TODA A HUMANIDADE CULPADA; OU, CADA UM SABE MAIS
DO QUE PRATICA

 

Por William G. T. Shedd

 

(Este discurso é capítulo 5 do livro, Sermons to the Natural Man)



ROMANOS 1:21 - "Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus"

A idéia de Deus é a mais importante e abrangente de todas as idéias das quais a mente humana é possuída. É o fundamento da religião; de toda a doutrina e conduta certa. Um entendimento correto de Deus leva às teorias e práticas religiosas corretas; enquanto qualquer visão errônea ou defeituosa do Ser Supremo irá permear toda a província de religião e exercerá uma influência perniciosa sobre o inteiro caráter e conduta humana.

Em prova disso, só temos que nos referir aos capítulos que abrem a Epístola de Paulo aos Romanos. Aqui encontramos um relato profundo e preciso do processo pelo qual a natureza humana se torna corrupta e segue seu caminho indecente de incredulidade, vício e sensualidade. O apóstolo traça a horrível depravação do mundo pagão, que ele retrata com uma estilo tão afiado quanto ao de Juvenal [um poeta romano], mas sem nenhuma da amargura e sarcasmo mordaz de Juvenal, a uma concepção distorcida e falsa do ser e dos atributos de Deus. Nem por um instante, ele admite que essa concepção distorcida e falsa é fundada na constituição e estrutura original da alma humana, nem que essa ignorância moral é necessária e inevitável. Essa idéia mutilada do Ser Supremo não foi instalada na criatura racional na manhã da criação, quando Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança." Pelo contrário, o apóstolo afirma que o Criador deu originalmente a toda a humanidade, na constituição moral de uma alma racional e nas obras da criação e da providência, os meios de ter uma idéia correta de si mesma, e afirma, implicitamente, que se tivesse sempre utilizado esses meios, ela teria sempre possuído essa idéia . "A ira de Deus", diz ele, "se revela do céu contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em  injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer, neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.” Pois os Seus Atributos Invisíveis, o Seu Eterno Poder e Divindade são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas, de modo que eles [os depravados] são inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, contudo não O glorificaram como Deus" (Rom 1:18-21). A partir disso, parece- nos que a mente do homem não manteve aquilo que lhe foi dado para guardar. A mente humana não tem empregado os instrumentos morais, nem suscitou as idéias morais, com o qual foi equipada E, observe! O apóstolo não limita esta declaração apenas àqueles que vivem dentro dos limites da revelação. Sua descrição é ilimitada e universal. A afirmação do texto, que " tendo conhecido a Deus, contudo não O glorificaram como Deus," aplica-se tanto aos gentios, quanto aos judeus. De fato, a principal referência dessas declarações era o mundo pagão. Foi em referência aos milhões de idólatras na civilizada Grécia e Roma, e aos milhões de idólatras nas bárbaras Índia e China, foi em referência ao mundo inteiro que jaz na maldade, que Paulo observou: " Pois os seus Atributos invisíveis, o Seu Eterno Poder e Divindade são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas, de modo que eles são inescusáveis."

Quando Napoleão voltava da sua campanha no Egito e na Síria, uma noite, ele estava sentado no convés do navio, sob o dossel aberto dos céus, cercado por seus capitães e generais. A conversa tinha tomado um rumo cético, e a maioria daqueles presentes tinham se mostrado contrários à doutrina da existência divina. Napoleão permanecia sentado em silêncio, parecendo meditar de forma profunda, aparentemente não tendo nenhum interesse na discussão, quando de repente levantando a mão e apontando para o firmamento cristalino lotado com seus planetas levemente brilhantes e suas estrelas afiadamente cintilantes, ele declarou em voz alta, naqueles tons surpreendentes que tantas vezes inspiravam um milhão de homens: "Senhores, quem fez tudo aquilo?" O Eterno Poder e Divindade do Criador são demonstrados nas coisas que são feitas, e essas palavras de Napoleão para seus capitães ateus os silenciou. E a mesma impressão é feita em todo o mundo. Vai hoje para o interior do continente africano, ou para o centro Austrália e busque um nativo que jamais teve qualquer contato com a civilização ocidental, e sob um céu claro à luz de estrelas, pergunte: “Quem fez tudo isso?” Imediatamente surgirá em sua consciência, a idéia de um Ser Superior, Superior a todos os seus fetiches e ídolos, que possui Eterno Poder e Supremacia . No instante em que o missionário leva tais idólatras para longe do círculo dos seus ídolos e os traz para estar face a face com os céus e a terra, assim como Napoleão trouxe seus capitães, as idéias originalmente constituídas surgirão de novo, e ele tremerá perante o Poder invisível.1

