela minha repreensão? Ou ela poderia do mesmo modo, sem insultar a miséria da humanidade decaída, rir da calamidade que esta nunca poderia prevenir?” A qual eu respondo

1. que a exortação, Convertei-vos pela minha repreensão, não é para o arrependimento e conversão, mas para uma atenção ao ministério externo da palavra. A repreensão é igual ao conselho, nos versículos 25, 30, onde eles estão juntos,trocados um pelo outro e significam a palavra pregada que reprova o pecado, e declara a justiça e o juízo. E não é virar-se pela minha repreensão, mas a esta repreensão, que é exortada aqui; pois o ????? ?????? não deve ser entendido como convertei-vos pela e sim a ou para minha repreensão. Assim leem Arias Montano, Mercerus, Gejerus, Junius e Tremellius. E o significado é como o Targum interpreta zwnptt ytwgskml, ou seja, vire o seu rosto para a minha repreensão, e não as costas; ou como Aben Ezra diz: Convertei-vos, isto é, os seus ouvidos, para ouvir a minha repreensão; e não afastem o ombro nem fechem seus ouvidos. Agora é certo, que o homem não se encontra sob uma incapacidade de virar o seu rosto e fechar as suas orelhas para o ministério externo da palavra—tamanha a depravação das inclinações e vontade do homem, e tamanho o amor deste pela tolice e zombaria é, e tamanho o seu ódio pelo conhecimento verdadeiro, útil e espiritual, que ele preferiria ouvir uma fábula ociosa, ou as Escrituras comunicadas num formato burlesco, do que um sermão sério e honesto que reprova, revela e informa a condição dele.

2. A calamidade destas pessoas não surgiu de uma deficiência para fazer o que eles foram exortados a fazer, mas foi devido a uma negligência àquilo que eles poderiam ter feito, pois eles poderiam ter frequentado a pregação da palavra, observado as ordenanças e voltado seus rostos e ouvidos para a repreensão da Sabedoria. Porém, escolheram aborrecer o conhecimento e os meios deste: desprezaram sermões, riram das ordenanças e trataram com o maior desprezo cada admoestação, conselho e repreensão. Assim, eles comeram o fruto de seus próprios caminhos e se fartaram com os seus próprios conselhos, versículo 31. Assim, houve uma retaliação justa feita para eles: foram pagos com seu próprio dinheiro. Assim sendo, a Sabedoria foi justa com eles e não houve nenhum insulto da miséria deles, assim rindo de sua ruína, e zombando quando o temor veio sobre eles.

III. Esta passagem é produzida para argumentar em favor da graça suficiente dada aos homens para se arrependerem, crerem e serem convertidos, [3] e para provar que as chamadas, convites e mensagens de Deus, por meio dos seus profetas, são incentivos suficientes para adquirir reforma e arrependimento. A qual, eu respondo:

1. Está claro que as pessoas aqui mencionadas, chamadas, exortadas e ameaçadas, não tinham graça suficiente, uma vez que elas são representadas como tolas, escarnecedoras, amantes da loucura e inimigas do conhecimento, tanto que desprezavam o conselho da Sabedoria e rejeitaram a Sua repreensão.

2. Também não se deve concluir a partir do incentivo que a Sabedoria dá para converter-se à sua repreensão; dizendo: Eis que eu derramarei sobre vós o meu Espírito, e estas palavras não devem ser entendidas como dizendo a respeito ao Espírito Santo nem a dispensação de seus dons extraordinários, nem a graça salvadora, pois quando o Espírito é prometido em um desses sentidos, é comunicado por uma frase diferente do que a usada aqui. Ele é prometido em termos de ser derramado de cima aos filhos dos homens, não como descrito aqui, (vide Isaías 44:3, Ezequiel 39:29; Joel 2:28). Observo que sempre quando o Dr. Whitby cita a passagem diante de nós, inadvertidamente, ele transcreve-a como se fosse ler, [4] derramarei o meu Espírito sobre vós, quando quer dizer a você. Pelo Espírito, devemos entender a mente de Sabedoria, por isso, a palavra ??? é usada em Provérbios 29:11. Por derramarei, entendemos que é uma revelação grande e completa aos filhos dos homens, como é explicado na próxima cláusula: vos farei saber as minhas palavras.

3. Esta revelação externa da mente de Cristo não deve ser chamada de graça suficiente. É, sim, o meio da graça transportadora e implantadora, que não vem em palavra apenas, mas no Espírito Santo e com pode; não um meio suficiente de graça para todos os homens, pois nem todos eles têm-na, nem é assim para todos os que a têm. Para a alguns, é o cheiro de morte para morte, e para os outros o cheiro de vida para vida; nem em si mesma, é um meio suficiente para qualquer um sem a graça eficaz de Deus. Assim,

4. Apesar dos chamados, convites e mensagens de Deus aos homens, por meio de seus ministros, poderem ser às vezes (mas nem sempre) incentivos suficientes para adquirir uma reforma e um arrependimento externo, como se vê entre o povo de Nínive, no entanto, estes não são suficientes em si mesmos, pois sem uma graça poderosa, não são capazes de produzir uma verdadeira fé em Cristo nem o arrependimento evangélico para com Deus, nem uma nova obediência espiritual na vida e nas conversas.