Mas alguns irão objetar [contestar] que será  uma idéia muito fraca e inadequada da Divindade que se elevará assim na mente dos que não conhecem a Deus como nós conhecemos, e que, portanto, a afirmação do apóstolo que eles estão "sem desculpas", por serem idólatras e sensuais, exige qualificação. Essa pessoa ignorante segundo o opositor, não possui a concepção metafísica de Deus como um Espírito, nem de todos os seus vários atributos e qualidades, assim como conhece um Cristão e aqueles que estão familiarizados com os preceitos do cristianismo. Como, então, pode ser inescusável e condenado perante o mesmo tribunal eterno, e como pode ser condenados à mesma pena eterna, como é o cristão nominal? A resposta é simples, decisiva e derivada das próprias declarações do apóstolo. A fim de estabelecer a culpabilidade de uma criatura racional perante o tribunal de justiça, não é necessário mostrar que ele viveu no sétimo céu, e sob uma chama de inteligência moral como a do arcanjo Gabriel. É necessário apenas mostrar que ele desfrutou de um certo grau de luz moral, e que ele não viveu á medida desta luz. É culpada qualquer criatura que pratica menos do que sabe. Se a luz no intelecto do pagão a respeito de Deus e da lei moral, por mais pequena que seja, é ainda ignorante a favor da inclinação e afeições de seu coração e as ações de sua vida, ele merece ser punido, como todo e qualquer outra criatura sob o governo divino, de quem a mesma coisa é verdade. Graus de conhecimento variam indefinidamente. Não há dois homens sobre o planeta, nem mesmo dois homens na cristandade, que possuem exatamente o mesmo grau de inteligência moral. Há homens que hoje andam pelas ruas desta cidade, sob a plena luz da revelação cristã, cujas noções quanto a Deus e a lei são extremamente terríveis e inadequadas; e há outros cujos pontos de vista são claros e corretos em um alto grau. Mas não há uma pessoa nesta cidade, jovem ou velho, rico ou pobre, ignorante ou educado, que frequentam os lugares do vício ou as cortes da riqueza, cujo conhecimento de Deus não é sacrificado a favor do seu próprio caráter e conduta.1 Todo homem, qualquer que seja o grau de sua inteligência, sabe mais do que ele pratica. Pergunte ao jovem ladrão, nos antros subterrâneos do vício e do crime, se ele não sabe que é errado roubar, e ele te dará uma resposta honesta e na afirmativa. Pergunte a alma mais embriagada, imersa e petrificada na sensualidade, se o seu curso de vida na terra tem sido de acordo com o seu próprio conhecimento e convicção do que é certo e exigido pelo seu Criador, e ela vai responder que não, se responder verdadeiramente.  O grau de conhecimento nas terras cristãs é quase infinitamente variado; mas em todos os casos a quantidade de conhecimento é maior do que a quantidade de virtude. Sabendo pouco ou muito, o homem sabe mais do que pratica; e, portanto, a sua boca deve ser fechada no julgamento, e ele se declarará culpado diante de Deus. Ele não será condenado por não possuir a visão etérea de Deus possuída por serafins; mas será condenado porque sua percepção da santidade e dos santos requisitos de Deus foi suficiente, a qualquer momento, para repreender-lhe por sua negligência. Afinal, até o ponto em que ele conheceu a Deus, não O glorificou como Tal.