IV. Estas palavras: eu chamei, e vós recusastes; Eu estendi a minha mão e não houve quem desse atenção, são usadas [5] para provar que a graça de Deus pode ser resistida., e que não é necessária uma força irresistível para a conversão de um pecador. Contudo,

1. deve ser observado que há uma dupla chamada: uma que é interna, por intermédio das operações poderosas do Espírito de Deus na alma, com ou sem a palavra, e não pode ser resistida a ponto de cessar, nem ser anulada e transformada em ineficaz. Outra que é externa pelo ministério da palavra: esta sim pode ser resistida, rejeitada e desprezada e transformada em inútil. A chamada em questão é esta última chamada, e não a primeira, e, portanto, de forma alguma milita contra a graça irresistível de Deus, que não pode ser frustrada na conversão. É neste sentido que devemos entender alguns outros textos da Escritura, tais como: Provérbios 2:3, 4; Provérbios 11:3,4; Isaías 65:2 e Mateus 20:16.

2. Dizem [6] que “se um poder tão irresistível fosse necessário para a conversão de um pecador, nenhum homem poderia ser convertido mais cedo do que ele é porque antes que esta ação irresistível se apossasse dele, ele não poderia ser convertido, e quando tal poder viesse em cima dele, ele não poderia escolher, mas apenas ser convertido.” A isto eu respondo: _Não vejo nenhuma coisa absurda nesta consequência. Afinal, já que todos os nossos tempos estão nas mãos de Deus, um tempo para nascer e um tempo para morrer; assim também é o tempo da conversão, que é chamado do tempo de amor (Ez 16:8). Assim, como um homem não pode nascer mais cedo ou mais tarde do que ele nasce, nem morrer mais cedo ou mais tarde do que ele morre. Assim, ele não pode ser convertido mais cedo nem mais tarde do que ele é. Contudo,em seguida,

3.refutam-, [7] que, se este for o caso, “nenhum homem poderia com razão ser culpado por ter vivido tanto tempo em seu estado impenitente e não convertido.” Ao que eu respondo que o viver em um estado impenitente e não convertido é viver no pecado, e, portanto, condenável. E embora o homem, ao pecar tenha se envolvido-se em tal condição da qual ele não pode livrar-se, ele não é menos culpado por viver assim.

4. Além disso, é argumentado [8] que se o homem não pode ser convertido mais cedo do que ele é, Deus deve injustificadamente fazer tal declaração: Até quando, ó simples, amareis a simplicidade? Junto a estes, em outros lugares, Êxodo 16:28; Números 14:11; Jeremias 4:14 e 13:27. Em resposta a qual, será o suficiente dizer que estas passagens não falam de conversão, mas de obediência externa e reforma; as quais podem ser feitas mais cedo, embora a conversão não possa.

5. Dizem [9] que se fosse assim, “não seria louvável nas pessoas a conversão, não estando em seu poder ser de outra forma, uma vez que uma operação que não pode ser frustrada é aquilo que nenhum homem pode impedir.” E isto é verdade, pois todo o louvor procedente de uma conversão é devido à graça poderosa e eficaz de Deus, e nenhum devido ao poder e a vontade do homem.

6. Perguntam:, [10] “Se houver alguma operação física que não poderá ser frustrada por parte de Deus, a qual é necessária para o novo nascimento, por que a falta deste novo nascimento e renovação espiritual é imputada como a falta voluntária de consideração por parte dos homens, a sua rejeição do conselho de Deus, e por não escolher o temor ao Senhor?” (Provérbios 1:24, 25, 29, 30). Eu respondo que a necessidade do novo nascimento e renovação espiritual não é o assunto tratado nos trechos indicados. Contudo, é o ignorar e o desprezo pelo ministério da palavra que é indicado, e a falta do novo nascimento e da renovação espiritual são indicadores disto. Muito menos é o rejeitar do conselho de Deus e não escolher o temor ao Senhor imputado aos homens. Na realidade, é o oposto. Se falamos a verdade, é necessário dizer que o rejeitar o conselho de Deus, e o não escolher o temor ao Senhor são devidos e devem ser atribuídos à falta do novo nascimento e uma renovação espiritual. Além disso, como o novo nascimento e a renovação espiritual são por causa do Espírito e da graça de Deus, e, portanto, chamado de nascer da água e do Espírito, e de renovação do Espírito Santo, assim, a razão da falta deste porque o homem não tem aquela graça que está apenas no poder de Deus, e somente Este pode dar-lhe.

________________________________________

ANOTAÇÕES:

[1] Whitby, p. 72; ed. 2. 71.

[2] Ibid. p. 252; ed. 2. 246.

[3] Whitby, p. 250, 251; ed. 2. 244, 245.

[4] Ibid. p. 181, 251; ed. 2. 177, 245.

[5] Remonstr. in Coll. Hag. art. 3. 4. p. 215.

[6] Ibid. art. 3. 4. p. 221; Whitby, p. 260; ed. 2, 254.

[7] Whitby, ib.

[8] Ibid.

[9] Whitby , p. 261; ed. 2.255.

[10] Ibid. p. 224, 257; ed. 2. 218, 251.

 

Autor: John Gill,D.D.
Tradução: Benjamin G Gardner 05/2014
Revisão: Charity D. Gardner e Calvin G Gardner, 05/2014
Revisão gramatical: Erci Nascimento 08/2014
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br