E este princípio será aplicado ao mundo não-cristão. É assim aplicado pelo apóstolo Paulo. Ele próprio admite que os gentios não têm desfrutado de todas as vantagens desfrutadas pelosjudeus, e ele argumenta que os judeus ímpios serão visitados com um castigo mais severo do que os gentios ímpios. Mas ele afirma expressamente que os não-cristãos estão debaixo da lei, e eles mesmo reconhecem isto, já que eles “pois mostram a obra da lei escrita em seus corações,” na operação de uma consciência acusadora e condenadora. Mas o conhecimento da lei involve um conhecimento de Deus em um mesmo grau. Quem pode sentir-se favorável a uma lei moral e não pensar ao mesmo tempo em seu Autor? A lei e o legislador são inseparáveis. O primeiro é o espelho e indicador do outro. Se o olho se abre vagamente sobre o mandamento, ele se abrirá também vagamente sobre o Soberano; se ele vê a justiça eterna com uma visão clara e celestial, em seguida, olhará diretamente para o rosto de Deus. A lei e Deus são correlatos um ao outro; e, assim, da mesma maneira que os gentios entendem a lei escrita no coraçã, eles verão o Ser que está assentado sobre o círculo dos céus e se introduz na consciência dos homens. Sendo assim, é evidente que podemos enfrentar o descrente completamente ignorante das coisas de Deus, utilizando as mesmas afirmações com as quais nos confrontamos o ímpio nominal cristão. Podemos dizer-lhe com positividade, onde quer que o encontremos, seja nas areias escaldantes da África ou nas neves do Alaska, que ele sabe mais do que pratica. Vamos conceder-lhe que a qualidade de seu conhecimento moral é pouca e falta desenvolvimento; mas no mesmo fôlego, vamos lembrá-lo que ele não foi capaz de viver nem sequer conforme com essa pouca e não desenvolvida qualidade de conhecimento moral; que ele também é destituído da glória de Deus e que ao conhecer a Deus no menor e mais escura forma, ainda não O glorificou como Deus nem ao mínimo grau. A Bíblia condena o pagão ímpio e licencioso para o inferno, pelo mesmo princípio pela qual ela envia os cristãos ímpios e nominais. É o princípio enunciado por nosso Senhor Jesus Cristo, o juiz dos vivos e dos mortos, quando ele diz: "O servo que soube [claramente] a vontade do seu senhor e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites;  mas o que não a soube [claramente, embora não ao mesmo grau], e fez coisas que mereciam castigo, com poucos açoites será castigado." É apenas o princípio enunciado pelo Apóstolo Paulo, que "todos os que sem lei [escrita] pecaram, sem lei [escrita] também perecerão."2 Isto é certo e justo, e que todo o universo diga “Amém”.

A doutrina ensinada neste texto, que nenhuma criatura humana, em qualquer país ou em grau de civilização, jamais glorificou a Deus à medida que O conheceu, é muito fértil em suas inferências solenes e surpreendentes, e é para para alguns desses que agora pedimos a sua ATENÇÃO.

1.     Em primeiro lugar, decorre desta afirmação do apóstolo Paulo que todos os povos do mundo sem conhecimento do cristianismo estão condenados e perdidos. Ele próprio chama essa inferência, ao dizer "que se cale toda a boca, e todo o mundo fique sujeito ao juízo de Deus" no julgamento.

A condição presente e futuro do mundo assim não cristão é um assunto que sempre contou com a participação de duas classes muito diferentes de homens. A Igreja de Deus tem ponderado, trabalhado e orado sobre esse assunto, e irá continuar a fazer tais até o milênio. E aqueles que não acreditam na revelação de Deus também voltaram suas mentes para a consideração dessas multidões que jazem, isto é, morto na ignorância e na miséria, que se espalham sobre o globo como um oceano caótico; esses milhões que tornam o aspecto do mundo tão triste e tão escuro. A Igreja, não precisamos dizer, já aceitou a teoria bíblica e traçou a condição perdida do mundo descrente, como o apóstolo Paulo faz para o pecado e transgressão. Os servos de Deus sustentam que cada integrante desses povos descrentes é um ser racional, e em virtude desse fato tem conhecido alguma coisa da lei moral; e que, à medida do conhecimento que ele teve, ele é tão culpado para a transgressão da lei, e verdadeiramente sob a condenação, como é o morador sob a luz da revelação e da civilização avançada. Eles sustentaram que toda criatura humana tem desfrutado de luz suficiente; no funcionamento da razão natural e da consciência, e nas impressões que são feitas pela glória e o terror do mundo natural acima e em torno dela, para torná-la culpada perante o Juiz Eterno. Por essa razão, a Igreja nega que são criaturas inocentes os que ainda não foram tocados pelo cristianismo, nem poderão esses se desculparem perante o julgamento do Conhecedor de Corações. Por essa razão, a Igreja crê na declaração do apóstolo João, de que "o mundo inteiro jaz no Maligno" (1 João 5. 19). Ela tem se esforçado para obedecer o mandamento de Cristo, o qual veio para redimir tanto os pagãos quanto os cristãos nominais, e para ir e pregar o evangelho a toda criatura, porque cada uma dela é uma criatura perdida.

Mas aqueles que negam a revelação divina adotam a teoria da inocência humana, e olham para toda a miséria e ignorância do paganismo do mesmo modo que observam o sofrimento, a decadência e a morte, nos mundos dos animais e vegetais. Um mal temporário é a condição necessária, tais afirmam, de toda a existência finita. Assim como a decadência e a morte no mundo de animais e plantas resulta em uma vegetação mais luxuriante, e um aumento multiplicada de seres vivos, assim também a impiedade das centenas de gerações, e dos milhões de indivíduos, durante os sessenta séculos que se passaram desde a origem do homem, irá tudo voltar-se para o bem final e eterno de toda a raça humana. Não há necessidade, portanto, esses afirmam, de se esforçar para salvar tais seres fracos e ignorantes de condenação judicial e da pena eterna. Tal finitude e fraqueza não podem ser descritas em termos de ser o inimigo eterno de Deus. Como pode ser perguntado a esses, que os milhões sobre milhões que nasceram, viveram sua breve hora, gozaram de pequenas alegrias e sofreram dores agudas, e em seguida, cairam no "escuro abismo além do tempo", eram criaturas verdadeiramente culpadas e desceram para um inferno sem fim?

Mas o que implica todo esse raciocínio e negação? Será que o discordante realmente assumirá a posição firme de que os homens pagãos não são criaturas racionais e responsáveis? que tais civilizações não têm o conhecimento suficiente da verdade moral para justificar o trazer desses para o banco dos réus no julgamento de Deus? Será que ele vai afirmar que a população que sabia o suficiente para construir pirâmides, e não tinha conhecimento o suficiente para respeitar a lei de Deus? Ele afirmará que as civilizações da Babilônia e de Nínive, da Grécia e da Roma não tinham a inteligência moral para constituir um fundamento de recompensas e punições? Será que ele vai nos dizer que o povo de Sodoma e Gomorra era no mesmo nível dos animais brutos que perecem, e das árvores do campo que apodrecem e morrem, não tendo idéia de quem é Deus, nem podendo distinguir o certo e o errado, e não podendo sentir as dores de uma consciência acusadora? Será que ele vai manter o que a população da Índia, no meio do qual um dos mais sutis e engenhosos sistemas de panteísmo surgiu com a exuberância e as involuções de uma de suas próprias florestas, e tem enervado todo o sentimento religioso da raça hindu como o ópio tem enervado sua estrutura física—será que ele irá manter que tal atividade mental, incansável e persistente como essa é incapaz de apreender os primeiros princípios da ética e da religião natural, que, em comparação com os raciocínios complicados e obscuros do Budismo, são claros como água e lúcidos como o ar atmosférico? Em outros contextos, tais teoristas não falam nesse estilo. Em outros contextos, e com a finalidade de exagerar a religião natural e depreciar a religião revelada, ele discursa amplamente sobre a dignidade do homem, de cada homem, e elogia o poder da razão que tanto exalta na escala dos seres. Com Hamlet, ele dilata-se em frase orgulhoso e inchaço: “Que obra de arte é o homem! Que nobre na razão, que infinito nas faculdades, na expressão e nos movimentos, que determinado e admirável! Quão parecido a um anjo nas ações, quão parecido a um deus na inteligência – a beleza do mundo, o modelo dos animais!São esses mesmos teorizadores, que negam que as nações estão em perigo de perdição eterna, e que representam o conjunto da obra missionária como uma obra de supererrogação, da qual recebemos as descrições mais extravagantes dos poderes e dons do homem natural. Agora, se esses poderes e dons pertencem à natureza humana já desde a sua constituição, eles certamente estabelecem uma base para a responsabilidade moral. E em consequência, todos esses teóricos ou devem ser capazes de demonstrar que o homem pagão tem feito um uso correto de tais poderes e faculdades, e andou de acordo com esta grande quantidade de verdade e da razão com a qual, de acordo com sua própria declaração, ele é dotado, ou então eles precisarão remetê-lo, como o apóstolo Paulo faz, à ira de Deus que do céu é revelada “contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça." Se você afirmar que o homem pagão jamais teve algum talento confiado a ele, e puder provar sua afirmação e nunca desistir de tal afirmação, você deve ser consistente ao negar que ele pode ser convocado para o tribunal de Deus, e ser julgado ou para a vida eterna ou a morte. Mas se você admitir que ele teve um talento, ou dois talentos, confiado a ele; e ainda por cima insistir em exagerar seus dons e dotá-lo com cinco ou dez talentos, então é impossível você salvá-lo do juízo vindouro, exceto se você puder provar um uso e uma administração perfeita daquilo confiado a ele.3

2.     Em segundo lugar, resulta da doutrina destse texto que a população degradada e brutalizada das grandes cidades também estão condenadas e perdidas.

nações perto das nossas próprias portas cuja condição religiosa é tão triste e sem esperança, como a daquelas longes de nós na Patagônia ou Nova Zelândia. Os vícios e crimes que se vê por todo lugar, e os motins nas grandes cidades da cristandade tornaram-se um tema comum. Deste modo, deixando de ser novidade, acabou perdendo o interesse da mente mundana. Os costumes e a terrível situação da vida da população marginalizada de Londres e Paris foram descritos pelos autores romancistas e acabou despertando uma emoção momentânea nos leitores de ficção. Mas a realidade é severa e terrível, além da imaginação ou concepção. nas fossas das grandes capitais da cristandade uma massa de criaturas humanas que nascem, vivem e morrem em putrefação moral. Sua existência é uma carreira contínua de pecado e da desgraça. Corpo e alma, mente e coração, são dados à carnalidade, aos prazeres e à corrupção. Tais surgem para a luz do dia por um breve momento, correm a sua carreira rápida e ardente do pecado, e depois desaparecem. Dante Alighieri, naquela visão maravilhosa que se enquadra tanto na verdadeira ética e teologia, representa a classe colérica e melancólica como afundando sob as águas encharcadas e continuando a respirar de forma convulsiva, sufocante, enviando-se bolhas à superfície, quais bolhas marcam o lugar onde eles estão traçando suas existências.4  Algo assim é a vida miserável de uma população marginalizada. Quando olhamos para esta massa que se fermenta, os únicos sinais de vida que atendam nossa opinião indicam que a vida é febril, espasmódica e sufocante. As bolhas subindo para a superfície escura e turva revelam que é uma existência vivida em morte.

Mas isso, também, é o resultado do pecado. De um por um, pegue os átomos que constituem essa massa de poluição e miséria, e você descobrirá que cada um deles possui uma vontade auto-direcionada e não forçada. Nenhum desses milhões de pessoas foram forçadas pelo Deus Todo-Poderoso, ou por qualquer um dos arranjos de Deus, a fazer o mal. Cada uma delas é uma agente moral, igual a você e eu. Cada uma delas é obstinada e auto-determinada no pecado. Cada uma odeia manter a verdade religiosa em mente, e odeia igualmente obedecer tal verdade em seu coração. Vá para o lugar onde os mais desprezíveis dos vícios são praticados livremente e busque lá a pessoa mais bestial; traga à sua lembrança aquela categoria de verdades com as quais ele já está familiarizado em virtude de sua natureza racional, e adicione a esses as verdades ensinadas na revelação divina, e você descobrirá que ele tem grande preconceito contra ela. Ele se indentificará, com toda a profundidade e intensidade de seu ser, com a natureza pecaminosa que é comum aos homens, o qual tanto a ética como o evangelho têm o objetivo de remover. Este homem vicioso e bestial ama o pecado, e tudo aquilo que é proibido, mais do que ele jamais amará a santidade que é mandada. Ele se inclina para o pecado que tão de perto o rodeia, exatamente como você e eu nos inclinamos para os pecados particulares que tão de perto nos rodeiam. Admitimos que as tentações que o assaltam são muito poderosas, mas não são assim também as tentações que cercam você e eu? Admitimos que esse miserável escravo do vício e da iniquidade não pode se livrar dos seus pecados pela justiça, sem a renovação e auxílio da graça de Deus; assim como nem eu nem você podemos ser livrados.. É a ação de sua própria vontade que o fez um escravo. Ele ama suas correntes e cativeiro, assim como você e eu naturalmente amamos os nossos; e isso prova que a sua corrupção moral, embora assumindo uma forma aparentemente mais repugnante que a nossa, é ainda a mesma coisa em princípio. É a aversão arraigada do coração humano, a aversão absoluta da vontade humana à pureza e santidade de Deus; é a mente carnal que “é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser” (Rom. 8:7).

Mas não há nenhuma prova mais convincente de que as criaturas degradadas, das quais falamos, são pecadoras por livre e espontânea vontadate, do que o fato de que elas resistem os esforços alheios para as resgatarem. Pergunte a estes missionários fiéis e benevolentes que descem aos covis do vício e poluição para trazer luz às mentes, e induzir esses excluídos a deixarem a embriaguez e o deboche—pergunte-lhes se eles descobriram que a natureza humana é diferente do que é em outro lugar, quanto a submeter-se às reivindicações de Deus e da Sua lei. Será que eles lhe dirão que são uniformemente bem sucedidos em induzir esses pecadores a deixarem os seus pecados? Que eles nunca encontraram qualquer vontade própria, qualquer oposição determinada à santa lei de pureza, qualquer preferência por uma vida de libertinagem com todos os seus problemas aqui na terra e a certeza de uma vida futura no inferno, à uma vida de abnegação com as suas alegrias eternas? Pelo contrário, eles testemunham que a velha máxima que tantos milhões das famílias humanas agiram: "Aproveite o presente e arrisque as consequências do porvir", é a regra para essa massa de população, dos quais muito poucos podem ser persuadidos a deixar suas bebedeiras e suas orgias. Assim como o povo de Israel, o profeta Jeremias protestou contra eles por sua idolatria e poluição, a maioria da população degradada de quem estamos falando, quando os esforços foram feitos para recuperá-la, diz ao filantropo e ao missionário: " Não há esperança; porque tenho amado os estranhos, e após eles andarei. " (Jer. 2:25). Não há um único indivíduo de todos eles que não ama o pecado que o está destruindo mais do que ama a santidade que iria salvá-lo. Não obstante, todos os acompanhamentos horríveis do pecado—a sujeira, a doença, a pobreza, a dor do corpo e da mente—tais homens miseráveis preferem ter por algum tempo o gozo do pecado, ao invés de sair e separar-se do imundo e começar aquela guerra santa e a praticar a obediência para a qual o seu Deus e Salvador o convida. Isso, repetimos, prova que o pecado não é imposto ao homen. Porque, se ele odiasse o próprio pecado, ou melhor, se no mínimo, ele se sentisse cansado e oprimido por causa disso, conseguiria deixá-lo, pois há uma livre graça, e uma assistência oferecida pelo Espírito Santo, da qual ele pode valer-se a qualquer momento. Se ele tivesse a sensação do cansado e pródigo penitente, a casa do mesmo pai estaria e está sempre aberta para o receber no seu retorno; e o mesmo pai ao vê-lo retornando, embora ainda longe, iria correr e cair sobre seu pescoço e beijá-lo. Mas o coração é endurecido, o espírito é totalmente egoísta, a vontade, perversa e determinada e, portanto, o conhecimento natural sobre Deus e a sua lei que este pecador possui por sua própria constituição, e o conhecimento acrescentado que o seu nascimento em um terra cristã e os esforços dos cristãos benevolentes tem repartido para com ele, não são fortes o suficiente para superar sua inclinação e preferência, e induzi-lo a romper seus pecados pela justiça. Para ele, também, assim como para cada homem que ama o pecado, essas palavras solenes serão pronunciadas no dia do julgamento final: “Pois do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que suprimem (katecein) a verdade em injustiça. Porquanto, o que de Deus se pode conhecer, dentro deles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Pois os Seus Atributos Invisíveis, o Seu Eterno Poder e Divindade, são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas, de modo que eles são inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, contudo não O glorificaram como Deus.

3. No terceiro e último lugar, desenvolvemos o entender a partir dessa doutrina do apóstolo Paulo, que aquelas populações esclarecidas e cultas, habitantes  de terras cristãs, mas que não creram no Senhor Jesus Cristo nem se arrependeram do pecado, estão no mais profundo estado de condenação e perdição.

"Mas se tu és chamado judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e conheces a sua vontade e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído na lei; e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor dos néscios, mestre de crianças, que tens na lei a forma da ciência e da verdade; tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas?  Tu, que dizes que não se deve cometer adultério, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?" Se é verdade que os menos familiarizados com o cristianismo sabem mais de Deus e da lei moral do que eles jamais colocarão em prática; se é verdade que os filhos do vício e da poluição moral sabem mais de Deus e da lei moral do que eles jamais colocarão em prática; quanto mais temerosa verdade é que o morador de um lar cristão, o visitante da casa de Deus, o possuidor da Palavra escrita, o ouvinte de oração (e, muitas vezes, o assunto das mesmas orações!), possui um conhecimento à respeito de sua origem, odever e destino que ultrapassa infinitamente o seu caráter e conduta. Se o castigo eterno descerá sobre aquelas classes da humanidade que sabem comparativamente pouco por terem sido infiéis àquele pouco, certamente a punição eterna irá cair sobre aquela classe favorecida que sabem comparativamente muito, pois têm sido infiel no muito. "Porque, se isto se faz no lenho verde, que se fará no seco?"

A grande acusação que será trazida contra a criatura quando ela se encontrar no juízo final, é: "tendo conhecido a Deus, contudo não o glorificaram como Deus." E isso irá cair com mais peso contra aqueles cujos conhecimentos foram mais illuminadas. É um grande privilégio ser capaz de conhecer o Criador infinito e glorioso; mas traz consigo uma responsabilidade infinitamente mais solene. Este abençoado Ser de justiça reivindica a homenagem e obediência de Sua criatura. Ele pede o mesmo ao homem que ao anjoque eles devem glorificar a Deus, tanto no corpo quanto no espírito, que são dEle, e, assim, desfrutar de Deus para sempre e para sempre. Essa é a condenação sob a qual o homem, e especialmente o iluminado e culto se encontra: que, mesmo conhecendo a Deus, ele não O glorifica,  nem regozija-se nEle. Nosso Redentor viu isso com toda a clareza de sua Mente Divina; e para redimir a criatura da culpa terrível da sua auto-idolatria, da própria disposição de adorar e amar a criatura mais que o Criador, Ele foi encarnado, sofreu e morreu. Não é um pequeno crime que exige tal obra de expiação e tal obra divina como a de Cristo e Sua redenção. Entenda a culpa de estar destituído da glória de Deus (que é a mesma culpa por ser idólatra e adorar a criatura) pela natureza da obra que tem sido feita para cancelá-la. Se você realmente não sente que esse crime é grande, então ganhe uma visão mais justa pela consideração que tal crime custou o sangue de Cristo para expiá-lo. Se você realmente não pensa que a culpa é grande, então em seguida, para ter uma visão mais clara, reflete que você tem conhecido que Deus é: Supremamente GRANDE, Soberanamente BOM e EXCELENTE ao extremo, e ainda assim você nunca veio a honrá-Lo, em um único sentimento do seu coração, em um único pensamento da sua mente, em um único propósito da sua vontade. É honra, reverência, adoração e amor que Ele requer. Esses você nunca prestou; e existe uma infinidade de culpa no fato. Essa culpa será perdoada pelo amor de Cristo, se você buscar tal perdão. Mas se você não pedir, então ficará registrada contra você por idades eternas: "Quando ele, uma criatura racional e imortal, conheceu a Deus, não o glorificou como Deus."


 


NOTAS DE RODAPÉ


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Os pais da igreja, ao defender a doutrina cristã de um só Deus contra as objeções do pregadores das mitologias populares, afirmam que os melhores entre os próprios escritores pagãos concordavam com a nova religião, pois ensinavam que existia um Ser Supremo. LACTÂNCIO (Institutiones i. 5), depois de citar os poetas Órficos, Hesíodo, Virgílio e Ovídio, em prova de que os poetas pagãos ensinavam a unidade da Divindade Suprema, passa a mostrar que os grandes filósofos pagãos também concordavam com eles nisso. "Aristóteles", diz ele, "embora ele se contradiga, e diga muitas coisas que são auto-contraditórias, ainda atesta que uma Mente Suprema governa o mundo. Platão, que é considerado como o filósofo mais sábio de todos, clara e abertamente defende a doutrina de uma monarquia divina e denomina o Ser Supremo, não como éter, nem como razão, nem como sendo a própria natureza, mas, assim como ele é, Deus; e afirma que por Ele este mundo perfeito e admirável foi criado. E Cícero segue Platão, frequentemente confessando a Divindade, e chama-a de Ser Supremo. Em seu tratado sobre as leis." TERTULIANO (De Test. An. c 1; Adv. Marc. i.10; Ad. Scap. c. 2; Apol. C. 17), era, entre todos os pais, o mais veemente em opor o filosofar das escolas, e sinceramente alegava que a doutrina da unidade de Deus é constitucional à mente humana. "Deus", dizia ele: "revela-se como Deus, e o único Deus, pelo próprio fato de que Ele é conhecido por todas as nações; pois a existência de qualquer outra divindade antes dEle teria que ser primeiramente demonstrada. O Deus dos judeus é aquele a quem as almas dos homens chamam de Deus. Adoramos um Deus, aquele a quem vós todos, naturalmente, sabem, aquele cujos relâmpagos e trovões vos fazem tremer, em cujos benefícios exultamos. Quereis que provemos a existência divina pela testemunha da própria alma, que, embora confinada pela prisão do corpo, circunscrita pela formação, enfraquecida pelos desejos e paixões, feita a serva de falsos deuses, mas quando recupera-se a partir de um excesso, como de um sono, como de alguma enfermidade, e está em sua condição racional, chama a Deus por este nome, porque é o nome próprio do Deus verdadeiro. "Grande Deus", "Deus Bom", e "Deus Queira" [dens, não dii], são palavras achadas em todas as bocas. A alma também testemunha que Ele é o seu juiz, quando ela diz: "Deus vê", "Graças a Deus", "Deus me recompensará." Estes são os testemunhos de uma alma naturalmente cristã [monoteísta]! Finalmente, ao pronunciar essas palavras, não olhem para o capitólio romano [templo dedicado a Júpter], mas para o céu; pois sabe a alma que lá é a morada do Deus verdadeiro: de Ele e de ali desceram." CALVINO (Inst. i.10) parece ter tido essas declarações em mente, nas seguintes observações:" Em quase todas as épocas, a religião tem sido geralmente corrompida. É verdade, de fato, que o nome de um Deus supremo tem sido universalmente conhecido e celebrado. Para aqueles que adoravam uma multidão de divindades, sempre falaram de acordo com o verdadeiro sentido da natureza, usando simplesmente o nome de Deus no singular, como se eles estivessem contentes com um Deus. E isso foi sabiamente percebido por Justino Mártir, que para este fim escreveu um livro, Sobre A Monarquia de Deus, no qual ele demonstra, a partir de numerosos testemunhos, que a unidade de Deus é um princípio universalmente impressionado no coração dos homens. Tertuliano (De Idololatria) também demonstra o mesmo ponto, a partir da fraseologia comum. Mas desde que todos os homens, sem exceção, se tornaram vãos em seus próprios entendimentos, toda a percepção natural da Unidade Divina tem apenas servido para torná-los indesculpáveis." Em consonância com esses pontos de vista, a CONFISSÃO PRESBITERIANA DE FÉ (cap. 1.) afirma que "a luz da natureza e as obras da criação e providência, de tal modo manifestam a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, o que deixa os homens indesculpáveis."

2 A palavra
apolountai, em Rom. 2:19, opõe-se à swthria falada em Rom. 1:16, e, portanto, significa a perdição eterna, assim como a primeira significa a eterna salvação. Aqueles teóricos que negam a religião revelada, e pregam que a humanidade deve buscar os primeiros princípios da ética e da moralidade como a única religião que eles precisariam, assim os manda para um tribunal que o condena . "Diga-me", diz Paulo, "vós que quereis estar debaixo da lei, não ouvis vós a lei? A lei não é da fé, mas o homem que os pratica viverá por ela. Circuncisão na verdade, é proveitosa, se guardares a lei; mas se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão." Se o homem tivesse sido fiel a todos os princípios e preceitos da religião natural, seria de fato uma religião suficiente para ele, mas ele não foi, portanto, fiel. A lista completa de vícios e pecados recitadas por Paulo, no primeiro capítulo de Romanos, é tão contrária à religião natural, tanto quanto é contrária à religião revelada. E é precisamente por causa do mundo pagão não obedecer os princípios da religião natural, e estar sob maldição e escravidão, que como resultado, os homens são tão necessitados da verdade da religião revelada. Mal sabem eles do que estão falando, quando se propõem a encontrar uma salvação para o descrente na mera luz da razão natural e da consciência. Qual descrente guardou perfeitamente as verdades da consciência natural, em seu caráter interior e na sua vida exterior? Qual descrente em todas as suas gerações não será considerado culpado diante do tribunal da religião natural? Qual descrente não irá precisar de uma expiação por sua incapacidade de viver até mesmo à luz da natureza? Não, o que é todo o culto sacrificial do paganismo, senão uma confissão de que todo o mundo pagão encontra-se e -se culpado perante o tribunal da razão natural e da consciência? A voz acusadora dentro deles acorda seus pressentimentos e expectativa horrível do juízo divino, e eles se esforçam para propiciar o Poder ofendido por meio das suas oferendas e sacrifícios.

3 A infidelidade está constantemente trocando de argumentos. No século 18, o cético em geral, assumia os argumentos de Lord Herbert de Cherbury, e sustentavam que a luz da razão é muito clara, e é adequada para todas as necessidades religiosas da alma. No século 19, ele está passando agora para o outro extremo, e alegando que o homem é parente do macaco, e dentro da esfera do paganismo, não possui inteligência moral o suficiente para constituir-se responsável. Assim como o mendigo bêbado a cavalo (como citado por Lutero), o adversário da revelação divina vai balançando de um lado para o outro: primeiro afirma que o homem é um deus, e depois diz que ele é um chimpanzé.

4 DANTE Inferno, vii. 100-130.

 

Tradutor 10/14: Benjamin G Gardner
Revisora de gramática 11/14: Erci Nascimento
Fonte: www.PalavraPrudente.com.br